Modelos mais sofisticados ainda dão a Trump uma chance em cinco de vencer
Muitos
americanos estão olhando para o próprio país e sentindo vergonha. O que revela
sobre os EUA alguém como Donald Trump não apenas ter vencido uma eleição
presidencial como conservado o apoio de tantos, não obstante
suas falhas evidentes?
Quando
mais uma declaração cruel ou racista do presidente aparece no meu feed, sinto
essa vergonha. Mas como cientista político que estuda a ascensão de populistas
autoritários, sei que a atração exercida por Trump está mais perto de
constituir a regra que a exceção.
Nos últimos anos, populistas conquistaram o cargo mais alto em democracias de várias partes do mundo, de Jair Bolsonaro no Brasil a Narendra Modi na Índia. A atração exercida pelos dois mostrou ser surpreendentemente resiliente.
Modi
conquistou um segundo mandato por maioria
inequívoca. Bolsonaro é
visto nas pesquisas com grande chance de fazer o mesmo.
Em
novembro, porém, os EUA podem se mostrar excepcionais: se as
pesquisas de opinião se comprovarem acertadas, será a primeira
grande democracia na memória recente a afastar um governante populista ao
término de seu primeiro mandato.
Quando
Trump foi eleito, muitos de seus adversários se deixaram levar pela fantasia de
que ele deixaria o cargo muito antes do término de seu mandato. Talvez se
cansasse de suas responsabilidades políticas.
Talvez fosse impichado. Seja qual fosse a forma de sua queda, uma centena de artigos nos garantiu que essa maluquice não poderia se prolongar por quatro anos.
Essa
espécie de pensamento veleidoso é típica dos adversários dos populistas
autoritários. Mas longe de terem probabilidade especial de perder o poder
repentinamente ou antes do previsto, os presidentes e primeiros-ministros
populistas se conservam no cargo em média pelo dobro do tempo que os não
populistas: seis anos e meio, comparados a três no caso destes últimos.
Como
Jordan Kyle e eu demonstramos, essa discrepância chama a atenção especialmente
quando comparamos governos que se mantêm no poder há mais de dez anos. Um chefe de
governo populista tem cinco vezes mais
probabilidade
de permanecer no cargo após uma década do que um não populista.
E
encontramos poucos exemplos de populistas que perderam o poder após apenas um
mandato. Os eleitores tendem a reconhecer seu erro apenas depois que os líderes
populistas causaram danos graves às instituições democráticas.
Embora
as sondagens coloquem Biden na dianteira, os modelos mais sofisticados ainda
dão a Trump uma chance em cinco de vencer a eleição. Considerando o que está em
jogo, essa chance está longe de ser tranquilizadora.
Para
agravar as coisas, o contexto internacional também mostra que os poucos
populistas que não são reeleitos para um segundo mandato tendem a conservar uma
presença grande e prejudicial em seus países.
Silvio
Berlusconi, por exemplo, tornou-se o premiê da Itália pela primeira vez em
1994. Perdeu a maioria governante em menos de um ano, mas não tardou a se
recuperar, passando a dominar a
política italiana pelas duas décadas seguintes.
Mesmo
assim, a lição principal que tiro do contexto internacional é inspiradora.
Depois de quatro anos durante os quais os EUA mostraram o que têm de pior, é
muito
possível
que em breve os americanos contrariem a tendência global,
afastando um governante populista na primeira oportunidade possível.
E
se Trump de fato se tornar um presidente de um mandato só, uma nova
administração pode ajudar a liderar a luta internacional contra as forças
ascendentes do iliberalismo.
*O
cientista social Yascha Mounk é professor associado na Universidade Johns
Hopkins e autor de "O Povo contra a Democracia".
Tradução de Clara Allain
Nenhum comentário:
Postar um comentário