Por César Felício | Valor Econômico
SÃO PAULO - A política externa de um eventual governo federal liderado pelo tucano Geraldo Alckmin seria uma extensão da estratégia de ajuste econômico no plano interno, segundo o coordenador da área na equipe de programa de governo do PSDB, o embaixador Rubens Barbosa. De acordo com o diplomata aposentado, que chefiou a missão brasileira nos Estados Unidos entre 1999 e 2004, não há como promover a liberalização econômica no "front" doméstico sem o ajuste a regras globais de comércio, eliminação de subsídios e parcerias com grandes blocos econômicos intercontinentais.
"Esta eleição vai dividir águas. Ela vai gerar influência sobre as próximas décadas. Serão dois modelos em confronto. O nosso, que situa o Brasil no mundo, e o de adversários à direita e à esquerda, que fecham o país", disse. Barbosa frisou que é essencial harmonizar a política externa com a interna.
"Nada menos que 20 países fizeram adaptações em seus sistemas tributários para se adaptar à nova política dos Estados Unidos, porque se não baixar impostos, perde-se competitividade. É importante estabelecer esta ponte entre o externo e o interno. O Brasil no momento está isolado no mundo, atrasado tecnologicamente e crescendo menos do que os outros", afirmou.
O coordenador de política externa de Alckmin pontua a diferença da estratégia de governo do tucano em relação a de outros candidatos presidenciais. Ele critica o que chamou de "esoterismo" na condução da política externa. Frisa que preconceitos de ordem ideológica ou preocupações protecionistas podem comprometer uma estratégia de crescimento da economia.
O presidenciável do PSL, Jair Bolsonaro (RJ) busca demarcar distância da China, pelo fato do país ter "regime totalmente diferente do nosso", conforme disse em evento recentemente. Os candidatos de esquerda investem na aproximação com paises com governos alinhados na América Latina.
"Temos que enfrentar certas presunções. A América Latina é periferia. Os países do nosso continente estão se voltando para a Ásia, como é o caso do Chile, México e Peru. As reformas internas irão melhorar a competitividade dos produtos brasileiros, mas somos afetados pelo ambiente internacional", comentou Barbosa, ao mencionar com entusiasmo a possibilidade do Brasil ingressar no futuro na Parceria Transpacífico (TPP), um acordo de comércio e serviços celebrado em 2015 por 12 países, entre eles o Japão.
A política externa e o comércio exterior são áreas em que um governo tucano seria de continuidade em relação ao governo Temer. O Itamaraty passou para o comando do PSDB em 2016, primeiro tendo como chanceler o senador José Serra, ocasião em que a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) saiu do âmbito do Ministério do Desenvolvimento, Indústrias e Comércio (Mdic) para o das Relações Exteriores.
Foi um primeiro passo para que comércio exterior e relações exteriores se alinhassem dentro do governo. Em março do ano passado, Serra foi substituído pelo também senador Aloysio Nunes Ferreira Filho.
Os chanceleres tucanos colocaram entidades latino-americanas, como a Celac e a Unasul em segundo plano e aceleraram as negociações para o acordo em bloco com a União Europeia e o Mercosul. O acordo entre os dois blocos deve ter sua negociação encerrada ainda este ano, na expectativa de Barbosa. O governo Temer buscou se aproximar dos países signatários do TPP e Aloysio está em visita a um deles, o Vietnã. "Este é um governo que realizou muito na política externa", comentou o coordenador de Alckmin.
Além de contar com o acordo com a União Europeia e apostar em conversas com a TPP, Barbosa também vê com interesse uma negociação entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico, um acordo comercial firmado em 2012 entre Chile, México, Peru e Colômbia. Com os Estados Unidos, enquanto durar a presidência de Trump, a perspectiva é a de identificar áreas de interesse comum para negociações ponto a ponto. "Precisamos identificar uma agenda de interesses mutuamente conectados", disse Barbosa.
Neste contexto de múltiplos acordos, um possível governo tucano poderia entrar em atrito com interesses empresariais que hoje vivem em um ambiente de proteção. "Existem distorções a serem eliminadas. Hoje em alguns casos temos tarifas para produtos intermediários mais altas que para produtos acabados. Nós temos 75% do comércio mundial dentro de cadeias globais de valor e nós muitas vezes estamos fora disso. A indústria brasileira é internacionalizada, mas o Brasil está fora das cadeias de produtividade", comentou Barbosa.
A conversão de um modelo de maior exposição do produtor nacional à competição externa será gradual, para evitar solavancos no crescimento, mas a direção traçada é incontroversa. "A crise fiscal do Estado esgotou determinados mecanismos de fomento. O Brasil precisa aceitar regras nos grandes blocos que hoje não estão sendo aceitos por nós".
Barbosa lembra que o Brasil enfrenta dois painéis na Organização Mundial do Comércio (OMC), nos setores automotivo e de informática. Se o país perder, será obrigado a rever suas políticas governamentais. "Não é possível dar subsídios contra regras internacionais", sentenciou o embaixador aposentado. "A questão nossa é a de reindustrializar o país, mas em bases competitivas", disse.
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