O País precisa avançar – a crise econômica é grave e prejudica profundamente a vida da população –, mas tem gente que, imbuída do espírito oposto ao que exigem as necessidades nacionais, prefere usar a autoridade que seu alto cargo lhe confere para criar embaraços desnecessários ao bom andamento das instituições. A semana foi repleta desses tristes exemplos.
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que bem sabe o que o Direito determina, baseou-se na metade que lhe interessava de um dispositivo legal – e dispensou a parte que o contrariava – e afastou liminarmente o senador Renan Calheiros da presidência do Senado Federal, criando grave imbróglio jurídico e institucional.
A ação na qual o ministro proferiu a decisão era uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, cujo rito – regido pela Lei 9.882/1999 – é claro. “O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na arguição de descumprimento de preceito fundamental”, diz o art. 5.º da referida lei. Um ministro do STF não podia, pois, proferir monocraticamente a tal liminar.
É certo que o mesmo art. 5.º contém um parágrafo autorizando o ministro relator a conceder a liminar – “ad referendum do Tribunal Pleno” – em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave. O ponto é que, no caso, não havia extrema urgência nem perigo de lesão grave. O senador Renan Calheiros já estava no término de seu mandato na presidência do Senado, com uma pauta conhecida. Além disso, a chance de Renan assumir interinamente a Presidência da República era remotíssima. Basear nesse suposto perigo uma liminar de tal magnitude é, portanto, deliberada lambança.
Esse não foi o único problema. O ministro Marco Aurélio afastou Renan Calheiros da presidência do Senado em razão de sua condição de réu. Porém, Renan oficialmente ainda não é réu, já que a decisão apta a colocá-lo nessa situação ainda não foi publicada. Tamanho açodamento torna a decisão não apenas apressada ou imprudente – faz dela puro arbítrio.
Para completar o quadro sinistro, Marco Aurélio fundamentou sua liminar num entendimento do STF que, a rigor, ainda nem se formou. A proibição de que réus ocupem cargos que estejam na linha sucessória da Presidência da República é um tema ainda não decidido pelo Plenário do Supremo. A decisão está pendente de pedido de vista do ministro Dias Toffoli.
A liminar do ministro Marco Aurélio tinha fundamentos fantásticos e não seria preciso muito esforço para recorrer da decisão com segura margem de sucesso. Não obstante, a Mesa Diretora do Senado preferiu seguir na mesma linha do ministro Marco Aurélio, produzindo novos e graves absurdos. Em vez de cumprir a decisão judicial e ato contínuo recorrer dela – como lhe assegura o bom direito –, a Mesa preferiu descumprir a liminar mantendo Renan na presidência da Casa.
O descumprimento da liminar de Marco Aurélio é uma grave violação da ordem institucional, num tremendo mau exemplo dado pelos integrantes da Mesa. Faz parecer que decisão judicial monocrática não precisa necessariamente ser cumprida, sendo passível de ponderação se está ou não ao gosto do cliente.
O senador Renan Calheiros deu sua contribuição pessoal ao montante de absurdos, esquivando-se do oficial de justiça, que tentava notificá-lo da decisão do ministro Marco Aurélio. Por mais hábil que seja Renan em brincar de polícia e ladrão, não cabe dúvida de que ele bem ciente estava de todo o conteúdo da liminar. Sua recusa em assinar a notificação não era, portanto, argumento bastante para descumprir a decisão judicial.
Esse conjunto de equívocos e arbitrariedades é justamente o oposto daquilo que o País precisa. Vive-se uma grave crise, as paixões estão acesas e – como lembrou recentemente a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia – compete às autoridades pacificar conflitos, não aumentá-los. Para isso, no entanto, é preciso um pouco de juízo, e algumas autoridades em Brasília têm feito questão de alardear sua indigência nessa área.
O fato é que se instalou um indesejado conflito entre poderes. Quando fechávamos esta página, membros mais lúcidos do Supremo e do Senado tentavam romper o impasse, mantendo intacta, ao mesmo tempo, a dignidade dos protagonistas desse episódio.
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