Por Carolina Oms e Maíra Magro – Valor Econômico
BRASÍLIA - O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), saiu vitorioso ontem do julgamento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu mantê-lo no cargo, apesar de responder a processo criminal na Corte. Por seis votos a três, os ministros concluíram que a condição de réu só impede Renan de assumir a Presidência da República, mas não é obstáculo para o comando do Senado.
A solução foi costurada pelos ministros anteontem, em reuniões no gabinete da presidente do Supremo, Cármen Lúcia. Foi uma tentativa de acalmar a crise institucional gerada pela liminar concedida na segunda-feira pelo ministro Marco Aurélio Mello determinando o afastamento de Renan da presidência do Senado.
Marco Aurélio foi derrotado mesmo após fazer, em seu voto como relator, um apelo enfático aos colegas da Corte para honrar suas próprias biografias e a história do STF. Disse que a ideia de afastar Renan da linha sucessória da Presidência da República, mas mantê-lo no comando do Senado, seria um "jeitinho", "deboche institucional" ou solução "meia sola". Ele criticou a recusa do Senado em cumprir sua liminar ordenando o afastamento de Renan, classificando a atitude como "inconcebível, intolerável e grotesca".
Para Marco Aurélio, a postura equivale a "reescrever a Constituição em beneficio de um certo réu". O ministro também pediu o encaminhamento do caso à Procuradoria-Geral da República para avaliar abertura de inquérito contra Renan e outros integrantes da Mesa do Senado "com sinalização de prática criminosa."
A tese vencedora foi lançada pelo decano da Corte, o ministro Celso de Mello. Ele pediu a palavra e foi o primeiro a votar logo após o relator - contrariando a ordem tradicional pela qual é o penúltimo a falar, antes apenas do presidente. Dessa forma, ele emprestou à tese o peso da argumentação do ministro com mais tempo no tribunal. Para antecipar seu voto, Celso de Mello justificou que queria ajustar a manifestação feita no julgamento em que o STF discutia, de forma geral, se réus podem ou não ocupar cargos na linha sucessória da Presidência da República - como no caso dos presidentes da Câmara e do Senado. No dia 3 de novembro, a maioria dos ministros do STF votou para impedir que réus em ações penais possam assumir cargos na linha sucessória da Presidência da República. Na ocasião, Celso de Mello acompanhou essa tese "integralmente", fechando a maioria de seis votos.
Ontem, ele argumentou ter achado, na ocasião daquele julgamento, que a intenção da maioria era impedir apenas que os réus ocupassem a Presidência da República. Com essa mudança, foi alterado o placar do julgamento de novembro, interrompido por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Com a nova contagem, ainda não há maioria para impedir que réus assumam cargos na linha sucessória da Presidência da República. Não há data definida para a retomada desse julgamento.
Ao fim da sessão, Celso de Mello negou a existência de um acordo para salvar o senador. "É algo realmente absurdo [sugerir que houve acordo]. Eu não participei de reunião alguma, ontem [terça-feira] fiquei a tarde inteira na Segunda Turma e, em seguida, tive minhas audiências e saí daqui [do STF] uma hora da manhã, trabalhando nas minhas liminares", disse o ministro. Ele também disse não saber se outros ministros discutiram a tese, justificando que sempre chega às sessões "em cima da hora."
Quanto à liminar de Marco Aurélio, acompanharam o voto de Celso de Mello os ministros Teori Zavascki, Dias Toffoli, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia - impedindo Renan apenas de ocupar eventualmente a Presidência da República. Os ministros Edson Fachin e Rosa Weber seguiram o voto de Marco Aurélio, defendendo o afastamento de Renan da presidência do Senado. "Réu não pode ser presidente do Senado e não deter condição de substituir presidente de República", disse Fachin. Rosa Weber concordou. Para a ministra, a presidência do Senado e da Câmara "exige que o ocupante esteja apto a assumir, a qualquer tempo, a Presidência da República".
Apenas nove integrantes da Corte participaram do julgamento. Luís Roberto Barroso declarou-se impedido porque foi seu antigo escritório que patrocinou a ação, apresentada pelo Rede. Mesmo ausente do julgamento, por estar em viagem internacional, Gilmar Mendes foi indiretamente criticado por suas declarações contra o ministro Marco Aurélio. "Tenho profundo desconforto pessoal com esse fenômeno que tem se generalizado, em que juízes, em desacordo com a Lei Orgânica da Magistratura, tecem comentários públicos sobre decisões de outros juízes", disse Teori.
No começo do julgamento, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu o afastamento de Renan, com a justificativa de que réus do STF não podem assumir cargos na linha sucessória da Presidência da República. "A atividade pública é muito nobre e deve ser preservada de pessoas envolvidas em atos ilícitos, ainda mais quando já ostentam a condição de réu", sustentou. Janot também criticou a recusa do Senado em cumprir a liminar de Marco Aurélio, dizendo que o ato "desafia" as noções fundamentais do Estado de Direito.
Outros ministros também criticaram a atitude do Senado. "Ordem judicial há de ser cumprida, para que não haja voluntarismo de quem quer que seja", declarou a ministra Cármen Lúcia. Seu voto, porém, também seguiu uma outra vertente de pedir união e cautela dos juízes, especialmente em um momento de crise. "O momento impõe, de forma muito especial, a prudência do direito e dos magistrados, buscando atuar no máximo do respeito e observância dos pilares da República e da democracia", defendeu a ministra, acompanhando a tese intermediária de manter Renan no cargo.
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