- Folha de S. Paulo
A Carta do do Brasil foi amplamente emendada, com 99 emendas constitucionais e seis de revisão
Terra de gigantes, resultados liliputianos?
Há um século Lima Barreto analisou a carta constitucional de Bruzundanga, cujo ponto de partida foi: “Qual a Constituição que devemos imitar?”.
Após descartar a constituição do reino de Lilipute, a Assembleia optou pela da “Terra dos Gigantes”: os constituintes “eram minúsculos bonecos, que queriam possuir uma Constituição de gigantes”.
Da Terra dos Gigantes —leia-se EUA— Bruzundanga herdou o presidencialismo e o federalismo. O resultado foi liliputiano. Bruzundanga era o Brasil pós transição republicana.
Exercício similar de avaliação pode ser feito sobre o país findo o ciclo da Nova República.
A Carta de 1988 foi promulgada em clima de euforia que contrastava com a recepção adversa entre especialistas: “Como uma catedral construída para ser um hotel, a nova constituição é estruturalmente comprometida” (Keith Rosenn).
A Carta contém “Disposições quase suicidas e promessas impagáveis”, afirmou Sartori, e é constitutivamente desestabilizadora pela “graphomania” —a ânsia de tudo constitucionalizar. “Quanto mais regula e promete mas se estimula seu descumprimento.”
A Carta foi amplamente emendada —99 emendas constitucionais e seis de revisão, muitas irrelevantes.
Mas pode-se afirmar que nos últimos 30 anos tivemos duas constituições. A primeira a “carta de direitos e de organização e funcionamento dos poderes”, que se manteve intocada, as exceções referem-se a medidas provisórias (EC32), Judiciário (EC45), orçamento impositivo (EC86), aposentadoria compulsória (EC88) e direitos de domésticas (EC72).
Considerando nosso presidencialismo de coalizão, o sistema mantém-se desde 1946, salvo no que diz respeito à vasta delegação de poderes ao Executivo (e ao Judiciário e o MP), em 1988, que impactou no seu funcionamento. A democracia saiu fortalecida algo que a tempestade perfeita recente oculta.
A segunda, “a carta econômica”, foi alterada no big bang constitucional de 1995-1998, que eliminou dispositivos estatizantes dos quais o mais vetusto era a distinção constitucional entre empresa brasileira e empresa de capital nacional. Os monopólios da União foram eliminados, mas não dispositivos ineficientes (ex. financiamento da seguridade social).
Mais que o conteúdo substantivo da Carta de 1988 —cujos defeitos, alguns sanados, são extensos—, o que cabe é celebrar a continuidade institucional. Tais defeitos revelam compromissos tortuosos no processo constituinte mais longo e participativo registrado na base dados do Comparative Constitution Project (1).
Que a constituição continue a ser uma meta móvel.
(1) http:\\comparativeconstitutionsproject.org/
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Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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