Editoriais / Opiniões
As limitações dos institutos de pesquisa
O Globo
Críticas são essenciais para que eles se
aperfeiçoem. Infelizmente não é o caso dos ataques que têm recebido
A divergência entre as pesquisas eleitorais
divulgadas na véspera da eleição e o resultado das urnas despertou uma
controvérsia tão previsível quanto o movimento dos astros ou as marés. Os
institutos foram acusados de subestimar os eleitores de Jair Bolsonaro e de
superestimar os de Luiz Inácio Lula da Silva. Na eleição para governador, uma
análise levantou diferenças entre as principais pesquisas e a apuração que
superaram a “margem de erro” em 26 estados. A celeuma reacendeu o debate sobre
uma proposta legislativa estabelecendo um “índice de acerto” com base no
resultado das urnas — e até chegou à Polícia Federal.
Críticas são necessárias para os institutos aperfeiçoarem sua metodologia e aprimorarem a informação fornecida ao eleitor. Mas é preciso que sejam embasadas. Infelizmente, não tem sido o caso do bombardeio que eles têm sofrido, muito menos da ideia descabida de avaliá-los aventada no Congresso.
Pesquisas não são prognósticos nem
projeções. São levantamentos científicos a respeito da intenção do eleitor num
momento específico. E eleitores mudam de ideia até a hora de digitar os números
na urna. Na imagem feliz do estatístico Raphael Nishimura em artigo no GLOBO,
“comparar a intenção de voto na pesquisa e o voto nas urnas seria como comparar
bananas com maçãs, ou melhor, uma banana verde com essa mesma banana já madura”.
As explicações mais razoáveis para a
discrepância entre as urnas e as pesquisas da véspera envolvem três fatores.
Primeiro, as próprias pesquisas influenciam a decisão do eleitor, pelo
mecanismo conhecido como “voto estratégico” ou “voto útil”. Foi aparentemente
esse movimento que levou muitos a escolher Bolsonaro de última hora já no
primeiro turno, para tentar evitar uma vitória de Lula que os números davam
como possível. Nas eleições estaduais, grandes contingentes de indecisos também
se definiram na última hora.
Segundo, há, sim, limitações metodológicas.
O voto em Lula concentra-se em segmentos demográficos de menor renda e
escolaridade. Quando a amostra da pesquisa tem maior proporção desses eleitores
que a população, tende a superestimar o apoio a Lula. Além disso, esse
eleitorado é mais propenso a abster-se no dia da votação, num movimento
desfavorável a Lula. E os institutos ainda não lidam de modo satisfatório com a
abstenção num país onde o voto é obrigatório.
Há, por fim, eleitores invisíveis às
pesquisas — seja porque não são alcançados pelo método de sondagem (telefônica
ou presencial), seja porque se recusam a responder. Os institutos dispõem de
técnicas para avaliar a recalcitrância e negam haver voto envergonhado em
Bolsonaro. Mesmo assim, se algum grupo de eleitores ficar invisível à
amostragem, será invisível também à “margem de erro”, calculada supondo uma
amostra fiel da população. Por isso o efeito da não resposta preocupa os
estatísticos no mundo todo — e só tende a crescer com os ataques bolsonaristas
a pesquisas e pesquisadores.
Querer avaliar os institutos com base nas
urnas ou usar palavras como “erro” e “acerto” em relação a pesquisas eleitorais
equivale apenas a revelar a própria ignorância sobre o tema. Isso não
significa, porém, que eles não devam explicações sobre seus métodos. Dada a
atenção dispensada às pesquisas na campanha, é essencial que forneçam hipóteses
plausíveis para o movimento do eleitorado e encarem, com transparência, suas
próprias limitações.
Tranquilidade da votação de domingo precisa
se repetir no próximo dia 30
O Globo
Apesar das longas filas, Brasil deu exemplo
de civilidade e democracia, elogiado pelos observadores da OEA
A missão de observadores internacionais da
Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou o trabalho do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) na eleição do último domingo. Em relatório preliminar
divulgado na segunda-feira, a entidade ressaltou o profissionalismo do TSE. Na
sala de totalização dos resultados, os técnicos da OEA “constataram que o fluxo
e a consolidação de resultados funcionaram de maneira adequada em todo
momento”.
