sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Cristina Serra - Suas Excelências e suas mordomias

- Folha de S. Paulo

Maus exemplos no uso do dinheiro público estimulam descrença na democracia

Volto ao tema de reportagem publicada nesta Folha nos últimos dias de 2019 e que, pela importância, deveria ter tido maior reverberação. Refiro-me à viagem do presidente do STF, Dias Toffoli, à cidade de Ribeirão Claro (PR), em avião da FAB e comitiva de 11 pessoas. Toffoli teve como único compromisso na cidade inaugurar o fórum eleitoral local, que recebeu o nome de seu pai.

Como ninguém é de ferro, esticou o fim de semana em um resort de luxo e só deixou a região na segunda, em avião da FAB. A reportagem (de Camila Mattoso, Ranier Bragon e Ricardo Balthazar) mostra um traço enraizado nos costumes de autoridades no país: o uso de patrimônio público em compromissos privados.

A imprensa já noticiou inúmeros casos dessa nefasta interseção. Ocorre-me um, de 2011, também revelado por esta Folha, quando o então presidente do Senado, José Sarney, usou um helicóptero da Polícia Militar do Maranhão para ir de São Luís até a ilha do Curupu, sua propriedade particular. O uso da aeronave —comprada para atuar em emergências médicas— atrasou o atendimento a um pedreiro acidentado.

As justificativas de sempre, "representação", "segurança" e "serviço", revestem de legalidade o mau uso do patrimônio que deveria servir apenas aos interesses do Estado e dos cidadãos/contribuintes.

No ótimo livro "Um país sem excelências e mordomias", sobre como vivem políticos e autoridades na Suécia, a jornalista Cláudia Wallin conta o caso de uma deputada que se viu no meio de um escândalo, em 2011, porque, ao deixar o Parlamento após sessões que se estenderam até tarde da noite, usou o dinheiro do contribuinte para voltar de táxi para casa em vez de usar o trem.

Maus exemplos no uso do dinheiro público estimulam a descrença na democracia, nas autoridades e nas instituições. O Brasil tem muitas reformas à frente. Talvez a mais importante seja estabelecer uma separação nítida entre interesse público e conveniência de nossas autoridades. Seremos capazes de tal mudança?

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