Bolsonaro sofre desgaste político e aposta na economia – Editorial | Valor Econômico
Enquanto implodia o único partido que o apoiava, Bolsonaro restringe cada vez mais sua pregação aos convertidos
Não se deve esperar do segundo ano do governo de Jair Bolsonaro mais do que ele ofereceu no primeiro - testes permanentes da resistência das instituições democráticas, combinado com avanços na agenda econômica. A situação política do governo, porém, pode piorar aos poucos, ao mesmo tempo em que as perspectivas da economia sinalizam melhora.
Bolsonaro desprezou a articulação política como nunca se viu em um antecessor, propiciando um grau de liberdade ao Congresso também incomum. Essa heterodoxa e involuntária divisão de trabalho entre os poderes dificilmente vai perdurar à medida que o calendário eleitoral for se aproximando. A opção por não ter uma base firme no parlamento tem custos. O presidente foi o que mais teve MPs rejeitadas ou reprovadas, assim como mais vetos derrubados pelo Congresso. Faz parte do jogo político no qual Bolsonaro diz não querer entrar.
Por sua carreira, Bolsonaro sempre foi um franco-atirador, avesso a partidos - passou por pelo menos seis, sem ser aborrecido por eles. Chegou à Presidência a bordo do minúsculo PSL, que seu prestígio elevou à segunda maior bancada do Congresso. Não é um instrumento desprezível para quem pretende permanecer no poder e arregimentar o maior apoio possível para uma agenda controversa.
Mas Bolsonaro não gosta do que não pode controlar. Implodiu o PSL e criou um Aliança pelo Brasil, colocou na cúpula seus filhos, mas ao que tudo indica, não será oficializado a tempo de disputar as eleições municipais. Há pouca inteligência política ao redor do presidente - atos impensados retiram os bolsonaristas do primeiro pleito com ele no Planalto, chamariz natural de votos e adeptos.
O presidente tem por isso menos apoio político parlamentar do que tinha ao tomar posse. A falta de movimentos de articulação política deixou seus projetos ao acaso. A reforma da previdência, debatida por pelo menos dois anos, foi aprovada. Os projetos econômicos seguintes entraram em compasso de espera. As políticas fora da área econômica foram peneiradas pelo Congresso, que jogou fora muito joio e manteve pouco trigo.
Sem que os partidos tenham mudado de qualidade e de métodos, o Congresso serviu como barreira institucional às atrocidades submetidas pelo Planalto. Os parlamentares, por sua vez, ampliaram a rigidez do orçamento aprovando mais possibilidades das emendas impositivas. E pioraram sua execução ao concederem, sem pestanejar, um reajuste amplo de salários em uma reforma generosa de aposentadoria dos militares, sem demonstrar a mesma severidade que reservaram aos civis.
Enquanto implodia o único partido que o apoiava, Bolsonaro restringe cada vez mais sua pregação aos convertidos. As pesquisas mostram que ele colhe o previsível - a pior avaliação desde Collor. Bolsonaro foi contra tudo e todos na campanha de 2018 e seu plano deu certo. Ter êxito uma segunda vez é bem mais difícil. Parte do eleitorado que votou nele contra o PT está se afastando. Ademais, ele agora é governo e será julgado pelo que fez e deixou de fazer.
Sua estapafúrdia agenda de costumes é rejeitada. A educação não avança e a cultura está sendo destruída, como a Amazônia. Todo o aparato de fiscalização do Estado é tratado a pão e água, como exibe o orçamento de 2020. A política externa tem a credibilidade da Terra plana. Os dois setores mais bem avaliados são a economia, com o ministro Paulo Guedes, e a segurança, com Sergio Moro, que goza do recall da Lava-Jato, após vários reveses impostos pelo presidente.
O desgaste ao longo do mandato é inevitável, mas o passado veio para assombrá-lo. As investigações sobre relações com milícias e “rachadinhas” com dinheiro de funcionários de gabinete têm mais poder de manchar a imagem falsa de combatente anti-corrupção de Bolsonaro quanto mais ele proteger seu filho.
Bolsonaro certamente conta com a reedição de seu enfrentamento com o PT, no qual arrebanharia o eleitorado de centro que rejeita os petistas, mantendo sua torcida cativa. Esquece que tem três anos de governo pela frente. Sua popularidade é hoje menor que a de Moro e a de Guedes, os dois sustentáculos de um governo mambembe. E abre uma avenida ao centro para um futuro oponente. Apesar de dirigi-los e contrariá-los, o presidente vai se tornando mais dependente deles. A margem de manobra de Bolsonaro é exígua, apesar de ele se comportar como se fosse infinita. Não há sinal de que vá mudar sua conduta. Pode se tornar mais um daqueles bólidos da política, que chamam a atenção pela novidade e são logo esquecidos.
