Em mais de uma acepção, o Rio de Janeiro foi tomado pelo crime organizado. Com a prisão do presidente da Assembleia Legislativa do Estado (Alerj), Jorge Picciani, do ex-presidente Paulo Melo e do líder do governo na Casa, Edson Albertazzi, fechara-se o cerco sobre a cúpula do PMDB fluminense, partido que há mais de uma década saqueia os cofres do Estado. Já pródigos em episódios desabonadores, os deputados do Rio aprovaram, por 39 votos a favor e 19 contrários, a revogação da prisão dos três parlamentares, decretada pelo Tribunal Federal da 2ª Região, no âmbito da Operação Cadeia Velha. Eles foram acusados de participar de esquema de corrupção apoiado nas empresas de transporte público do Rio, que teriam rendido R$ 500 milhões ao trio e correligionários.
Na última leva, que arrastou para a prisão de Benfica Jorge Picciani, chefão pemedebista local, abundam denúncias, vindas de cinco delatores. Mais uma penca delas, em outras conexões, foi feita pelo publicitário Renato Pereira. Ela aponta graves irregularidades no financiamento das campanhas políticas de Sérgio Cabral, Eduardo Paes e Luiz Fernando Pezão, além de incriminar Leonardo Picciani, ministro de Temer e de Dilma Rousseff. Com Cabral há um ano na cadeia e Eduardo Cunha, outro filho ilustre da política local, atrás das grades, a máquina pemedebista que domina o Rio quase foi desbaratada.
Há evidências de que as redes de contravenções comandadas por políticos se cruzam com as dos traficantes de drogas e das milícias. A polêmica fala do ministro Torquato Jardim, da Justiça, por exemplo, indicou que nada se deveria esperar do governador Pezão no combate ao crime organizado. Pelo visto, de nenhum deles. Com o turbilhão de denúncias e prisões, 16 processos contra seu líder, Sérgio Cabral, por apropriação indébita de R$ 400 milhões, o governador do Rio, também citado por delatores, não se sente constrangido em atuar como se nada houvesse acontecido.
Pezão nomeou Albertazzi para o Tribunal de Contas do Estado, uma proteção legal de foro e um posto importante no órgão encarregado de fiscalizar as contas estaduais. A ilegalidade foi contestada pelo procurador geral Leonardo Espíndola, após ação do Psol, e Pezão afastou-o sumariamente. Albertazzi foi em seguida preso na Operação Cadeia Velha.
O Rio é exemplo de uma máquina de dominação política corruptora e eficiente. Os órgãos de controle do uso de verbas públicas não funcionaram ou foram cooptados. Cinco dos sete conselheiros do TCE foram presos. Sem fiscalização sobre recursos usados ou subsídios concedidos pelo Estado, os cofres públicos ficaram indefesos, enquanto até joalherias recebiam isenção de ICMS em recompensa por dinheiro lavado de Cabral. Muito dinheiro da corrupção foi girar o moinho das eleições, elevando o cacife financeiro de candidatos e diminuindo o de concorrentes.
Com um dos Estados-chave nas eleições em mãos, o PMDB fluminense abriu-se a alianças nacionais proveitosas, inclusive com quem na origem se propôs a combatê-las: o então presidente Lula e Dilma Rousseff. A coonestação lulista a Cabral e à banda podre do PMDB foi um dos motivos para que o PT jamais fincasse raízes fortes na política estadual e se tornasse quase invisível em comparação com sua força nacional - uma irrelevância apenas menor que a do PSDB.
A autoproteção dos pares da Alerj, todos com foro privilegiado - e alguns já com extenso prontuário policial - é mais um fato a exigir a revisão dessa prerrogativa. Políticos enredados com investigações se movimentam à vontade não só no Rio, mas em Brasília. O PP, legenda com maior número de envolvidos na Lava-Jato, faz pressão para obter mais cargos e está prestes a conquistar o Ministério das Cidades (verbas de R$ 10 bilhões). Valdemar Costa Neto, ex-deputado, condenado no mensalão, influencia o PR, que presidiu, e avança na criação de um novo partido.
Depois de ver o chão se mover aos primeiros passos da Lava-Jato, os políticos envolvidos perceberam que não é fácil a garra da Justiça chegar até eles - se chegar. Caberá ao Supremo Tribunal Federal mais uma vez tomar uma decisão política delicada, mas necessária. Quando se manifestou, por um voto de diferença, a favor de que caberia ao Legislativo julgar o destino de medidas cautelares contra seus membros, o STF deu uma blindagem adicional à já poderosa do foro. Os políticos fluminenses, como se viu na sexta, se sentem inexpugnáveis.
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