- O Estado de S.Paulo
Na primeira oportunidade, o governo mostrou incoerência entre o discurso e a prática
O governo do presidente Jair Bolsonaro começou com a agenda política se sobrepondo à pauta econômica. Menos de 48 horas depois do aplaudido discurso de posse do novo ministro da Economia, Paulo Guedes, a realidade política se impôs revelando uma série de divergências internas justamente em torno das primeiras medidas econômicas.
A fala do presidente Bolsonaro sobre a proposta de reforma da Previdência, os desencontros em torno do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para operações de crédito externos e sua decisão de prorrogar os incentivos fiscais nas áreas de atuação da Sudene e Sudam vão na contramão do que prometeu Paulo Guedes no seu discurso histórico.
Para completar a dia caótico da sexta-feira, Bolsonaro ampliou a confusão da comunicação ao dar detalhes de mudança em estudo da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) que, embora seja compromisso seu de campanha, ainda não está pronta pela equipe econômica.
O presidente deu a entender que a mudança seria anunciada poucas horas depois. O que aconteceu, na verdade, foi uma sequência de recuos.
Menos impostos, menos benefícios tributários e unidade em torno da reforma da Previdência foram promessas de Paulo Guedes, que empolgou os convidados da sua posse, na quarta-feira. Com um discurso apontado por muitos como histórico e “música aos ouvidos”, o ministro prometeu um choque liberal na economia e atacou – sem meias palavras – velhas práticas de empresários e políticos que “corromperam” os gastos públicos.
O fato é que, por trás da decisão de sancionar a prorrogação dos incentivos fiscais, já prevalecem os sinais da articulação política para a eleição das presidências da Câmara e do Senado – ponto central para a governabilidade e aprovação da reforma da Previdência e das outras medidas que a equipe econômica quer encaminhar ao Congresso.
Bolsonaro não quis comprar briga com os parlamentares do Norte e do Nordeste, o que poderia refluir nas eleições das duas casas e com impacto também nos investimentos das empresas.
Argumentos, porém, não faltavam para o veto da medida, na avaliação de técnicos do governo, e de quebra Bolsonaro poderia dar um sinal positivo na direção dada por Guedes de reduzir a máquina de renúncias tributárias, que hoje alcança 4,2% do Produto Interno Bruto (PIB).Na primeira oportunidade para mostrar a diretriz dada, o governo acabou mostrando incoerência entre o discurso e a prática. É bom deixar claro que o projeto que prorrogava os incentivos, de autoria do presidente do Senado, Eunício Oliveira, tinha vício de origem. Ele não previa a compensação com medidas para cobrir a perda de arrecadação prevista. A Lei de Responsabilidade Fiscal é(LRF) clara ao exigir a adoção dessa compensação anteriormente, como foi feito com o subsídio do diesel.
Trata-se, portanto, de uma discussão de legalidade. Não é verdade, como disse o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que não há necessidade de compensação. A própria Receita Federal, no final do ano passado, estimou uma perda de R$ 755 milhões. Não há arranjo a ser feito. Essa perda tem de ser compensada, como exige a LRF e cobra o Tribunal de Contas da União (TCU). E deveria ter sido adotada antes da sanção pelo presidente.
O certo é que se Guedes disse no seu discurso “tudo que muitos queriam ouvir há muito tempo”, a sua sinceridade e críticas duras à classe política podem custar pontos no apoio das reformas.
Experientes articuladores políticos apontam que um complicador a mais foi o anúncio muito cedo do acordo entre o PSL, partido do presidente Bolsonaro, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para a sua reeleição.
O prazo de um mês até a eleição abre brecha para novas movimentações dos adversários de Maia, sobretudo Fábio Ramalho (MDB-MG). Maia é o candidato mais favorável para ajudar na reforma da Previdência, mas Ramalho tem chances de atrapalhar os seus planos e também a pauta econômica no Congresso.
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