Zelo de autoridade – Editorial | Folha de S. Paulo
Corporações questionam lei que criminaliza abusos, cujas vantagens prevalecem
Associações de magistrados, procuradores, policiais e auditores contestam no Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade de 20 pontos da nova lei de abuso de autoridade, em fenômeno que pode mais parece uma batalha de corporações por símbolos.
Afinal, as categorias queixosas estão relativamente protegidas do mau uso do novo diploma —que passa a vigorar nesta sexta (3)— pelo simples fato de que as eventuais punições precisarão do aval do Ministério Público e do Judiciário.
Nesse cenário, o inafastável espírito de corpo já tende a funcionar como um filtro poderoso, a fazer com que apenas abusos escabrosos resultem em condenações.
Cada setor tem suas reclamações específicas. Magistrados, por exemplo, questionam com maior ênfase o artigo 9º, que criminaliza decretar prisão “em manifesta desconformidade com as hipóteses legais”. Existe algo de tautológico no texto, uma vez que a norma, basicamente, afirma que prisões ilegais são ilegais.
A novidade, cujo emprego deve se dar com grande parcimônia por parte dos próprios juízes, consiste em uma sanção penal (detenção de um a quatro anos e multa), e não apenas administrativa, como acontecia até aqui.
O único ponto contestado por todas as seis ações diretas de inconstitucionalidade, movidas por sete associações, é o artigo 43, que torna crime violações a prerrogativas de advogados, em outro front da guerra entre corporações.
A lei nº 8.906/94, que define tais prerrogativas, combina proteções necessárias ao exercício profissional com minudências basicamente destinadas a inflar o status da advocacia, como desagravos públicos e o reconhecimento de símbolos privativos da atividade.
A nova lei de abuso (nº 13.869/19) traz, sem dúvida, trechos muito abertos ou passíveis de subjetivismos, mas de fato se fazia necessário atualizar a legislação.
A peça anterior datava de 1965, na ditadura militar, e tinha o objetivo velado de dar amplitude às ações de órgãos repressivos. O novo diploma, em que pesem problemas, é substancialmente melhor.
Na pior hipótese, pode ser que, num primeiro momento, agentes da lei se vejam sob uma enxurrada de processos com base na nova norma às quais terão de responder, perdendo precioso tempo remunerado com recursos públicos.
Essa, contudo, tende a ser uma fase transitória. À medida que a jurisprudência se firmar, e se perceberem os tipos de ação fadados ao fracasso, o volume de contestações deve estabilizar-se.
Ministério Público e Judiciário tendem a proteger-se e a seus colegas de áreas afins, mas a simples existência de uma legislação mais detalhada já deve fazer com que autoridades sejam mais cautelosas em seus procedimentos, que é exatamente o que se deseja.
Melhora o emprego industrial – Editorial | O Estado de S. Paulo
De novo em crescimento, o setor industrial começa a recuperar-se, a absorver mão de obra e, muito especialmente, a gerar empregos com carteira assinada. Com 10,7 milhões de empregados, a indústria de transformação exibiu no terceiro trimestre de 2019 o maior contingente de pessoal desde 2015, quando os contratados eram 11,5 milhões. Faltavam 800 mil para se voltar ao nível do primeiro ano da recessão, mas a melhora já era inegável. Em um ano tinham sido abertos 136,5 mil postos, diferença entre admissões e demissões. Foi um avanço nada desprezível para um segmento tão castigado pela crise, como lembrou ao Estado o pesquisador Bruno Ottoni, da consultoria IDados. Ele se referia ao panorama obtido com o cruzamento de números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), mantido pelo Ministério da Economia.
A melhora ocorreu principalmente em segmentos produtores de bens de consumo, como alimentos e têxteis, mas também as fábricas de máquinas e equipamentos deram alguma contribuição. Algum investimento, principalmente para reposição e substituição de bens de capital desgastados ou muito desatualizados, foi inevitável em muitas empresas.
A retomada do investimento em capacidade produtiva deve garantir a criação de mais 15 mil a 20 mil empregos neste ano, segundo o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, citado na reportagem.
Uma recuperação mais firme do investimento dependerá, no entanto, das expectativas dos empresários. Tem havido sinais de confiança numa continuada reativação da economia, mas há dúvidas, ainda, sobre a aceleração possível nos próximos anos. O Produto Interno Bruto (PIB) deve crescer 2,30% em 2020 e 2,50% em cada um dos dois anos seguintes, pela mediana das projeções obtidas no mercado pela Pesquisa Focus do Banco Central (BC). O crescimento da produção industrial neste ano deve chegar a 2,02%, depois de um recuo de 0,71% em 2019, de acordo com o boletim. Para 2021 e 2022 a taxa anual estimada chega a 2,50%, igual à projetada para o PIB.
