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Não existe base legal para a CPI da Lava-Toga – Editorial | O Globo
Também a tentativa de se instalar comissão sobre vazamento na Lava-Jato não tem lastro na lei
Os mecanismos de equilíbrio entre os Poderes, de que fazem parte ações de vigilância e de correção, têm de ser usados não apenas dentro da lei, por óbvio, mas com responsabilidade. É o que falta à iniciativa de senadores — barrada no Senado, mas com recurso ao STF —de instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar ministros do Supremo, uma sandice.
E por várias razões. Uma delas, mais ampla, é o descuido irresponsável com o necessário zelo pelo equilíbrio entre Legislativo e Judiciário. Não significa que não devam ser acionados os diversos instrumentos legais de investigação. Há vários casos de parlamentares condenados na Justiça em processos contra a corrupção, sendo os mais conhecidos os oriundos da força-tarefa da Lava-Jato.
Magistrados, protegidos por blindagens constitucionais para que atuem de forma independente, não estão imunes a escrutínios. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) avalia denúncias de comportamentos aéticos de juízes.
Mas a CPI proposta, apelidada de “Lava-Toga”, é diferente, e não apenas porque deixa visíveis intenções retaliatórias e até de chantagem, dignas do pior da baixa política. Se prosperar, entre outros efeitos deletérios, esta comissão degradará um instrumento vital para que o Legislativo, em nome do povo, projete luz onde poderosos querem manter a escuridão.
Os equívocos da proposta da CPI da Lava-Toga vão além da falta de sensatez. Ela sequer tem fato determinado a investigar. Sua pauta é uma colcha de retalhos, contrariando o parágrafo 3º do artigo 58 da Constituição, que rege as comissões do Congresso. Por ele, CPI só pode ser instalada sobre “fato determinado e por prazo certo”. Assim não fosse, o poder de o Estado investigar seria arbitrário, não teria freios.
Em entrevista a Míriam Leitão, na GloboNews, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, disse que se deve dar prioridade à harmonia entre os Poderes. Esta CPI faz o oposto. Ela contraria, ainda, o artigo 146 do regimento do Senado, que impede comissão de inquérito sobre “atribuições do Judiciário”.
Está certo o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ao dizer que a CPI só serviria para abalar instituições fundamentais ao nosso equilíbrio institucional. Inepta, desgastará o STF, também o Senado Federal, e, por meio deste, todo o Legislativo. Alcolumbre, também com razão, vê grave erro na tentativa de se atingir o Judiciário num ataque ao Supremo, por uma “CPI que já no nome começa ofendendo”.
Também na Câmara, tenta-se instalar uma comissão parlamentar contra o ex-juiz Sergio Moro, ministro da Justiça e Segurança, e o procurador Deltan Dallagnol, numa espécie de troco de desgostosos com a Lava-Jato. Também neste caso não há base técnica, porque o pedido de CPI se baseia em provas ilegais: os supostos diálogos entre Moro, Dallagnol e outros procuradores, obtidos por hackers, sem comprovação de veracidade. As duas CPIs são espaço para a luta política, tanto que defensores de uma criticam a outra.
Os recursos legais à disposição dos parlamentares precisam ser usados para aperfeiçoar a gestão pública, sempre balizados pela Constituição. Jamais com outros objetivos.
Ataque de Bolsonaro a Bachelet levou a uma inflexão com o Chile – Editorial | O Globo
Postura equilibrada do presidente Piñera foi vitória da diplomacia chilena sobre a brasileira
Em Santiago, quando alguém pergunta sobre as diferenças políticas entre o presidente Sebastián Piñera e sua antecessora Michelle Bachelet, escuta sempre a mesma resposta: é mais fácil contar nos dedos as posições coincidentes, tudo mais é divergência. Piñera, 69 anos, é um rico empresário e líder da centro direita agrupada no partido Renovación Nacional. Bachelet, 67 anos, é médica e dona da voz mais influente no Partido Socialista.
