• O caminho tortuoso do julgamento da tese de que réu não pode estar na linha sucessória do presidente estimula especulações que não ajudam a segurança jurídica
Ninguém sobreviveu incólume ao embate institucional deflagrado pela atitude de afronta ao Supremo assumida pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ao se recusar a receber notificação de liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello, para ele se afastar do cargo, por ser réu num processo em que é acusado de peculato.
Como necessário, a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, convocou para o dia seguinte, ontem, o Pleno da Corte, a fim de julgar o impasse, revestido de características de um grave choque de instituições. No final, apesar de diversas referências críticas à atitude de Renan, referendada pela Mesa do Senado, de virar as costas a uma liminar da mais alta Corte do país, o político alagoano saiu vencedor, por seis votos a três: ficará no cargo, embora, segundo o voto vitorioso proferido pelo decano do STF, Celso de Mello, sem poder assumir o cargo de presidente da República.
Uma “meia-sola” constitucional, segundo disse Marco Aurélio Mello, relator do caso, ao proferir o voto pelo afastamento do senador do cargo. Não adiantou o tom incisivo do ministro ao alertar os pares de que é preceito constitucional não haver réu na linha de substituição do presidente da República. Sequer, no entender de Marco Aurélio, a Carta prevê que se “pule” alguém nesta linha sucessória, como acontecerá, numa eventualidade, com Renan. Também não teve peso o forte apoio do procurador-geral Rodrigo Janot ao afastamento de Renan.
Infelizmente, há o risco, mencionado por Marco Aurélio no julgamento, de restarem arranhões para o Supremo. As ruas, é certo, não absorverão que o principal alvo das manifestações de domingo haja vencido uma queda de braço com o Supremo, uma referência imprescindível em qualquer momento, muito mais numa crise como a que pela qual passa o país. A mesma Corte que atuou no seu conjunto de forma irrepreensível no processo de impeachment de Dilma Rousseff.
Juiz não deve mesmo julgar de olho na rua. Mas foi confuso o labirinto em que transitou essa história, desde que o julgamento, no início de novembro, sobre a fixação da tese de que réu não pode estar na cadeia de substituição do presidente, terminou suspenso por pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Isso pode projetar pontos de interrogação sobre o STF, nada bom para a segurança jurídica do país. À época, Toffoli pediu vista quando já havia votos suficientes para sancionar a tese. Foi também com base nisso, na “fumaça do bom Direito”, que o relator daquele processo, Marco Aurélio, atendeu ao pedido de liminar contra Renan, do mesmo responsável pelo processo do julgamento de novembro, o partido Rede.
Mesmo assim, o ministro foi vencido ontem, um desfecho a ser tachado de fruto de algum “acordão” envolvendo o Planalto — o que não se pode admitir. De fato, a manutenção de Renan é garantia de que, na terça que vem, deverá ser aprovada de vez a PEC do teto, fundamental para o início do efetivo ajuste da economia. Neste sentido, melhor a continuidade de Renan do que precisar pressionar e negociar com o seu substituto, Jorge Viana (AC), senador afável, mas do PT.
Sequer Renan sai da crise sem avarias. Sofreu um abalo político e encerrará o mandato de presidente do Senado como réu no Supremo e em confronto com juízes e procuradores. Na planície, ficará menos protegido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário