quarta-feira, 18 de setembro de 2019

O que pensa a mídia – Editoriais

- Editoriais de hoje:

Apoio para quê? – Editorial | O Estado de S. Paulo

Bolsonaro recorre à 'velha política' na relação com Congresso para obter apoio em iniciativas de caráter pessoal

O Estado informa que o governo federal quer receber apoio firme no Congresso em troca de cargos nos Estados e da liberação de verbas para o pagamento de emendas parlamentares. O ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, negou que essas negociações sejam uma reedição do conhecido “toma lá dá cá” que marcou a relação do Executivo com o Congresso nos últimos governos. Ramos pediu aos parlamentares que evitassem cobrar publicamente a liberação de emendas, para não “pautar” a imprensa sobre as suspeitas de fisiologismo.

Noves fora o contorcionismo retórico, o fato é que o presidente Bolsonaro avalizou uma prática que muito se assemelha às da “velha política”, que ele havia prometido encerrar. Diante das notórias dificuldades para arregimentar votos, Bolsonaro decidiu, digamos, “premiar” os parlamentares mais fiéis, que demonstrarem disposição de apoiá-lo em todas as suas iniciativas.

A falta de uma base governista é, há muito tempo, o principal problema de Bolsonaro em sua relação com o Congresso. Ao confundir qualquer negociação política com corrupção, o presidente reduziu substancialmente sua capacidade de influenciar a agenda parlamentar e o ritmo das votações importantes no Congresso.

Como resultado, o governo tornou-se espectador do processo legislativo, tocado exclusivamente pelos líderes do Congresso. Assim é que as principais reformas em tramitação no Congresso estão sendo formuladas praticamente sem participação do presidente.

Por esse motivo, é pelo menos alentador que o governo tenha percebido a necessidade de construir uma base mais firme no Congresso para restabelecer o peso do Executivo no debate político, ainda que o meio escolhido para fazê-lo seja moralmente questionável. No entanto, a julgar pelas movimentações políticas dos últimos dias, Bolsonaro está recorrendo à “velha política” não porque esteja interessado em formar uma base para aprovar as reformas de que o Brasil precisa, e sim para ter apoio em iniciativas de caráter pessoal.

Como se sabe, Bolsonaro não está medindo esforços para obter o aval de senadores à indicação de seu filho Eduardo para o cargo de embaixador nos Estados Unidos. Nesse caso, a fatura deverá ser alta, porque é de conhecimento de todos que o deputado Eduardo Bolsonaro não tem o menor preparo para ser embaixador, muito menos nos Estados Unidos, principal posto da diplomacia brasileira. Os senadores que decidirem aprovar o nome do deputado sabem que estarão ignorando seu papel institucional - o de barrar a nomeação de embaixadores despreparados - e serão cobrados por isso.

O governo também está bastante empenhado em impedir a instalação de uma CPI no Senado para investigar o suposto ativismo judicial de ministros de tribunais superiores. Parlamentares que defendem a CPI - inclusive do próprio partido do presidente, o PSL - dizem que o governo quer poupar o Supremo Tribunal Federal depois que este, por iniciativa do ministro Dias Toffoli, suspendeu investigações sobre o caso de movimentações financeiras suspeitas envolvendo o senador Flávio Bolsonaro, outro filho do presidente.

Foram essas pautas sem importância para o País que fizeram Bolsonaro contrariar promessas de campanha e dar sinal verde para negociações fisiológicas com parlamentares. O esforço para resolver assuntos de interesse familiar é tanto que Bolsonaro cobra não apenas o voto, mas lealdade: os deputados e senadores foram advertidos de que haverá retaliação contra aqueles que falarem mal do governo nas redes sociais. “Creio que o parlamentar tem de ser coerente. Ou está alinhado com o governo ou é contra”, explicou o ministro Luiz Eduardo Ramos. “Inicia-se agora uma nova fase de articulação do governo, que não quer mais namorico. Quer casamento de papel passado”, disse o líder do Podemos na Câmara, José Nelto (MG). Nesse “matrimônio”, os filhos dos cônjuges vêm em primeiro lugar. Enquanto isso, os demais brasileiros, à espera das reformas tão urgentes, permanecem órfãos.

A crise silenciosa dos projetos das Forças Armadas – Editorial | O Globo

Sem defensores, planos estratégicos são travados por um Orçamento público engessado

Os 31 anos de ditadura militar deixaram incontornáveis marcas na percepção que a sociedade tem das Forças Armadas, e contaminada por incompreensões. É provável que investimentos em projetos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica sejam vistos como de prioridade secundária, nesta fase de crítica falta de dinheiro público, quase todo ele crescentemente desviado, por força de lei, para despesas obrigatórias de custeio —salários do funcionalismo, Previdência e gastos ditos sociais, por exemplo.

Não que haja alguma intenção de prejudicar as Forças Armadas, o que não faria sentido, pois, com Bolsonaro no Planalto, diversos generais assumiram espaço no primeiro escalão do governo. O paradoxo é que neste momento define-se que o Ministério da Defesa terá, no ano que vem, o menor orçamento em 15 anos. Como mostrou reportagem do GLOBO no domingo, as verbas reservadas no Orçamento da União de 2020 para os principais projetos das Forças Armadas sofrerão um corte de 36,5% em relação a este ano, passando de R$ 4,1 bilhões para R$ 2,6 bilhões.

Continuarão em processo de desaceleração os projetos do cargueiro, em fase de lançamento, pela Embraer (KC-390); do submarino nuclear, incluindo, antes, unidades convencionais (Prosub); do blindado que substituirá o Urutu (Guarani), da troca dos caças obsoletos de interceptação (F-X), do monitoramento das fronteiras (Sisfron) e o de vigilância e defesa da infraestrutura do país. Não se deve menosprezar a capacidade de cada um desses projetos absorver e irradiar conhecimentos no país.

Foi por sinal o “projeto paralelo” da Marinha que garantiu o domínio da tecnologia de enriquecimento do urânio, depois do fracasso do acordo feito pelo país com a Alemanha, no governo Geisel, com este objetivo.

O centro da questão é a rigidez dos gastos públicos. Mesmo que haja intenção de serem retomados estes e outros investimentos públicos, não será possível, porque existe um necessário teto constitucional para conter as despesas do Estado, sem o qual a economia sairá do prumo.

O grande problema é que despesas obrigatórias por lei, corrigidas pela inflação ou pelo salário mínimo, forçam o corte de gastos livres, “discricionários”, em que se incluem os investimentos. A óbvia e única alternativa sensata é quebrar o engessamento destes gastos.

Este é objetivo da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), a ser relatada por Felipe Rigoni (PSB-ES). Ela estabelece “gatilhos” que, disparados quando gastos subirem além de certos limites, acionarão medidas de cortes. Simples, mas vital para o equilíbrio das finanças públicas e recuperação da capacidade de investimento do Estado.

No caso dos projetos das Forças Armadas, em recente artigo na “Folha de S.Paulo”, o professor de Harvard e ex-ministro Roberto Mangabeira Unger alertou: “Nenhum país se desenvolveu com Defesa fraca”.

Partidos tentaram mudar as regras que dificultam caixa 2 – Editorial | Valor Econômico

Partidos querem usar dinheiro público até mesmo para se defenderem da acusação de que o utilizaram ilegalmente

As investigações da Operação Lava-Jato foram didáticas ao demonstrar a ampla gama de contravenções que pode desaguar no caixa dois das campanhas eleitorais. O projeto de lei 5029/2019 que foi encaminhado à votação no Senado, depois de passar rapidamente pela Câmara e ser aprovado por 263 a 144, buscava tornar mais difícil o entendimento das prestações de contas dos partidos, abria mais oportunidades para o fluxo de dinheiro mal contabilizado pelos canais consagrados para esta finalidade, entre eles serviços advocatícios e de consultorias. O projeto era uma desfaçatez e um retrocesso. Sob pressão, o Senado ontem aniquilou todos os pontos polêmicos em que se baseava o PL.

O texto do projeto não fazia questão de esconder o que busca. Doações recebidas para gastos com advogados e contabilidade não entrariam mais no cômputo de gasto eleitoral. Pagamento destes gastos feito por terceiros também não seria considerado doação eleitoral. Já o dinheiro dos fundos eleitoral e partidário poderia ser usado para pagá-los até mesmo no caso de defesa contra ações da Justiça Eleitoral movida por irregularidades na campanha ou na prestação de contas. No caso de alguns gastos, como passagens aéreas, o usuário sequer precisaria ser filiado ao partido.

A prestação de contas, por sua parte, se tornaria inescrutável. O PL queria acabar com a padronização das informações enviadas à Justiça Eleitoral, por sistema eletrônico. Uma vez descobertas incorreções, algo que se tornaria mais difícil com o fim da padronização, os partidos poderiam corrigir erros, omissões e atrasos até a data de seu julgamento - tornando provavelmente inócua a ação da Justiça Eleitoral. E, lançando um olhar maroto para seu próprio passado, os partidos simplesmente estabeleceram anistia para todos os erros e maracutaias que ainda não tenham sido objetos de sentenças definitivas.

O projeto abria a possibilidade de criação de um instituto com personalidade jurídica própria para administrar verbas destinadas à política de estímulo à participação feminina. Na mais recente eleição, os partidos não destinaram corretamente dinheiro para cumprir a cota de candidatas nas legendas - o PSL, do presidente Jair Bolsonaro, ainda está perdido em meio a um laranjal, sob denúncia de várias delas que teriam sido convidadas a devolver parte dos recursos a alguns líderes e coordenadores regionais de campanha.

