Com a adoção do teto de gastos, a redução ao longo do tempo do déficit da previdência - que perderá velocidade, mas não deixará de crescer com a reforma -, é o problema mais urgente, mas não o único. Com as despesas congeladas em termos reais, os gastos obrigatórios estão, como sempre, reduzindo os demais, em um ajuste de baixa qualidade, com a aniquilação do investimento público e cortes de custeio da manutenção de infraestrutura. O aperto fiscal deve prosseguir, ou até mesmo se intensificar no curto prazo.
A próxima revisão orçamentária pode aumentar o contingenciamento de verbas, pois a margem para o cumprimento da meta de déficit primário de R$ 139 bilhões, o sexto rombo anual consecutivo, está se estreitando. Pela segunda revisão orçamentária bimestral, a execução pressupunha déficit de R$ 138,8 bilhões, dentro da meta, com margem potencial de R$ 33 bilhões para despesas. Mas a promessa de crescimento maior não se realizou e, confeccionado com a perspectiva de expansão de 2,5%, depois 1,6%, o orçamento terá de se adequar de novo ao figurino de um PIB bem mais magro. Nesta segunda revisão a previsão de receita líquida para o ano encolheu 3,2% e novas revisões para baixo ocorrerão, pois as atividades econômicas não reagirão até o fim do exercício fiscal.
O drama fiscal foi mais uma vez expresso nos cálculos da ONG Contas Abertas, feitas a pedido do Valor, que comparam os gastos obrigatórios e discricionários no primeiro trimestre de 2014 com os do mesmo período de 2019. Na trajetória atual, para manter o teto de gastos, será inevitável desvincular o orçamento, se a União quiser preservar alguma capacidade de investimento, que tende a zero se tudo continuar como está, e impedir que a infraestrutura dos serviços públicos se deteriore em um grau ainda maior do que o que já ocorre.
As despesas primárias discricionárias, que incluem investimentos, caíram 53,2% em termos reais (descontada a inflação) no período analisado, para R$ 29,8 bilhões, enquanto que os gastos primários obrigatórios avançaram 13,3% (Valor, 4 de julho), para R$ 507 bilhões. O principal fator da redução foi a abismal queda real de 78% dos investimentos do Programa de Parceria de Investimentos e do Programa de Aceleração do Crescimento. De R$ 21,3 bilhões no primeiro quadrimestre de 2014, diminuíram para R$ 4,8 bilhões no mesmo período de 2019. Esses investimentos teriam papel contracíclico importante durante e na saída da recessão, mas são os primeiros a serem abortados quando as receitas federais entram em queda. Outros estudos apontaram que com o nível investido nos últimos anos, o estoque de capital do país não está sendo reposto na proporção em que é consumido. Sem investimentos, não só o país não aumenta sua capacidade de produção de bens e serviços, como começa a regredir.
Outro retrato da mesma situação é fornecido pelos gastos obrigatórios com transportes, que despencaram de R$ 6,3 bilhões para R$ 2,2 bilhões. A queda foi puxada pelo definhamento do programa de transportes rodoviários, que inclui manutenção, duplicação e construção de estradas, cujos gastos se reduziram de R$ 4,18 bilhões para R$ 49,3 milhões agora. As despesas com transporte terrestre, por outro lado, subiram de R$ 185 milhões para R$ 1,66 bilhão.
Na habitação o quadro não é melhor. Os gastos discricionários da rubrica "encargos especiais" caíram para um terço do que eram, de R$ 10,1 bilhões para R$ 3,6 bilhões. O recuo é fruto do derretimento do programa "Moradia digna", que gastava R$ 7,9 bilhões, hoje reduzidos a R$ 1,13 bilhão. O Minha Casa Minha Vida, que consumia R$ 6,5 bilhões, teve agora de se contentar com R$ 739 milhões.
Ainda que exista algum ruído nos números em função da sazonalidade de gastos de alguns ministérios, a direção que eles apontam é real e destrutiva: os investimentos públicos estão em seu menor nível histórico. Como o teto de gastos é o único dique para impedir o descontrole das despesas - de 1998 até sua implantação elas cresciam 6% reais ao ano - a solução passa por conter os maiores blocos de despesas: a previdência e a folha de salários do funcionalismo. O primeiro problema está sendo mitigado pela reforma, o segundo, ainda não. Depois, a balcanização dos gastos, com percentuais obrigatórios, mesmo com as melhores intenções, abrigam falta de prioridades e desperdícios. A desvinculação exigiria mais responsabilidade e discernimento para os gastos. A equação fiscal não fecha, obviamente, com o crescimento medíocre exibido nos últimos anos.
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