quarta-feira, 14 de setembro de 2016

O melhor mandato - Rosângela Bittar

- Valor Econômico

• Quem entrega tudo o que pedem é dono de armazém

Antes que o último manifestante recolha-se ao lar, vindo dos protestos de domingo, o presidente da República, Michel Temer, terá terminado seus dois anos de mandato e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, muito antes ainda, em escassos seis meses, terá passado o bastão ao sucessor. Essa combinação de altas autoridades do Executivo e do Legislativo nas mesmas condições de estarem completando mandatos eletivos interrompidos, pode levá-los a fazerem juntos o melhor mandato para o Brasil, neste momento. É o pensamento do sociólogo Paulo Delgado, também ex-deputado fundador do PT, que registra em seus estudos o atual momento de conclusão dos ciclos governamentais do partido dos trabalhadores.

As condições para que esse super mandato aconteça o sociólogo vai expondo num plano em que tudo parece realizável, bastando decisão. Por exemplo, para se distinguirem dos períodos petistas, têm que ter aliados de verdade, não devedores de obrigação nem protegidos. Aliados na sociedade, no Estado e no setor econômico. "O presidente do Brasil e o presidente da Câmara precisam oferecer ao Brasil um novo esclarecimento, com isso vão produzir uma nova motivação".

A análise perscruta as manifestações, sua organização, slogans. "Estamos vendo a decepção dos felizes. É como a seca de Brasília, os dias são bonitos, ensolarados, mas não são bons, são quentes, tem poeira, não chove". Assim, uma sequência de dias felizes não significa que seja uma sequência de dias bons.

"Muito das passeatas é a decepção dos felizes", reafirma. Delgado aponta a confusão de slogans: "falam a primeira parte da frase, fora, Temer, mas não falam a segunda, volta, Dilma; é porque não é esse o sujeito oculto, o que gostariam de dizer é volta, Lula.

Temer, no raciocínio de Delgado, é do mesmo período que está sendo rifado pela sociedade, e isso ele precisa entender para dar as respostas necessárias. "Então, ele não pode fazer um movimento restaurador. Mas ao mesmo tempo não conseguirá fazer um movimento totalmente renovador. Ele tem que preparar o país para a renovação e não para a restauração."

Ainda nas condições para realizar o melhor mandato, recomenda o sociólogo enfrentar o problema da liderança política no Brasil. "O país tem que ser governado por lei e não por pessoas. Não podem as pessoas serem maiores do que a Constituição. E acabar com o carisma, é preciso interditar os carismáticos do ponto de vista político".

A condicionalidade essencial deste momento, em seu raciocínio, é ter uma política com mais paciência que a da sociedade. "Os governos têm que ser impacientes com quem gera impaciência na sociedade. Um dos personagens responsáveis pela impaciência da sociedade têm sido líderes políticos".

Para Paulo Delgado, os movimentos de protesto seriam mais sinceros se os que fossem para as ruas dissessem "fica, Temer, volta, Dilma", pois os dois foram um só projeto; ou, fora, Temer, volta, Lula".

"Mas há uma insinceridade geral no movimento popular. Essa confusão de slogans que não fazem sentido, porque são slogans que não contém nenhuma esperança real. Não tem ninguém indo a San Francisco encontrar pessoas com flores no cabelo (The Mamas and The Papas, San Francisco). Não é um movimento hippie, não é europeu contra a crise econômica, não é um movimento grego, é a decepção dos felizes".

A fórmula desta decepção: "Ninguém aguenta uma sequência interminável de facilidades; só cobram do governo o que ele não pode oferecer; têm mania de por a culpa nos outros". O individualismo nocivo tomou conta da política, atesta.

O grande problema, registra Delgado, é que o Brasil é muito maior que esses desapontamentos políticos, seja na gestão do Estado, seja no protesto, seja nas manifestações contra a ineficiência do Estado.

Há quatro coisas que não se pode fazer neste momento, segundo sua recomendação: não se pode expandir crédito, não se pode desonerar, não se pode perder o controle fiscal, e não se pode expandir o gasto do Estado. Isso é que é não restaurar.

A seu ver, o governo precisa dizer claramente à sociedade que não haverá saque a descoberto, dizer que não vai sacar contra a sociedade, mesmo que o destino seja a sociedade. "Se você emprestar a uma pessoa dinheiro podre, ela apodrece."

A outra questão é que é preciso modernizar a relação da saúde e educação com os recursos do Estado. A vinculação pura e simples não produziu melhoria. E tem que ter claramente meta de inflação.

O lider necessário atual, afirma Delgado, tem que se defender dos que querem que ele prejudique o povo. "Tem que conseguir convencer o povo que a facilidade, no momento, é uma mentira. Quem pede ao adversário o que ele não pode entregar, está mentindo para o povo".

Voltando à queda do governo petista: "A oposição não pode pedir ao governo o que ela sabe que ele não pode entregar. Foi isso que levou à crise do PT. Lula entregava tudo o que pediam a ele. Isso é dono de armazém, não é governante". Temer e Maia, voltando à possibilidade do grande mandato que complementará o período, são dois lideres que têm condições de sinalizar para o povo que a facilidade é contra o povo. "O Brasil precisa de um lider que defenda o povo contra os amigos do povo".

Troca de comando
A poética e feliz celebração da assunção da ministra Carmen Lúcia à presidência do Supremo Tribunal Federal deve-se, em boa parte, à qualidade de sua biografia e temperamento, mas parcela substancial do foguetório é reveladora da negação ao mandato do presidente que sai, Ricardo Lewandowski. Embora coerente com sua conduta no julgamento do Mensalão, onde foi contraponto contestador e revisor dos votos do relator Joaquim Barbosa, e com as atitudes desde sempre corporativistas que pautaram sua atuação, Lewandowski ainda conseguiu surpreender no final. O acordo para aceitar DVS modificador do texto da Constituição já aprovada, testada e aplicada desde 1988, para beneficiar Lula, Dilma e o PT, foi a coroa de espinhos de uma trajetória polêmica. Provavelmente vale a analogia para a sucessão na Advocacia Geral da União, onde não se sabe se Grace Mendonça foi mais saudada por suas numerosas qualidades do que por suceder o controverso Fábio Medina Osório.

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