Valor Econômico
O desleixo com a situação das contas
públicas pode ser fatal para qualquer ambição de reduzir a enorme desigualdade
que marca o Brasil
O segundo turno das eleições presidenciais
brasileiras coincide com um momento de grandes mudanças no cenário global. Tais
mudanças podem se mostrar benignas ou malignas para o Brasil dependendo
basicamente das políticas de governo a serem seguidas pelos eleitos no pleito
de outubro deste ano.
Na esfera geopolítica, o registro maior é o aumento da tensão entre as duas principais potências econômicas globais e o expansionismo russo no leste da Europa. A disrupção do fornecimento de gás pela Rússia aos países da Europa ocidental e as ameaças crescentes da cada vez mais autoritária China de Xi Jinping a Taiwan tem gerado temores generalizados quanto à excessiva dependência das economias dos países da OCDE em relação à China no que concerne a insumos estratégicos. Como exemplo da disposição das empresas europeias de reduzirem sua dependência da China, vale mencionar artigo divulgado no site do IFO Institute, uma instituição alemã de pesquisa econômica, indicando que cerca de 46% da indústria manufatureira alemã depende de insumos chave provenientes da China, sendo que metade delas pretende diminuir suas compras daquele país, diversificando suas fontes de fornecimento.
Por sua vez, a questão das mudanças
climáticas tem adquirido relevância cada vez maior no debate internacional,
tendo em vista o aumento dos desastres associados ao clima e a crescente
demanda de investidores e consumidores por investimentos financeiros e bens e
serviços que estejam alinhados com a agenda do clima e, de maneira mais geral,
com o tema da sustentabilidade (ESG). A COP27, a ser realizada no Egito, pode
trazer compromissos adicionais em relação ao combate ao aquecimento global,
ainda que haja uma preocupação no curto prazo com relação à oferta de petróleo
e gás, em razão da invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin. Essa dinâmica
certamente impacta e vai impactar ainda mais as cadeias globais de produção e
os fluxos de investimento, gerando deslocamentos que podem beneficiar ou
prejudicar países e setores econômicos.
Tudo isso ocorre no momento seguinte à pior
pandemia global desde 1918 e que afetou profundamente não apenas a atividade
econômica no curto prazo, como também deixou um legado de problemas, entre os
quais o surto inflacionário que hoje aflige praticamente todas as maiores
economias do mundo, conjuntura que tem exigido dos bancos centrais um aperto
monetário que não se via desde os anos 1980. Esse movimento síncrono dos bancos
centrais deve provocar forte desaceleração da economia mundial em 2023, com
risco inclusive de recessão nos EUA, Reino Unido e países da zona do Euro.
A percepção pelas empresas globais de que é
preciso diversificar as fontes de fornecimento de insumos e matérias primas
representa uma grande oportunidade para o Brasil que, além de contar com um
mercado interno relevante, dispõe de vantagens competitivas em vários setores,
inclusive no que diz respeito à sua fonte diversificada de energia. Porém, para
que essas vantagens se materializem, é necessário que sejam aceleradas as
reformas, notadamente a substituição do atual ICMS por um IVA de abrangência
nacional, nos moldes da PEC 45/2019 que tramita no Congresso Nacional.
Com o mesmo propósito, deve o país
perseguir uma política de abertura comercial e de integração nos blocos
econômicos, reavivando o acordo Mercosul/ União Europeia e buscando novos
acordos comerciais com países da OCDE.
Com relação à questão do clima, a posição
do atual governo é insustentável e altamente prejudicial aos interesses
brasileiros. Como detentor de um dos maiores ativos ambientais do planeta, o
Brasil deveria se beneficiar da crescente sensibilidade global ao tema das
mudanças climáticas e de sustentabilidade. A aprovação na COP26 de regras para
o mercado de carbono, por exemplo, representa uma oportunidade para captação de
recursos que podem ser direcionados para diversos setores de atividade,
incrementando o potencial de crescimento econômico sustentado e, numa
perspectiva mais ambiciosa, permitindo que o País saia da chamada “armadilha da
renda média”.
As mudanças estruturais e conjunturais
acima descritas caracterizam um cenário de oportunidades para o Brasil que, se
bem aproveitadas, podem elevar o potencial de crescimento do PIB. Infelizmente,
contudo, pelo menos até agora, nenhum dos candidatos que remanescem na disputa
à presidência da República se mostra à altura dos desafios e oportunidades que
o momento atual coloca diante do Brasil. De um lado, temos um candidato ainda
apegado a ideias sobre economia que ruíram com o Muro de Berlim. De outro, um
político autoritário e antiliberal, praticante de políticas que ignoram
totalmente as preocupações ambientais.
E, para piorar, ambos parecem compartilhar
uma agenda de cores populistas e pouco preocupada com os impactos futuros do
endividamento excessivo do setor público sobre o equilíbrio macroeconômico. O
desleixo com a situação das contas públicas pode se provar fatal para qualquer
ambição de elevar a taxa de crescimento de longo prazo e reduzir a enorme
desigualdade da renda que marca o Brasil.
*Gustavo Loyola é doutor em
Economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da
Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo
Um comentário:
Com Lula teremos o mal menor.
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