- Valor Econômico
Selic deve cair por que a inflação está abaixo da meta
O Banco Central indicou que pretende retomar o ciclo de queda da taxa básica de juros, a Selic, estacionada em 6,5% ao ano desde março de 2018. O espaço para corte não é muito grande, apesar da revisão de expansão do Produto Interno Bruto de 2% para 0,8% neste ano.
Das projeções de inflação para 2020 - foco da política monetária a partir de agora - é possível inferir que o Comitê de Política Monetária (Copom) trabalha com uma redução dos juros para 5,75% ao ano. A queda de 0,75 ponto percentual manteria a inflação do ano que vem em 3,9%, praticamente na meta, de 4%, e em 3,6% neste ano, abaixo, portanto, da meta.
O Copom condicionou o afrouxamento da política monetária a avanços concretos na agenda das reformas e de ajustes que possam fortalecer as contas públicas e gerar ganhos de produtividade na economia. O BC espera, sobretudo, a aprovação da reforma da Previdência.
No regime de metas para a inflação o importante é averiguar como uma frustração na aprovação da nova Previdência vai impactar os prêmios de risco e, por consequência, aumentar a inflação no horizonte relevante que é de agora até o fim de 2020.
O BC reconhece que houve uma "interrupção da recuperação da economia" e conta com uma retomada gradual do crescimento.
O corte dos juros seria um dos instrumentos para reanimar a economia, que encontra-se em estado de profunda recessão. Em condições normais, a queda de um ponto percentual da Selic poderia elevar em até 0,6 ponto percentual a expansão do PIB em três trimestres.
Mas a atividade produtiva não se encontra em condições normais. Ela perdeu dinamismo por várias razões que estariam, segundo o BC, em processo de superação. Por isso, a expectativa é de uma estabilidade do PIB no segundo trimestre e a retomada gradual do crescimento no segundo semestre.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) também divulgou suas projeções ontem e, tal como o BC, revisou de 2% para 0,8% o crescimento esperado para este ano. Pelos cálculos do Ipea, a redução da Selic terá efeito bastante limitado sobre a atividade produtiva: o corte de um ponto percentual da taxa básica, que cairia para 5,5% ao ano, agregaria somente 0,1 ponto percentual no PIB de 2020.
A queda da taxa de juros é uma medida muito bem-vinda para a economia e importante para reduzir o gasto com juros da dívida e, portanto, para a própria trajetória da dívida bruta em relação ao PIB. E torna-se ainda mais relevante na medida em que diminui o custo do dinheiro na ponta final, para o tomador de crédito. Mas dela não se espera milagres.
Assim como a reforma da Previdência não interromperá o crescimento da despesa com aposentadorias e demais benefícios, o corte dos juros não é suficiente para reanimar a economia.
A reforma destina-se a desacelerar o ritmo de crescimento do gasto com aposentadorias, mas não resolve o déficit das contas da Previdência nem dá uma solução para o desequilíbrio das contas públicas consolidadas. Será preciso mais providências para ajustar a política fiscal, como controle do crescimento da folha de salários, dentre outras.
A taxa de juros mira diretamente a inflação, e não o PIB. Se há espaço no regime de metas para reduzir a taxa básica de juros, ela deve ser reduzida.
No box do Relatório Trimestral de Inflação, divulgado ontem pelo BC, intitulado "Importância dos componentes da demanda para as atividades mercantis", discute-se o que impacta o crescimento econômico. Nas duas últimas décadas, as fases de expansão da economia foram impulsionadas pelas exportações e pelo investimento. Já no período de retração as causas foram a queda nos investimentos e ausência de outros vetores para darem impulso, especialmente o consumo das famílias.
Destaca-se a pequena relevância do consumo do governo para a dinâmica do valor adicionado mercantil. Mas dele se retira os investimentos públicos, incluídos na Formação Bruta de Capital Fixo juntamente com os privados, salienta o BC. Frente as restrições fiscais para aumentar o investimento público, a análise contida no box ressalta o papel das reformas e ajustes na economia que gerem sustentabilidade da trajetória fiscal futura. E vai direto ao ponto: "Ao reduzirem incertezas fundamentais sobre a economia brasileira (as reformas e ajustes), tendem a estimular o investimento privado". Credibilidade e confiança, embora intangíveis, fazem toda a diferença para impulsionar os investimentos.
O corte dos juros pode ser o início de um ciclo de crescimento se, no decorrer do tempo, outras iniciativas do governo vingarem. Uma boa reforma tributária, um melhor ambiente de negócios, segurança jurídica. Ontem Paulo Guedes, ministro da Economia, anunciou mais R$ 100 bilhões em liberação de depósitos compulsórios em breve, para fortalecer o crédito. Depois de anos de acúmulo de problemas e distorções, só um somatório de virtudes poderá tirar a economia do estado de hibernação em que se encontra.
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