Nas mensagens sobre educação que transmitiu pelo Twitter, no final da semana passada, o presidente Jair Bolsonaro evidenciou desconhecimento da área, desprezou estatísticas e cometeu erros factuais. Também apresentou propostas que, se forem implementadas, terão sua constitucionalidade arguida no Supremo Tribunal Federal.
Numa de suas mensagens, Bolsonaro afirmou que “poucas universidades têm pesquisa e, dessas poucas, grande parte está na iniciativa privada”. A afirmação não procede. Há três semanas, o Jornal da USP publicou pesquisa mostrando, com dados compilados pela Clarivate Analytics, empresa especializada em analisar pesquisas acadêmicas e registro de patentes, que das 50 instituições brasileiras que mais publicaram trabalhos científicos nos últimos cinco anos, 36 são universidades públicas federais, 7 são universidades públicas estaduais, 5 são instituições de pesquisa ligadas ao governo federal e uma é um instituto federal de ensino técnico. Na lista, há apenas uma instituição privada. De um total de 214.096 trabalhos, 81.408 foram publicados pela USP, Unesp e Unicamp. E, das instituições de pesquisa, destaca-se a Embrapa, que é uma empresa pública, com 7.712 trabalhos. Segundo a Clarivate Analytics, a USP, sozinha, contribuiu com 22% de toda a ciência produzida no País.
Em outra mensagem, Bolsonaro anunciou que o governo reduzirá as verbas dos cursos de ciências humanas, para concentrar os investimentos nas áreas que geram “retorno imediato ao contribuinte”, como as ciências exatas e biomédicas. Mais um erro, esse de subestimar a importância das ciências humanas, uma vez que elas tratam de problemas fundamentais da sociedade, como saúde pública, segurança, pobreza, desigualdade, emprego e demografia. Registre-se outro equívoco: em matéria de número de alunos, cursos e gastos, as ciências humanas já estão muito atrás das ciências exatas e biomédicas. De 1.283.431 alunos de graduação das universidades federais, apenas 25.904 estão cursando filosofia ou sociologia. Estas duas áreas mantêm 66 programas de mestrado e doutorado nas universidades federais, o que representa apenas 2,5% do total de programas de pós-graduação nessas instituições. Em matéria de financiamento, os projetos de sociologia e filosofia recebem apenas 1,4% do total dos financiamentos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Tão grave quanto as mensagens anteriores foi a publicação nas redes sociais, por Bolsonaro, de um vídeo de uma aluna que afronta uma professora de gramática, alegando que ela estaria falando mais sobre política do que sobre língua portuguesa. “Professor tem que ensinar e não doutrinar”, escreveu o presidente. Não disse, contudo, que essa aluna é filiada ao seu partido, o PSL, e integra o diretório municipal da agremiação em sua cidade. Esse estímulo ao patrulhamento ideológico, que lembra os tempos da ditadura militar, ocorreu um dia após o presidente ter vetado uma propaganda do Banco do Brasil com foco na diversidade, sob a justificativa de estar protegendo os “valores da sociedade”.
Essas iniciativas não são apenas demonstrações de irresponsabilidade da parte de Bolsonaro. Também são demonstrações de que desconhece a Constituição que jurou cumprir. Ao incentivar patrulhamentos, ele se esquece de que a liberdade de manifestação do pensamento e a liberdade de cátedra são garantia fundamentais na democracia. Ao tentar sufocar financeiramente as ciências humanas, em escolas que promovem “balbúrdia e eventos ridículos”, Bolsonaro também se esquece de que a Constituição assegura autonomia didática e administrativa às universidades.
Na democracia, nada impede um presidente da República de defender ideias retrógradas. O que ele não pode é desprezar a ordem constitucional e asfixiar quem, no sistema de ensino, não concorda com seus valores e visão de mundo. A esquerda não podia nem devia fazer isso. A direita muito menos.
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