- Valor Econômico
Decisão é de não usar operação de crédito para fechar as contas
Não foi apenas a reforma da Previdência Social que foi adiada com a intervenção do governo federal na área de segurança do Rio de Janeiro. Uma mudança na chamada "regra de ouro" das finanças públicas, definida no texto constitucional, também não poderá ser feita. Com isso, o grande desafio do governo, neste momento, é encontrar uma maneira de elaborar a proposta orçamentária para 2019 sem ferir a Constituição.
A "regra de ouro" prevê que o governo só pode se endividar para pagar investimentos, inversões financeiras e amortização da dívida pública. O endividamento não pode aumentar para pagar gastos correntes, como aposentadorias, salários de servidores, despesas com água e energia, entre outros.
A União registra déficit primário em suas contas desde 2014. Esta situação foi provocada, principalmente, pelo aumento contínuo das despesas correntes obrigatórias, como os benefícios previdenciários. Isto significa dizer que parte do gasto corrente está sendo financiada pelo aumento do endividamento. Neste contexto, a "regra de ouro" só está sendo cumprida com o uso de artifícios contábeis. No passado recente, a conta foi fechada com a ajuda do lucro contábil do Banco Central transferido ao Tesouro. Agora, com o pagamento antecipado pelo BNDES de empréstimos feitos pela União.
Para 2018, a estimativa divulgada pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) é de que o "buraco" é de R$ 208,6 bilhões - esta é a diferença entre o montante das operações de créditos que serão realizadas no ano e as despesas de capital previstas. Ou seja, as operações de crédito estão superando as despesas de capital nesse valor. Por isso, a devolução dos R$ 130 bilhões pelo BNDES ao Tesouro é imprescindível para cumprir a "regra de ouro" neste ano.
A questão agora é saber como o problema será resolvido em 2019. Os especialistas de dentro e de fora do governo ouvidos pelo Valor foram unânimes em dizer que é impossível cumprir a "regra de ouro" no próximo ano. Isto porque o governo federal continuará registrando déficit primário elevado em suas contas e será obrigado a fazer operações de crédito em montante superior às despesas de capital. Além disso, ao contrário deste ano, não contará mais com a devolução de empréstimos pelo BNDES.
Os técnicos da área econômica buscam uma solução já há algum tempo. A área jurídica do governo está sendo ouvida e a ideia é também fazer uma consulta formal ao Tribunal de Contas da União (TCU). A saída precisa ser encontrada em prazo curto porque, até o dia 15 de abril, o governo terá que encaminhar ao Congresso o projeto de lei de diretrizes orçamentárias (PLDO) para 2019.
A premissa básica do trabalho da área técnica é que o governo não vai apelar para a chamada "contabilidade criativa", fazendo superestimativa de receitas e subestimativa de despesas. Os fatos acontecidos no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, em torno das chamadas "pedaladas fiscais", ainda estão vivos na memória de todos.
A tese que predomina é de que a alternativa que resta ao governo é fazer uma proposta orçamentária que expresse com clareza a atual realidade das contas públicas. Dito de uma forma direta: a saída é mostrar à sociedade o montante da despesa corrente que está sendo financiado com o endividamento.
Se esse entendimento prevalecer, o governo deverá dizer no PLDO que só poderá incluir na proposta orçamentária um determinado montante da despesa, pois está impedido pelo inciso III do artigo 167 da Constituição de fazer operações de créditos em montante superior à despesa de capital. Por isso, será obrigado a apresentar um orçamento corrente (receitas correntes menos despesas correntes) equilibrado, sem déficit.
O PLDO teria que dizer, portanto, que, por falta de receita, uma parte das despesas correntes não será incluída na proposta orçamentária. Outro dispositivo PLDO diria que o gasto corrente não incluído no Orçamento de 2019 seria objeto de um projeto de lei de crédito suplementar ou especial a ser enviado ao Congresso depois que a proposta orçamentária do próximo ano fosse aprovada.
O inciso III do artigo 167 permite ao governo enviar ao Congresso projeto de lei de crédito suplementar ou especial para custear despesas específicas com endividamento, desde que o projeto seja aprovado por maioria absoluta do Congresso. O governo poderia, por exemplo, deixar fora do Orçamento de 2019 uma parte das despesas com benefícios previdenciários. E, no próximo ano, apresentar um projeto de lei de crédito suplementar pedindo autorização para fazer operações de crédito destinadas a financiar os gastos que não foram incluídos no Orçamento.
O PLDO ou a proposta orçamentária teria que informar o montante da despesa que ficaria fora do Orçamento de 2019. Talvez até mesmo especificar os gastos que não estariam sujeitos à exclusão, como, por exemplo, as despesas com o programa Bolsa Família. Seria, na prática, uma espécie de Orçamento paralelo.
Variantes dessa solução são defendidas na área técnica do Parlamento. O consultor do Senado Leonardo Ribeiro, assessor do senador José Serra (PSDB-SP), por exemplo, considera que o governo poderia apresentar um orçamento de 2019 equilibrado, com todas as despesas. Mas a execução de uma parte do gasto ficaria condicionada à aprovação de projeto de lei de crédito suplementar, previsto no inciso III do artigo 167.
O consultor Antônio D'Ávila, da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, está convencido de que a elaboração da proposta orçamentária com montante de despesas limitado ao total possível das receitas é o melhor caminho para resolver o problema. Para ele, o procedimento não constitui erro ou omissão do gestor público, tampouco subestimativa de despesas.
D'Ávila defende que o governo envie ao Congresso um projeto de lei de crédito suplementar ou especial para incorporar as despesas que ficaram fora da proposta orçamentária. O projeto, na opinião do consultor, poderá tramitar em paralelo ao projeto de lei orçamentária anual. Ele não vê inconstitucionalidade ou ilegalidade no procedimento, dada a excepcionalidade da situação.
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