quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Míriam Leitão: Ideologia volta ao Itamaraty

- O Globo

Bolsonaro partidarizou a política externa brasileira em grau elevado. Alinhamento ao governo Trump terá custo econômico

O presidente Jair Bolsonaro pode fazer uma política externa ideológica de direita. Foi eleito para governar e escolher os caminhos do país. Só não pode acusar os governos petistas de terem partidarizado a política externa, porque é exatamente isso que ele está fazendo em grau muito mais elevado. O embaixador Ernesto Araújo como ministro das Relações Exteriores, por tudo o que disse até agora em seu blog de ativista, indica que o governo escolheu um alinhamento entusiástico a Donald Trump e isso tem um custo econômico.

Os artigos que postou no blog dele têm ideias definidas pelos seus colegas como “exóticas” e “constrangedoras”. Como a de que o “globalismo” seria uma conspiração cultural marxista contra o cristianismo, e que apenas Donald Trump poderia salvar o Ocidente.

Na vida real, os Estados Unidos estão num dos piores momentos de sua política externa, com conflitos com vários aliados e em muitas frentes, uma diplomacia de ofensas e brigas. Os EUA com o tamanho que têm podem errar. Um país como o Brasil não poderia. O risco é o de comprar as brigas americanas, sem o poder de barganha que eles têm, perder mercados e se isolar. Como o presidente eleito Jair Bolsonaro disse que agora será uma “política externa sem viés ideológico”, só se pode concluir que ou ele concorda com o que o novo chanceler diz em seus textos de ativista da extrema-direita ou ele não os leu.

Não é natural também que, num local tão disciplinado como o Itamaraty, um diplomata tenha um blog de militância política partidária. Nele, escreveu que o PT é o Partido Terrorista. Escreveu em defesa do “nacionalismo”, que ele define como “um anseio por Deus, o Deus que age na história”. Nessa mistura de ideias é que ele acaba concluindo que o Trump é o condutor dessa ordem ocidental cristã. Em um dos trechos de um dos artigos ele propõe: “A luta pela soberania econômica e política dos países, contra o domínio das cadeias produtivas de bens e contra o monopólio da circulação de informações por uma elite transnacional niilista, contra uma economia globalizada maoísta-capitalista centrada na China.”

O caminho que ele tentará influenciar o governo, se presume dos textos, é o de ser caudatário dos Estados Unidos. Isso aconteceu algumas vezes no Brasil, como no período de Eurico Gaspar Dutra. A última vez que houve uma diplomacia seguidora dos EUA foi no governo Castelo Branco, que chegou a enviar tropas brasileiras para República Dominicana. Mas até ele tinha reservas a seguir tudo o que os Estados Unidos mandavam. Ele votou contra, na reunião do Conselho de Segurança Nacional, o rompimento das relações com Cuba. Nos governos militares seguintes, o Brasil se distanciou desse alinhamento e depois teve uma política externa independente, seguida em governos civis. Imagina-se que por esse pensamento contra o domínio “maoísta-capitalista chinês” as relações com a China, nosso maior parceiro comercial, possam ter problemas.

O ministro Aloysio Nunes Ferreira soltou uma nota entusiasmada com a escolha e alinhando os cargos que ele exerceu no Itamaraty. Mas não é essa a opinião que se ouve com frequência na Casa. O diplomata Ernesto Araújo foi promovido a embaixador recentemente, nunca chefiou uma missão no exterior. O Itamaraty já teve inúmeras vezes ministros não diplomatas, mas, quando é da carreira, o que se espera é que não se quebre tão fortemente a hierarquia. Mesmo assim, a decisão dos diplomatas é não reagir e esperar a “força e a durabilidade” dessa escolha, como definiu um experiente diplomata.

Nesta nomeação, houve também outro fato inusitado. Parte do processo de triagem de ministros foi feita pelos filhos do presidente eleito. Não é normal do ponto de vista institucional que isso seja delegado a pessoas por seus laços familiares com o presidente. Os dois filhos que sabatinaram o candidato a ministro das Relações Exteriores foram Flávio, senador eleito, e Carlos, vereador. O que os qualifica como sabatinadores é serem filhos. O presidente Bolsonaro informalmente sempre ouvirá os filhos, mas quando isso ganha status de equipe de triagem para o Ministério é uma confusão entre família e governo que não deveria existir.

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