A realidade poderá trazer números melhores, mas qualquer aposta mais otimista é certamente arriscada. Empresários têm investido, tudo indica, principalmente para repor e atualizar máquinas e equipamentos. Mas ainda precisarão de algum tempo antes de pensar em investir para ampliar o potencial produtivo, porque a ociosidade ainda é ampla em muitos segmentos industriais.
A crise da indústria, principalmente da indústria de transformação, começou por volta de 2012, bem antes, portanto, do início da recessão registrada oficialmente pelas contas nacionais (em 2015 e 2016). A extensão da queda nem sempre é lembrada quando se comentam as condições da indústria. Em outubro, a produção industrial ainda estava 15,8% abaixo do pico alcançado em maio de 2011, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A comparação se refere aos dados gerais do setor e inclui os segmentos extrativo e de transformação.
A recuperação da indústria foi dificultada, no último ano, por alguns fatores circunstanciais, como a crise na Argentina, importante mercado para os manufaturados brasileiros, e pela desaceleração global. Mas a crise do setor, especialmente da indústria de transformação, tem uma história muito mais longa e mais complexa. Resultou, em grande parte, de erros de política econômica atribuíveis principalmente aos governos petistas. Protecionismo comercial excessivo, incentivos fiscais e financeiros mal planejados e diplomacia econômica terceiro-mundista produziram resultados desastrosos. Faltaram incentivos à busca de competitividade. Além disso, o manejo irresponsável das contas públicas produziu, entre outros efeitos danosos, juros muito altos por um período muito longo. Também isso prejudicou os investimentos.
A recuperação ainda será longa e trabalhosa. Exigirá, provavelmente, uma atenção maior que aquela até agora dedicada ao setor industrial pelo governo. Mas a reativação começou, embora devagar, e isso já é um dado certamente animador.
Cuidados para a recriação correta das UPPs – Editorial | O Globo
Governador Witzel quer relançar o projeto na Rocinha, e ministro Moro já criou programa semelhante
O programa de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), iniciado em 2008 na gestão de Sérgio Cabral/Pezão, deu resultados positivos logo ao ser testado no Morro Dona Marta, em Botafogo, favela de pequenas dimensões, e por isso escolhida para receber o projeto. O policiamento se aproximou dos moradores, para tê-los como aliados e não suspeitos que precisam ser mantidos sob vigilância constante, como praxe.
Antes de instalar as UPPs era preciso afastar os traficantes do local, para que o Estado de fato retomasse o controle das áreas. O caso emblemático que marcou o ápice do programa foi a literal tomada das favelas do Complexo do Alemão, por policiais e tropas das Forças Armadas.
A cena de traficantes fugindo desordenadamente por uma elevação atrás das comunidades, registrada do ar pela Globo, ficou como símbolo do êxito do programa.
Assim como no Dona Marta, a violência caiu, o comércio floresceu, empreendedores locais abriram ou ampliaram seus negócios, e foi possível experimentar na vida real o que pode acontecer nessas regiões com o restabelecimento do estado democrático de direito, no lugar da ditadura do crime.
O governador Wilson Witzel anunciou o relançamento da UPP na Rocinha. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, por sua vez, lançou em agosto um projeto-piloto para as cidades de Ananindeua (PA), Goiânia (GO), Paulista (PE), Cariacica (ES) e São José dos Pinhais (PR). Se aprovado, será estendido pelo país.
Este projeto segue o princípio da articulação da segurança com programas sociais, que constava da ideia inicial das UPPs. Constatado o êxito do modelo de ocupação das comunidades, sem enfrentamentos armados, o governo fluminense procurou enfatizar a disponibilidade de serviços públicos básicos para os moradores. Além, claro, da segurança.
É indiscutível o princípio da articulação da segurança com programas sociais. A retomada do controle territorial conseguido pelo Estado por meio das UPPs no Rio resultou na redução drástica da violência em toda a Região Metropolitana. Os homicídios desabaram. O tráfico, com suas ramificações, é a grande matriz do crime, organizado e desorganizado.
O erro crasso de Cabral foi ter ampliado demais a rede de UPPs com interesses eleitoreiros — a eleição do vice Pezão para substituí-lo. A contaminação político-eleitoral desses programas precisa ser evitada.
O governador Witzel, se for adiante na Rocinha, terá chance de aplicar por inteiro o conceito correto de segurança com apoio social, sem ficar na metade do caminho como Cabral e Pezão. No caso da Rocinha também não pode recuar, como os antecessores, na promessa de reforma urbana com a realocação de pessoas na região, para a abertura de ruas na favela.
Esses programas são um teste para medir a consciência de homens públicos de que devem trabalhar para a sociedade independentemente de projetos políticos pessoais.
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