segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Angela Bittencourt: Investidor ignora exterior e se mantém confiante

- Valor Econômico

Feriado prolongado e indicadores de Europa, EUA e China

Jair Bolsonaro sofreu um atentado no auge da campanha presidencial, passou por cirurgias, ficou hospitalizado até as vésperas do 1º turno de votação, não participou de debates, venceu a eleição, apresentou vários ministros, alocou sua equipe técnica "AAA" em Brasília e iniciou a transição. Para um presidente que observa a imprensa com reservas, o presidente até que muito falou. Enquadrou os filhos por comentários inoportunos nas redes sociais, enquadrou adversários por "fake news", enquadrou a imprensa por uma fixação: fazer perguntas sobre a mudança da Embaixada do Brasil em Israel. O presidente eleito só não enquadrou o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, por suas declarações atravessadas porque ele vai consertar tudo "isso aí".

A duas semanas da vitória nas urnas e a seis de receber a faixa presidencial, em 1º de janeiro, Jair Bolsonaro ainda pode rever a ideia que muito repetiu durante a campanha eleitoral - a de que não praticará a política do "toma lá, dá cá" - e que passou a ser interpretada como indicação de que ele não pretende negociar "nada" com o Congresso Nacional. Contudo, arrefecer um exagero verbal pode evitar que, no futuro, até uma prosaica mudança de agenda se transforme em ruptura entre dois Poderes da República. E em suas piores consequências.

Na semana passada, o governo brasileiro sofreu duas derrotas no Congresso: parlamentares chancelaram reajuste superior a 16% para carreiras do Judiciário e concederam incentivo para as montadoras de automóveis. Os acertos foram feitos com o atual governo. As despesas cairão nas contas públicas a partir do ano que vem. Portanto, na faixa de Bolsonaro.

Uma decisão muito aguardada, porém, não se confirmou. O futuro ministro da Economia não anunciou quem presidirá o Banco Central (BC), a partir de 2019. Ilan Goldfajn, nesse cargo há dois anos e meio, pode nele permanecer temporariamente ou não. Mas a informação não chegou ao mercado até o fechamento desta coluna, ontem. "Apesar da importância da definição do presidente do Banco Central de um novo governo para manter as expectativas ancoradas, os investidores não castigaram os ativos brasileiros. Preferiram dar o benefício da dúvida ao presidente eleito, que mantenha o Ilan ou traga alguém afinado com o trabalho que está sendo feito", avalia Adeodato Netto, estrategista-chefe da Eleven Financial Research.

Em entrevista à Coluna, Netto lembra que a crise global de 2008/2009 levou a uma injeção inédita de liquidez nas maiores economias do mundo. Essa enxurrada de dinheiro que fez explodir os balanços dos bancos centrais colocou em xeque a eficiência de instrumentos monetários tradicionais, como a taxa de juro. "Manter expectativas ancoradas tornou-se tão ou mais necessário que a dinâmica do juro em si", acrescenta.

A Eleven Financial está convencida de que o Brasil de Bolsonaro estará em um ambiente internacional mais hostil, mais instável. E alerta que contas externas em situação confortável e ociosidade na economia não protegem contra fragilidade fiscal. O Brasil estará exposto a contágios porque incertezas afetam preços e custos. E, por tabela, o risco-país. Por ora, isso não está acontecendo. Ao contrário, nos últimos dias, o desempenho do Credit Default Swap (CDS) Brasil de 10 anos não aumentou na mesma proporção. Estava em 201 pontos, no fim do dia.

"Desde o 2º turno das eleições, a disparidade entre o risco doméstico e o externo aumentou. No cenário internacional os títulos do Tesouro americano e a volatilidade subiram, o dólar ganhou força e as commodities desvalorizaram. Mesmo assim, o risco Brasil, medido pelo CDS caiu. Isso é explicado pela perspectiva positiva que o mercado financeiro tem sobre o governo eleito que, por ora, se sobrepõe aos efeitos negativos e outras variáveis locais ou internacionais. Na prática, nada mudou desde a eleição. O país não viu nenhuma mudança estrutural. Os riscos seguem exatamente os mesmos", diz Thomaz Sarquis, analista de Macroeconomia da Eleven Financial.

Ele avalia que uma perspectiva realmente positiva depende de várias sinalizações e compromissos do Executivo e também do Congresso que ainda não foram dadas. "Se o Congresso votar alguma proposta estrutural remanescente do governo Temer é uma mensagem, um sinal de continuidade. Mas ainda temos que ver as mudanças partidárias decorrentes da aplicação da cláusula de barreira, o resultado da eleição da mesa diretora da Câmara e quais serão as propostas concretas de ajuste a serem apresentadas pelo novo governo. Nada disso aconteceu. Ainda."

Sarquis entende que o esforço por algum progresso, alguma melhora, deverá ser quase exclusivamente doméstico. "O próximo presidente terá que lidar com um cenário externo mais instável do que vimos nos últimos anos. Por isso, a relação de Bolsonaro com o Congresso precisa atenuar riscos e não agravar. Caso contrário, o país enfrentará quatro anos bastante desafiadores, para dizer o mínimo."

A aproximação das festas de fim de ano somada à posse de Presidente da República, governadores e parlamentares altera agendas daqui para frente. E nem tudo pode ser antecipado. As próximas duas semanas, porém, aumentam o risco nos mercados independentemente das mensagens que virão de Brasília ou da Barra da Tijuca. O feriado da próxima quinta-feira tende a fazer uma ponte com o fim de semana. E, em algumas cidades, uma segunda ponte será feita entre o fim de semana e a terça, dia 20, quando é feriado municipal em nome da "Consciência Negra". Em São Paulo, onde estão as sedes dos maiores bancos nacionais e estrangeiros e a bolsa brasileira de ações e derivativos, a B3, é feriado na terça, dia 20.

Muita atenção, portanto, à divulgação de indicadores econômicos e financeiros brasileiros e internacionais, para evitar assumir posições das quais pode-se não conseguir sair por falta de liquidez nos mercados. Na quarta e na quinta será disparada uma rajada de indicadores de atividade da zona do Euro, EUA e China.

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