Outro ponto elogiado foi a publicação dos
boletins de urna, prática que torna o pleito ainda mais transparente. Mais de
50 observadores de 17 nacionalidades estiveram presentes em 15 estados e em
Brasília. Visitaram 222 locais de votação. A impressão geral foi que a eleição
transcorreu “com ordem e normalidade”. Dado o grau de polarização e o tempo que
muitos eleitores tiveram de passar juntos esperando a vez para votar, o clima
de paz mostrou alto grau de civilidade. Espera-se que esse clima se repita no
dia 30, quando todos têm de voltar às seções eleitorais.
Foi positivo todos os candidatos terem
reconhecido os resultados das urnas. O discurso mentiroso do presidente Jair
Bolsonaro sobre fraudes deu lugar à seriedade que o tema exige. A decisão de
reconhecer o óbvio também é importante porque esvazia a propaganda que fala em
irregularidades sem nenhum tipo de evidência. No segundo turno, serão usadas as
mesmas urnas.
O ponto negativo foram as longas filas em
várias cidades. Em dez estados e no Distrito Federal, houve registro de espera
de até duas horas. Como nas eleições do dia 30 os eleitores terão de votar
apenas para presidente e para governador onde houver segundo turno, o problema
tende a diminuir.
Independentemente disso, o TSE deveria
avaliar as causas das filas e propor ações para reduzi-las nos próximos
pleitos. Algumas são insolúveis. Se um grande número de eleitores decide
comparecer na mesma hora, não há o que fazer. Mas treinar melhor os mesários e
aprimorar o sistema talvez ajude a resolver outros gargalos.
O presidente do TSE, ministro Alexandre de
Moraes, afirmou que a queda na abstenção e na proporção de votos brancos e
nulos em determinados lugares pode explicar parte dos atrasos. Mencionou também
as máquinas de biometria, nem sempre capazes de captar as digitais de forma
rápida e eficaz.
De todo modo, o TSE cumpriu, como sempre e de forma exemplar, sua mais alta missão: garantir eleições limpas. Antes de repetir o feito no final deste mês, as autoridades eleitorais terão pela frente uma acirrada disputa pela Presidência e por 12 governos estaduais. Os abusos e a divulgação de desinformação e notícias falsas exigirão vigilância, mas é preciso tomar cuidado para não exagerar na dose promovendo censura. O país deve continuar dando exemplo de civilidade ao mundo.
Novo foco
Folha de S. Paulo
Saem urnas, entram pesquisas no alvo;
desejo de Bolsonaro é impedir informações
Em sua cruzada para minar as instituições,
tutelar o eleitor e prejudicar o livre fluxo de informações de qualidade, Jair
Bolsonaro (PL) mudou o foco
dos ataques.
Saíram do alvo, ao menos provisoriamente,
as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral —que mais uma vez, como esperado,
deram prova de eficácia e segurança. Entraram as pesquisas eleitorais.
Na primeira entrevista após confirmado o
segundo turno contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mais votado, o presidente
despejou inverdades e fez ameaças.
"Acho que se desmoralizou [sic] de vez
os institutos de pesquisa. O Datafolha estava dando 51 a 30 e pouco, a
diferença foi quatro. Isso tudo ajuda a levar voto para o outro lado e isso vai
deixar de existir. Até porque acho que não vão continuar fazendo
pesquisa."
Dado o apito do chefe, auxiliares começaram
a reverberar as acusações e escalar as intimidações. Líder do governo na
Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) disse que é preciso criminalizar pesquisas que
não baterem com o resultado das urnas.
Os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e
Fábio Faria (Comunicações) pediram que os eleitores boicotassem os institutos,
não mais respondendo a questionários. O senador Marcos do Val (Podemos-ES)
apresentou um requerimento de CPI.
Por fim, o ministro da Justiça, Anderson
Torres, coroou a ópera-bufa ao enviar à Polícia Federal pedido de abertura de
inquérito para investigar os institutos.
Não há o que investigar. Há, isso sim, o
que esclarecer.
Pesquisas não são projeção ou antecipação
de resultados eleitorais. Portanto, não "erram" ou
"acertam". São pesquisas. Se bem feitas, ouvem uma amostra
representativa da sociedade e, com base nas respostas, retratam um momento, que
necessariamente será diferente do que ocorrerá nas urnas —a fotografia é
anterior.