Nesses 13 anos de alternância no poder, Piñera e Bachelet têm insistido em demonstrar publicamente uma de suas raras coincidências: o respeito mútuo, como símbolo do padrão institucional alcançado na vida chilena três décadas depois da sanguinária ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
Adversários na política, se unem na adversidade. Foi assim quando perceberam interesses do Chile confrontados pela Bolívia e pelo Peru, vizinhos com histórico de guerra. Repetiram, há poucos dias, quando Jair Bolsonaro atacou pessoalmente Bachelet e a memória de seu pai, oficial da Força Aérea preso e torturado por se opor ao golpe de Pinochet. Ele morreu na prisão. Bachelet e sua mãe também foram presas e torturadas.
Bolsonaro não gostou de uma crítica do Comissariado da ONU para Direitos Humanos, comandado por Bachelet, à carnificina policial em curso nas maiores cidades brasileiras, como se vê no Rio. Foi à ofensiva em termos pessoais: “Senhora Michelle Bachelet: se não fosse pelo pessoal de Pinochet, que derrotou a esquerda em 1973, entre eles o seu pai, hoje o Chile seria uma Cuba.”
Acabou surpreendido por uma firme, serena e formal contestação do presidente Piñera, em público: “Não compartilho, em absoluto, da alusão feita pelo presidente Bolsonaro a respeito de uma ex-presidente do Chile e, especialmente, em um tema tão doloroso como a morte do seu pai”.
Até então, Bolsonaro tinha em Piñera um aliado, junto ao argentino Mauricio Macri. O trio tem interesse na liberalização da economia regional. Macri conduziu o acordo do Mercosul com a Europa. Piñera atuou como pacificador na crise com o G-7 devido à Amazônia. O episódio do ataque a Bachelet indica uma inflexão nessa relação. A diplomacia chilena se impôs ao Itamaraty, pela voz do seu presidente.
Perdendo posições – Editorial | O Estado de S. Paulo
O Brasil será um dos países com pior resultado econômico neste ano e em 2020, mesmo num quadro internacional de baixa atividade, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Com tensões comerciais crescentes e muita incerteza, a economia mundial deve crescer apenas 2,9% neste ano e 3% no próximo, no desempenho mais fraco desde a crise financeira de 2008.
Quase todo o cenário ficou mais sombrio que nas projeções publicadas em maio passado, quando a expansão do produto global era estimada em 3,2% neste ano e em 3,4% no seguinte. As projeções de avanço do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro caíram de 1,4% para 0,8% e de 2,3% para 1,7%. O número agora cravado para 2019 é parecido com o do mercado, 0,87%, e o do Ministério da Economia, 0,85%. Em relação ao próximo ano, até no mercado há gente um pouco mais otimista que os técnicos da OCDE: a mediana das expectativas ficou em 2% na última pesquisa do Banco Central (BC).
Uma recuperação gradual deve continuar no Brasil, com o crescimento ganhando impulso deste ano para o próximo. Juros mais baixos favorecem o consumo privado, e o progresso na implementação de reformas deve sustentar a confiança e o investimento, de acordo com o relatório.
O documento foi divulgado na quinta-feira, um dia depois de confirmado o novo corte da taxa básica de juros pelo Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. A nova etapa de redução da taxa havia começado um mês e meio antes, e os técnicos da OCDE deviam ter a expectativa de mais cortes.
Em contrapartida, o comunicado distribuído na quarta-feira pelo Copom, depois da decisão sobre os juros, menciona como risco importante a deterioração da economia global, uma avaliação corroborada no dia seguinte pelas estimativas da OCDE.
A disputa comercial entre Estados Unidos e China é um dos fatores mais importantes de insegurança, e quase certamente o mais notório. Uma escalada nesse confronto poderá ameaçar mais gravemente um comércio internacional já em retração. Mas o quadro de riscos inclui as incertezas de uma economia europeia já enfraquecida, os possíveis custos de um Brexit sem acordo entre Reino Unido e União Europeia, uma desaceleração mais forte da economia chinesa e novos desastres financeiros.
Concebidas para apoiar a recuperação econômica do mundo rico, políticas monetárias frouxas, mantidas há muitos anos, deram espaço à valorização talvez excessiva de ativos e a um endividamento perigoso de governos e de empresas.
