- Valor Econômico
Ameaça de obstrução de justiça não esgota substituição
Está nas mãos da Associação Comercial do Rio um plano simples e barato para conter o crime organizado na cidade. O documento é uma contribuição voluntária de policiais federais aposentados. A corporação acumula desavenças históricas com as Forças Armadas no tema, mas coube a um ex-delegado da PF, José Mariano Beltrame, a condução daquele que foi, até aqui, o plano mais bem sucedido do Rio nesta área. Protagonista no combate à corrupção, a PF foi preterida por um governo que está no olho do furacão.
O documento converge com a tropa do general Braga Neto na percepção de que sem integração entre as forças policiais e de segurança não se vai a lugar algum, mas faz propostas ainda não contempladas naquilo que foi tornado público da intervenção militar.
A começar do efetivo policial. A ONU recomenda uma média de um policial militar para cada 450 habitantes. O Rio tem um para cada 355. Parece suficiente. Só que não. O interventor anunciou que já está em curso a volta de policiais cedidos a outros órgãos da administração. Mas a medida terá pouca eficácia se os policiais continuarem a cumprir dupla jornada.
O plano apresentado pelos ex-policiais federais prevê um regime de dedicação exclusiva para policiais civis e militares. Do jeito que está hoje, o emprego de policial no Rio virou um bico. Na melhor das hipóteses, os policiais trabalham em empresas de segurança privada ou delas são proprietários. São contratados por muitos dos sócios das associações comerciais. Na pior, são empregados e empresários do crime. Não é uma norma estadual que coibirá a segunda hipótese mas a existência de policiais que dormem na viatura ou largam missões mais longas para bater o ponto em outro serviço não é um bom começo.
Para ter a mesma dedicação exclusiva que um PF, está todo mundo de acordo que o policial militar precisa ser gratificado. Isso tem um custo, mas a manutenção de tropas militares também o tem. A logística das Forças Armadas impõe comandos mais hierarquizados e deslocamentos mais numerosos do que a mobilidade tática de operações urbanas exige.
O documento que a Associação Comercial do Rio deve encaminhar ao general Braga Neto questiona a eficácia de operações ostensivas com caveirões nas favelas e sangue nas vielas. Aposta nas operações de inteligência que capturem as lideranças longe dos seus bunkers no morro, a exemplo do que o PCC faz com seus comparsas traíras.
O texto oferece como paradigma para a nova atitude das forças de segurança uma operação em Rio das Pedras, quartel-general das milícias. Cumprindo todas as cautelas legais e, na presença de moradores, caberia à operação desativar as árvores de Natal em que se transformaram os postes da rede elétrica em Rio das Pedras, com suas ligações clandestinas de energia, telefonia e TVs a cabo. A operação, que seria precedida pela identificação e responsabilização dos milicianos, seria complementada pela orientação aos usuários para a regularização dos serviços.
O documento não se limita ao crime organizado. Prefeitos que constroem ciclovias de papel-machê ou aqueles que perseguem pichadores mas incorporam terrenos públicos à sua casa de campo não escapariam ao escopo definido pelo documento como perpetradores de ameaças à segurança pública.
O texto inclui viadutos que despencam, a falsificação de medicamentos e mercadorias, a quebra de contratos, a construção irregular em áreas de risco, a ocupação de espaços públicos, o comércio ilegal de mercadorias roubadas e a violação do direito de propriedade como infrações que conduzem a um clima propício ao crime e à violência.
Paulo Lacerda, ex-diretor da Polícia Federal, encabeça as assinaturas do documento de 25 páginas. O grupo é composto ainda por Antonio Celso dos Santos, o ex-delegado que comandou a captura da quadrilha que roubou R$ 155 milhões reais do Banco Central em Fortaleza; Wilson Damazio, ex-delegado que comandou a Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco na mais drástica redução de homicídios da década, o perito Daelson Viana e o agente Luiz Fernando Siqueira.
O talho na corporação
Parece desnecessário que à coletânea de processos que aguardam o presidente Michel Temer a partir de 1º de janeiro de 2019 se some uma ação por obstrução de justiça. Mas a ameaça não basta para explicar a saída de Fernando Segóvia do comando da Polícia Federal.
Enquanto permaneceu à espera do cargo, o novo diretor-geral da PF, Rogério Galloro acumulou desavenças com seu antecessor na área de repatriação de ativos. A suada costura para a escolha não lhe assegura a almejada independência.
O novo diretor-geral herda ainda uma corporação dividida e enfraquecida por rachas que se aprofundaram ao longo do breve e polêmico mandato de Segóvia. O ex-diretor-geral aplaudiu o novo ministro da Segurança Pública e com ele despachou normalmente para ser demitido horas depois.
A mudança para uma estrutura ministerial mais desafogada que a Justiça era uma velha demanda da PF, mas o desapreço respingou na corporação. O partido que queria estancar a sangria caminha para encerrar seu mandato com um Judiciário avariado pelo auxílio moradia e uma Polícia Federal talhada por traumática sucessão.
O PPS como ponte
Com as atribuições que passa a ter, Raul Jungmann ganha ares de superministro na coordenação da bandeira com a qual o presidente Michel Temer pretende ter voz na sua própria sucessão. Expoente do PPS, o novo ministro é também uma ponte de Temer com o grupo que se mantém em torno do apresentador Luciano Huck, com quem falou longamente ontem à tarde por telefone. Ao contrário da maioria das pessoas que reuniu ao longo de seu vai e vem, Huck aposta no PPS e não no Rede para viabilizar a bancada que o movimento pretende eleger.
O anúncio de Jungmann de que o economista Armínio Fraga será o colaborador de sua gestão na Segurança Pública só reforça a ponte que o governo Temer busca. O principal nome do movimento que ainda peleja para ter força na sucessão majoritária e no Congresso ainda descrê da viabilidade eleitoral do governador Geraldo Alckmin e não deve se manifestar publicamente em sua defesa.
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