De posse desses levantamentos, o eleitor
pode tomar sua decisão de maneira mais bem informada do que se estivesse
proibido de saber das tendências mais recentes.
No caso do levantamento mencionado por
Bolsonaro, o Datafolha (parte do Grupo Folha, que publica este jornal, que por
sua vez é cliente do instituto) aferiu que, na véspera do
primeiro turno, Lula contava intenções de votos válidos entre 48% e
52%, considerada a margem de erro de dois pontos percentuais. O candidato
petista obteve 48,43% nas urnas.
Bolsonaro aparecia com 36%, seguido de
Simone Tebet (MDB), com 6%, e Ciro Gomes (PDT), com 5%, e os indecisos somavam
2%. Os resultados finais foram, respectivamente, 43,2%, 4,16% e 3,04%.
Uma hipótese é que parte dos eleitores da
emedebista e do pedetista despejou voto
útil no presidente, que pode ter se beneficiado também dos antes
indecisos.
Muitos fatores podem explicar a migração dos votos de última hora, entre eles o desejo de impedir que Lula vencesse já. Mas não é de explicações que os serviçais do presidente estão atrás. É de censura.
Agora, Cuba
Folha de S. Paulo
América Latina avança, a passos lentos, nos
direitos de casais homoafetivos
Uma legislação que legaliza o casamento
entre pessoas do mesmo sexo foi aprovada, em referendo, por 66% dos
cubanos. Trata-se da terceira consulta popular do gênero em mais de
60 anos da ditadura que, nos anos 1960 e 1970, enviou homossexuais ao
ostracismo e a campos de trabalho agrícola.
Devido a pressões internas e a
transformações políticas do país, o governo de Cuba mudou de postura e fez uma
intensa campanha a favor do novo código.
Com a aprovação, a ilha se juntou a um
pequeno número de países da América Latina onde o casamento igualitário é
reconhecido: Argentina, Uruguai, Brasil, Colômbia, Equador, Costa Rica e Chile,
além de estados no México.
Em Cuba, diferentemente do que ocorreu na
maioria dos países da lista, a conquista de direitos LGBTQIA+ se deu por
processo legislativo, não por decisões do Judiciário.
Em 2010, a Argentina foi o primeiro país da
região a reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo —e o fez por meio
de um projeto de lei. Em 2021, o Congresso do Chile seguiu o exemplo.
Além de mostrar o apoio dos representantes
da sociedade à pauta, a aprovação parlamentar de direitos LGBTQIA+ cristaliza a
igualdade de direitos em lei.
Porém o mais comum é que o Judiciário, por
uma corte constitucional, firme o entendimento em favor do grupo submetido a
discriminação histórica. Esse foi o caso da Colômbia, em 2016.
No Brasil, o direito ao casamento igualitário
também só foi alcançado assim. Primeiro, em 2011, com decisão do Supremo
Tribunal Federal que acolheu a união estável homoafetiva; dois anos depois,
houve reconhecimento do casamento propriamente dito por parte do Conselho
Nacional de Justiça.
Trata-se de um avanço, certamente, porém
menos robusto e mais sujeito a retrocessos do que a aprovação legislativa.
Mudar a lei não é suficiente, embora seja passo fundamental. Níveis elevados de discriminação contra LGBTQIA+ persistem na América Latina e, em particular, no Brasil. O reconhecimento de direitos iguais deve se dar em todos os aspectos da vida civil e no cotidiano.
O eleitor deu a Câmara ao Centrão
O Estado de S. Paulo
Os 5 maiores partidos do Centrão elegeram 330 deputados; e siglas de esquerda, 135. É uma Câmara avessa a extremismos e que não está fechada às reformas. Muito pode ser feito
O grande ganhador da eleição para o
Congresso, no domingo passado, foi o Centrão. Ao todo, PL, União Brasil, PP,
MDB e PSD elegeram 330 deputados. Eles têm mais do que os três quintos exigidos
para aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Já os partidos de
esquerda – PT, PCdoB, PV, PDT, PSB, PSOL, Rede, Avante e PROS – conquistaram
135 cadeiras. A desproporção é considerável.
