• A morte do ministro é um golpe mais forte na Lava-Jato do que as manobras de bastidor e mesmo medidas legais tomadas contra ela
• Há várias alternativas para a substituição do relator do caso, mas o importante é que seja preservada a linha de trabalho de Teori
Somadas, todas as manobras de bastidor e mesmo medidas legais contra a LavaJato não resultam no impacto e no risco potencial para a operação decorrentes da morte do ministro do Supremo Teori Zavascki, em acidente aéreo, anteontem em Paraty.
Relator da Lava-Jato na Corte, destinatário de todas as acusações envolvendo pessoas com foro especial, Teori, para agravar o quadro, morre no momento em que entrava na fase final de análise para homologação dos cerca de 800 depoimentos prestados por 77 executivos da Odebrecht, inclusive Marcelo Odebrecht, preso em Curitiba, no mais amplo e mais importante acordo de delação premiada feito na operação.
Por ser a maior das empreiteiras envolvidas no esquema de corrupção, com ramificações no exterior, esses testemunhos são vitais para esclarecer o esquema e sua vinculação com petistas e peemedebistas, principalmente, e também com possíveis estilhaços sobre tucanos. O caso interessa inclusive a países latino-americanos em que a Odebrecht recebeu ajuda de Lula para ganhar concorrências, também lubrificadas por propinas. Em Panamá, Peru, México e Argentina, entre outros, foram anunciados inquéritos.
Acusações de corrupção contra Lula devem ganhar forma a partir dessas delações premiadas. O mesmo ocorre na questão do financiamento ilegal das campanhas políticas de Dilma Rousseff. É por tudo isso — e mais pelo que se perde sem a capacidade do ministro de tomar decisões sempre sustentadas em argumentos técnicos, num processo de profundas implicações político-eleitorais como este —, que a Lava-Jato se torna a grande perdedora com a morte de Teori Zavascki.
Catarinense, oriundo do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ministro refletiu no trabalho no STF a imagem de seriedade e equilíbrio que construiu desde ao chegar à Corte. E foi assim que tomou decisões duras, independentemente de quem fossem os atingidos ou beneficiados por elas. Foi Teori que determinou a prisão do ainda senador petista Delcídio Amaral, assim que se configurou, numa gravação feita pelo filho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, a tentativa do político de obstruir a Justiça, nas investigações da LavaJato. Junto com Delcídio foi trancafiado o banqueiro André Esteves (BTG), citado nas conversas gravadas como financiador da compra do silêncio de Cerveró.
Também foi Zavascki que, a pedido do deputado federal lulopetista Wadih Damous (RJ), suspendeu o andamento do impeachment da presidente Dilma Rousseff, na Câmara sob a presidência de Eduardo Cunha (RJ). Ajudou a abrir espaço para que o próprio Supremo definisse o rito do processo de impedimento da presidente — afastando qualquer possibilidade de insegurança jurídica no impeachment —, e ainda demonstrou, na prática, a isenção de juiz.
Ser duro com denunciados não o impediu de admoestar o juiz Sérgio Moro, da Lava-Jato — de quem aceitou a maioria das decisões —, por ter divulgado o grampo de uma conversa entre Lula e a presidente Dilma, protegida por foro especial. Não só a gravação havia passado o limite legal de tempo, como pelo fato de ter sido Dilma a interlocutora do ex-presidente, o material teria de ser mandado para o Supremo. Posteriormente, Moro pediu desculpas formais.
Os danos potenciais à Lava-Jato decorrentes da morte de Teori criam a necessidade de haver um cerco de proteção aos processos que se encontram no gabinete do ministro morto, em especial os referentes ao acordo de delação dos executivos da Odebrecht. Haverá algum atraso, é inevitável. Importa, no entanto, que a memória do processo, além dos registros, está literalmente viva com os juízes e auxiliares que assessoravam Zavascki. Definido o novo relator, não é preciso voltar à estaca zero.
Mas existe um oceano de incertezas e perigos à frente. Antes de tudo, cumpra-se a Constituição, como sempre: cabe ao presidente Michel Temer encaminhar o substituto de Teori ao escrutínio do Senado. Entra-se, então, em terreno perigoso, porque há senadores peemedebistas citados na Lava-Jato, sem considerar pelo menos uma referência feita ao próprio Temer, também do PMDB. Portanto, citados e denunciados escolherão o próprio juiz, uma situação esdrúxula. Mais uma razão para Temer indicar alguém com o perfil de Teori, de indiscutível saber jurídico, técnico, distante dos grupos que se digladiam em torno da Lava-Jato. Venha ele a ser o relator da Lava-Jato ou não. Temer preferiria que o próprio Supremo, num entendimento interno com base no regimento da Corte, resolvesse a substituição nessa relatoria, protegendo assim o Planalto de inevitáveis e fortes pressões. Inclusive, evitaria que o presidente da República enfrentasse uma situação de potencial conflito de interesses.
A presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, enfrenta, neste início de mandato, o segundo grande problema, depois do imbróglio da retirada do presidente do Senado, Renan Calheiros, da linha de substituição do presidente da República, por ter se tornado réu, e no próprio STF. Até a definição sobre o novo relator do caso, os ministros Luís Roberto Barroso e Celso de Mello, por determinações regimentais, tratam do expediente em torno da Lava-Jato. E agora a presidente do Supremo tem a importante missão de buscar algum consenso entre os ministros sobre alternativas para a relatoria titular da Lava-Jato.
A melhor, mais sensata, até por questão de tempo, parece ser a transferência de alguém da primeira turma para a segunda, de que fazia parte Teori. Já houve precedente, quando, diante da demora de Dilma em indicar o substituto do ministro Joaquim Barbosa, que se aposentara, Dias Toffoli trocou a primeira pela segunda turma, para evitar problemas de quórum. Um nome que desponta é o de Edson Fachin. Além de próximo a Teori, tem perfil semelhante ao dele.
Inadmissível é que a substituição de Teori na relatoria da Lava-Jato sirva para alterar a direção do trabalho que o ministro vinha executando. Isto é tão inegociável quanto a necessidade de uma apuração das causas do desastre de forma a que as conclusões não deixem qualquer dúvida ou suspeita.
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