segunda-feira, 12 de novembro de 2018

A Constituição e os Poderes: Editorial | O Estado de S. Paulo

Na terça-feira passada, o Congresso Nacional promoveu uma sessão solene de celebração dos 30 anos da Constituição de 1988. Houve inflamados discursos em defesa da Carta Magna, mas, como lembrou a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, “não basta reverenciar a Constituição, (...) é preciso cumpri-la”. Ouvido por autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário, o recado cabe perfeitamente a cada um dos Três Poderes, bem como ao Ministério Público.

“Não basta reverenciá-la em uma atitude contemplativa”, disse Raquel Dodge. “É preciso guardá-la, à luz da crença de que os países que custodiaram escrupulosamente suas Constituições identificam-se como aqueles à frente do processo civilizador”, afirmou a procuradora-geral da República. De fato, não há desenvolvimento econômico e social que se sustente à margem da lei. Fora da lei não há progresso, mas arbítrio e barbárie.

O presidente eleito Jair Bolsonaro esteve presente à sessão em homenagem à Carta Magna. Era a primeira vez que Bolsonaro voltava à Câmara dos Deputados após as eleições. Durante a campanha eleitoral, o candidato do PSL gerou temores de que seu futuro governo pudesse relativizar algumas liberdades e direitos fundamentais previstos na Constituição.

O tema era tão candente que, após a divulgação do resultado eleitoral do segundo turno, Jair Bolsonaro logo afirmou seu compromisso com o cumprimento da Constituição. No seu discurso no Congresso, na terça-feira passada, o presidente eleito voltou a frisar que a Constituição é “o único norte”. “Na topografia, existem três nortes, o da quadrícula, o verdadeiro e o magnético. Na democracia só um norte, é o da nossa Constituição”, disse Jair Bolsonaro.

É de grande importância esse reconhecimento por parte do presidente eleito, pois, além de amainar os ânimos - tarefa imprescindível depois de um período eleitoral tão polarizado e virulento como foi o de 2018 -, serve de alerta para quem deseja encontrar caminhos fora da Constituição. Não existem tais caminhos, pois a única estrada é a legalidade.

Nesse sentido, o respeito à Constituição é também um poderoso alerta para o Judiciário, em especial para o Supremo Tribunal Federal (STF), cujo papel é ser o guardião da Carta Magna. Nos últimos tempos, tem havido “interpretações” da Constituição que ultrapassam o sentido e a letra do texto constitucional.

Tais interpretações do Judiciário sobre o conteúdo da Constituição não dizem respeito apenas a questões menores. Em alguns casos, atingiram os próprios fundamentos do Estado Democrático de Direito, como, por exemplo, o princípio da separação dos Poderes. Nos últimos anos, com crescente frequência, ministros da Suprema Corte interferiram, monocrática e colegialmente, em matérias de competência dos outros dois Poderes. E, como é evidente, a habitualidade não tornou menos grave a invasão de esferas institucionais. Aos danos próprios de cada caso, agregaram-se nefastos efeitos sistêmicos. Se o desrespeito ao texto constitucional nunca é isento de prejuízos, o assunto ganha especiais consequências quando o abuso, de tão habitual, se torna invisível, enganosamente invisível.

O recado de Raquel Dodge sobre o cumprimento da Constituição também serve para o Poder Legislativo. Em primeiro lugar, os parlamentares não devem ser omissos quando outros Poderes tentam invadir suas prerrogativas. Nessa empreitada, mais do que defender seus integrantes, o Congresso protege a própria autonomia da população para decidir o destino da Nação. Nunca se pode esquecer de que todo poder emana do povo e em seu nome será exercido. Além disso, Câmara e Senado são diretamente responsáveis pelo cumprimento de muitos princípios constitucionais, como os da responsabilidade fiscal, da eficiência e da moralidade.

Na defesa da Carta Magna, o Ministério Público tem insofismável responsabilidade. A Constituição incumbiu-lhe “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Que o respeito à Constituição não seja mera reverência contemplativa, mas critério efetivo cumprido por todos os cidadãos, a começar por aqueles imbuídos de múnus público.

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