De toda forma, não se pode dizer que o
eleitor esteja mais à direita do que nas eleições passadas. Nestas eleições,
por exemplo, o partido Novo, que defende o liberalismo econômico – e nos
últimos anos apoiou, na imensa maioria das vezes, o governo federal –, elegeu
apenas três deputados. Em 2018, tinha conquistado oito cadeiras. Como se vê, a
bandeira do liberalismo econômico, supostamente apoiada pelo presidente Jair
Bolsonaro, está em baixa no Legislativo.
O Centrão, por sua vez, até pode ser
qualificado como um agrupamento de direita, mas, a bem da verdade, é muito
difícil situar ideologicamente os políticos desse bloco informal, cuja grande
marca é a ausência de conteúdo programático, combinada com uma formidável
disposição de negociação – exatamente o que lhe permite apoiar qualquer
governo, de qualquer coloração. Assim, a conduta desse poderoso bloco depende
em grande medida de quem vencer o segundo turno da eleição presidencial.
Afinal, uma das principais características do sistema presidencialista é a
influência do presidente da República na agenda do Congresso. Sem a definição
de quem ocupará o Palácio do Planalto em 2023, é difícil dizer qual será o
comportamento da próxima legislatura.
Além disso, a atuação do Congresso tem sido
cada vez mais condicionada pelas presidências das respectivas Casas. Nesta
legislatura, por exemplo, a mesma composição da Câmara teve comportamento
inteiramente diferente nas gestões de Rodrigo Maia e de Arthur Lira.
Historicamente, o Palácio do Planalto, seja hábil ou inábil, sempre teve grande
peso na eleição das Mesas Diretoras do Senado e da Câmara.
São, portanto, muitas as indefinições que
rondam o Legislativo federal de 2023. De toda forma, cabe, desde já, fazer
algumas observações. Em primeiro lugar, o panorama geral dos eleitos no domingo
passado mostra que a Câmara continuará sem ter o chamado “alto clero”, composto
por parlamentares com reconhecida capacidade de liderança e articulação
política. São cada vez mais raros os deputados com esse perfil.
Ao mesmo tempo, deve-se reconhecer que, se
o próximo presidente da República assim desejar e assim trabalhar, o Congresso
de 2023 será capaz de promover reformas importantes para o País. Na
configuração das cadeiras definida pelo eleitor no domingo passado, não há nada
a impedir a realização de reformas como a tributária ou a administrativa. Nessa
seara, o empecilho maior parece vir do próprio futuro presidente da República.
Os dois candidatos que passaram ao segundo turno nunca foram reformistas. Na
verdade, Lula e Bolsonaro sempre tiveram apreço por retrocessos.
O Centrão tem muitos defeitos, mas há
também aspectos positivos. Por exemplo, o bloco não é afeito a extremismos. Por
mais que Jair Bolsonaro tenha cooptado seu apoio por meio das emendas do
orçamento secreto, os partidos do Centrão não embarcaram nos devaneios
bolsonaristas ligados à chamada pauta de costumes ou ao golpismo contra o
sistema eleitoral. Da mesma forma, parece difícil que a esquerda, caso chegue
ao Palácio do Planalto, consiga que este Congresso eleito aprove um novo
imposto sindical, a tal da regulação da mídia ou algum outro atraso petista.
Talvez o ponto mais positivo da nova Câmara
seja a redução da fragmentação partidária. Em 2018, foram eleitos deputados de
30 partidos diferentes. Agora, de 19 legendas. Além disso, nestas eleições,
apenas 13 partidos conseguiram superar a chamada cláusula de barreira. Todos os
outros, que não obtiveram a representatividade mínima exigida pela
Constituição, perderão acesso aos Fundos Partidário e Eleitoral e à propaganda
gratuita de rádio e televisão.
O caminho para a governabilidade está
aberto. Faz falta agora um presidente da República disposto a governar.
Não é só Lula que deve ser cobrado
O Estado de S. Paulo
Empresários precisam demandar de Bolsonaro os mesmos compromissos que cobram de Lula. Presidente foi muitas vezes tão retrógrado, irresponsável e demagógico quanto os petistas
O País não merece e não quer que a campanha
do segundo turno da eleição presidencial reproduza o espetáculo lamentável de
acusações que marcaram o primeiro turno, praticamente sem discussão aprofundada
dos grandes problemas que afligem a população e exigem ação corajosa,
determinada e eficiente dos governantes. É preciso que os dois postulantes
escolhidos pelos eleitores para disputar este segundo turno apresentem
propostas concretas que componham um plano de governo realista. Só assim a
escolha de 156 milhões de eleitores poderá se basear em expectativas
construídas a partir de programas de ação do poder público nos próximos quatro
anos, não de promessas vagas. É natural, pois, que segmentos do empresariado,
como mostrou recente reportagem do Estadão, comecem desde já a condicionar
suas escolhas a propostas efetivas, sobretudo no campo econômico e fiscal.