Tudo isso se completa com tensões geopolíticas. Não há menção, no relatório, ao recente ataque a instalações petrolíferas da Arábia Saudita, mas o episódio é um claro exemplo dos perigos geopolíticos.
Mesmo com a “recuperação gradual” indicada pela OCDE, o Brasil ainda perderá posições na corrida mundial. Até a enfraquecida zona do euro deve fechar 2019 com expansão (1,1%) maior que a brasileira, apesar do crescimento zero estimado para a Itália e da previsão para a Alemanha reduzida de 0,7% para 0,5%. Três dos maiores emergentes, China, Índia e Indonésia, deixarão o Brasil mais para trás, avançando a taxas de 6,1%, 5,9% e 5%, respectivamente. No caso da Índia, considera-se o ano fiscal com início em abril.
As análises da OCDE continuam chamando a atenção para as dificuldades brasileiras mais evidentes, como o enorme desajuste das contas públicas, e também para problemas estruturais ainda sem solução à vista.
Destacam-se na lista a escassez de investimentos produtivos, as deficiências da infraestrutura, a baixa exposição da economia à concorrência internacional, a pobre formação educacional e a desigualdade muito acima dos padrões internacionais. No caso da desigualdade, sua redução foi interrompida, segundo observação feita em documento recentemente divulgado pela OCDE.
O governo poderia retirar desse estudo pelo menos um dado politicamente positivo: “As emissões de gases estufa permanecem bem abaixo da média da OCDE em termos per capita”. Mas há o risco de alguma autoridade interpretar esse comentário como desafio para atingir aquela média.
'Light', mas pesado – Editorial | Folha de S. Paulo
Sob pressão, projeto que afrouxa as regras eleitorais ficou menos deplorável
Como já se tornou rotina, a cada ano eleitoral que se avizinha parlamentares buscam recriar novas regras para disciplinar —ou não— a atuação de partidos e candidatos.
Para vigorar, tais normas devem estar aprovadas até no máximo um ano antes das eleições. No caso atual, a legislação terá de ser sancionada até 4 de outubro —dia em que os brasileiros, em 2020, vão escolher representantes municipais.
Não fossem os alertas de entidades da sociedade civil e as pressões da opinião pública, corria-se até há pouco o risco de que a próxima campanha se transformasse num festim sem moderação para siglas e postulantes, tão permissivas e numerosas foram as concessões inicialmente aprovadas pela Câmara dos Deputados.
Autorizava-se, por exemplo, na primeira versão, que os 33 partidos em atividade utilizassem qualquer sistema contábil de prestação de contas disponível no mercado, deixando de lado o padrão adotado pela Justiça Eleitoral —em evidente prejuízo para a fiscalização.
Na mesma linha, exigia-se prova de dolo, ou seja, de ação consciente e premeditada de candidatos, para que pudessem ser condenados por desvios de dinheiro público.
Aumentava-se também o prazo de entrega das prestações de contas, que poderiam sofrer correções até a data de seu julgamento. Por fim, o texto facultava o uso de verbas eleitorais para a contratação de advogados de defesa de filiados acusados de corrupção.
A farra acabou quase inteiramente rejeitada pelo Senado. A Câmara, embora pressionada diante da má repercussão de sua obra, tentou reabilitar o que pôde do texto.
Na quarta-feira (18), a maioria dos deputados aprovou o que seria uma versão “light” do projeto eleitoral —que ainda desfavorece, entretanto, a transparência e o bom uso de recursos públicos.
É o que se conclui a partir de medidas como a permissão de contratar, fora dos limites de gastos das campanhas, consultoria contábil e advocatícia para processos sofridos por partidos e candidaturas.
Ou a infame tentativa de burlar a Lei da Ficha Limpa, ao deixar, na prática, que políticos ficha-suja sejam eleitos, postergando-se a análise dos casos até a data da posse —e não mais, como é hoje, no pedido de registro dos candidatos.
O texto teve desde o início o amparo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que considerou o processo de discussão “democrático”. Era previsível que depois do apoio parlamentar recebido na aprovação da reforma da Previdência Social, Maia se visse na obrigação de retribuir.
Embora não sirva de consolo, as reações de setores da sociedade evitaram, pelo menos, que o projeto fosse ainda mais deplorável.
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