- Folha de S. Paulo
Para Bolsonaro, a solução para o conflito de terras no Brasil é atirar
No romance “S. Bernardo”, Paulo Honório manda assassinar Mendonça, fazendeiro vizinho, por questão de terras. O escritor Graciliano Ramos fecha o episódio do crime numa conversa entre Honório e o vigário: “Que horror! exclamou padre Silvestre quando chegou a notícia. Ele tinha inimigos?” “Se tinha! Ora se tinha! Inimigo como carrapato. Vamos ao resto, padre Silvestre. Quanto custa um sino?”.
Quem leu Jorge Amado sabe como se ajeitavam as coisas entre coronéis proprietários de terras na região cacaueira do sul da Bahia: no auge das disputas, ia-se buscar o melhor pistoleiro nas Alagoas. E o que faziam aqueles jagunços de Guimarães Rosa —os “zébebelos” e os “hermógenes”— pelos sertões das Minas Gerais? Viviam sob escusável medo, surpresa ou violenta emoção, todos praticando a exclusão de ilicitude.
Quanto pior a desgraça na vida real, maior a riqueza para a criação literária. Bolsonaro, tão criticado por desmontar a cultura no país e perseguir artistas, resolveu dar uma mãozinha. Numa feira de agropecuária em Ribeirão Preto, propôs um tipo de salvo-conduto para proprietários rurais que lhes permita atirar em quem invadir suas terras.
O presidente pretende transformar a promessa em projeto e enviá-lo ao Congresso. É inconstitucional, segundo especialistas. Bolsonaro nem sequer ouviu o ministro Moro. Se aprovado, o STF poderia travá-lo. Mas, com os ministros do Supremo sofrendo um tiroteio de críticas e ameaças, nunca se sabe.
Deitado em berço esplêndido, o Brasil enfrenta conflitos de terras há 500 anos. Para não ir tão longe e não aumentar mais ainda a impunidade: uma estatística da Comissão Pastoral da Terra mostra que, entre 1985 e 2018, só 8% dos assassinatos relacionados a questões agrárias foram levados a julgamento.
O governo acena com a solução de Riobaldo Tatarana no “Grande Sertão: Veredas”: “Bala, bala, bala. Bala, bala, bala. A bala: bá”.
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