O caixa dois é crime eleitoral e a Lava-Jato bateu em uma dificuldade, em vários casos intransponível, de obter provas de benefícios prestados em troca de recursos para o financiamento das campanhas. Um batalhão de acusados na operação foram remetidos, por ordem do Supremo Tribunal Federal, para investigação da Justiça Eleitoral e, se culpados, punidos com as penas leves da legislação eleitoral. Além disso, os partidos manobraram e mandaram para o espaço o projeto do ministro da Justiça Sergio Moro para tipificar como crime distinto o caixa 2, aumentando penas. A tipificação saiu do projeto e ficou para depois - isto é, talvez nunca.

O fundo partidário para as eleições municipais subirá para R$ 959 milhões, após manobra que obrigou a correção pela inflação no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias. Outra manobra em curso no PL foi a de retirar o teto do fundo eleitoral, criado como compensação pela proibição do financiamento eleitoral por empresas, permitindo valor maior que o R$ 1,7 bilhão atual. O fato é que se pretendia aumentá-lo, mesmo em meio à penúria da União. A decisão no Senado foi manter R$ 1,7 bilhão para 2020 e determinar que seu valor seja estabelecido pela lei orçamentária anual.

Houve vários erros nessa história, e o primeiro deles, irremovível hoje, é tratar os partidos como se fossem parte da máquina de Estado, a serem custeados da mesma forma com que se bancam com recursos públicos a construção de hospitais e escolas. Como agremiações da sociedade civil, e de direito privado, os partidos deveriam ser capazes de se sustentar com apoio de seus filiados e por iniciativas próprias. Não são, o que leva a paradoxos como o que constava do PL: os partidos usarão dinheiro público para pagar advogados que os defendam das acusações de mau uso do dinheiro público.

Novo, Psol, PDT, Rede, Podemos e PMN votaram contra o PL na Câmara - mais 38 deputados do PSL (ante 10 deles a favor). Grandes beneficiários do fundo partidário, como PT, PMDB, DEM, PSDB o aprovaram. O líder do PT, senador Humberto Costa, considerou o PL “fundamental para a consolidação da democracia”.

Pregação de Maduro – Editorial | Folha de S. Paulo

À Folha, ditador constrói fantasias para dissimular as ruínas do chavismo

Se nações fracassam, está aí a Venezuela chavista a reforçar a hipótese.

De 2014 para cá, a economia do país encolheu 60%. Se a derrocada continuar, o que é provável, chegará a 2022 reduzida a um terço do que era uma década antes. A inflação anual atinge 10 milhões por cento: os preços dobram ao ritmo das epidemias, a cada 22 dias.

Espalham-se doenças que se julgavam controladas, como a difteria. Nos hospitais, as faltas de energia matam pacientes. Outros, como portadores do HIV, morrem porque não há medicamentos.

Pessoas pobres passam dez horas por dia na fila para obter alimento, e a subnutrição campeia. Meninas trocam sexo por comida, e a gravidez juvenil dispara. Quatro milhões de venezuelanos, quase 15% da população, já fugiram do país, segundo estimativas.

Adversários do regime são detidos às centenas, impedidos de competir nas urnas ou forçados ao exílio. De acordo com Michelle Bachelet, alta comissária para direitos humanos da ONU, nas prisões opositores são submetidos a tortura. Nas ruas, operam esquadrões da morte a mando do governo.

Ao receber a Folha para entrevista, o ditador Nicolás Maduro dispôs-se a enfrentar perguntas incômodas, atitude em si elogiável. Mas as respostas vieram banhadas no cinismo e no falseamento da realidade habituais nos autocratas.

Para Maduro, herdeiro de um regime que completou 20 anos concentrando poder, todas as acusações de violações a direitos civis e às regras democráticas não passam de complô estrangeiro, sob o comando dos EUA, para destruir o legado heroico da “revolução”.

Na visão do sucessor de Hugo Chávez, também é dos gringos, que boicotam os interesses venezuelanos, a culpa pelas privações atravessadas pela população.

A parte lúcida da esquerda sul-americana, que passou a criticar a bizarrice autoritária do chavismo, foi tachada de estúpida e traidora —no Brasil, Maduro há de estar contente com o servilismo do PT.

O presidente Jair Bolsonaro (PSL), que à diferença do dirigente chavista foi eleito num processo legítimo, não seria tão nefasto quanto a oposição venezuelana, provocou o ditador. Deve ser prazeroso para um sádico fazer brincadeiras com quem pode perseguir e neutralizar, como é o caso dos seus adversários internos.

Há pessoas sem trabalho na Venezuela? Nada disso. Vigora o pleno emprego na fantasia de Caracas.

Despotismos se parecem quando têm de enfrentar as consequências da ruína que causaram. Inventam uma matemática revolucionária em que a soma das desgraças resulta em maravilhas que só os convertidos enxergam. Maduro prega para sua banda de fanáticos.

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