A experiência político-administrativa dos
dois postulantes é conhecida do País. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
e o atual, Jair Bolsonaro, já mostraram como utilizam os instrumentos de poder.
Mas isso é passado. Agora, precisam dizer o que pretendem fazer a partir de
2023.
É por causa dessa experiência que,
especialmente no caso do candidato do PT, as cobranças iniciais têm como foco o
que, desta vez, Lula se propõe a fazer nos campos econômico e social. Durante a
campanha do primeiro turno, sempre que cobrado sobre seu programa de governo,
Lula evitou falar com clareza, afirmando genericamente que apoiaria o
crescimento e faria o governo trabalhar em favor dos mais desprotegidos.
Combater desigualdades com responsabilidade, como Lula tem dito, é uma boa
frase de palanque, mas não diz nada sobre planos reais.
Se repetir em seu eventual novo governo
experiências como o uso intensivo de bancos públicos para financiar segmentos e
empresas de sua preferência, poderá repetir também o desastre que foi a ação do
BNDES. A destruição do arcabouço fiscal durante o governo petista de Dilma
Rousseff, de sua parte, não apenas levou ao seu afastamento da Presidência,
como plantou a desconfiança da sociedade quanto à capacidade das administrações
petistas de respeitar o dinheiro público. A desconfiança persiste.
É natural, por isso, que parte do
empresariado – bem como, provavelmente, parcelas crescentes do eleitorado daqui
até 30 de outubro – cobre desde já respostas claras do candidato do PT a
respeito de sua agenda no campo fiscal, já que Lula já disse que revogará o
teto de gastos sem apresentar alternativa e sem se comprometer com uma política
de controle da expansão das despesas públicas.
Mas essa cobrança não pode se limitar a
Lula. Os empresários também precisam questionar o presidente Jair Bolsonaro a
respeito de seus planos, já que em seu primeiro mandato, por variadas razões,
ele não entregou quase nada do que prometeu, especialmente reformas,
modernização do Estado e privatizações.
Muito ao contrário, Bolsonaro fez
rigorosamente tudo o que os empresários de pendor bolsonarista acusam Lula da
Silva de planejar fazer caso volte ao poder. O atual presidente nunca
demonstrou interesse pelas reformas – e sabotou o quanto pôde a única aprovada
no seu mandato, a da Previdência –, destruiu o teto de gastos, deu calote no
pagamento dos precatórios, comprou apoio político com o orçamento secreto e
envergonhou o País no exterior, com sua política ambiental suicida e sua
predileção por populistas autoritários.
Bolsonaro, ademais, limitou sua “política
social” (aspas necessárias) à distribuição desbragada de dinheiro para pobres,
sem qualquer contrapartida ou critério, numa evidente compra de votos –
exatamente aquilo que ele e seus apoiadores sempre acusaram o PT de fazer com o
Bolsa Família.
Compreende-se perfeitamente que os
empresários estejam preocupados com a volta de Lula da Silva ao poder,
sobretudo à luz do desastre econômico causado pelos governos lulopetistas. Mas
esses empresários precisam demandar de Bolsonaro o mesmo compromisso com a
racionalidade econômica e administrativa que cobram de Lula. Afinal, de nada
adianta impedir a volta de Lula ao poder se Bolsonaro se sente à vontade para
fazer ainda pior.
A importância das pesquisas eleitorais
O Estado de S. Paulo
Pesquisas não são profecia, só referências sobre o quadro eleitoral; elas devem ser aprimoradas, mas não demonizadas
As pesquisas de intenção de voto são
instrumentos importantes para orientar o eleitor em suas escolhas. Ao fazer
estimativas sobre o tamanho do apoio popular aos candidatos, a partir de
entrevistas, esses levantamentos oferecem informações adicionais para que os
cidadãos possam tomar sua decisão de voto – e a democracia funciona melhor
quanto mais informações de qualidade o eleitor recebe.
Compreende-se que eventuais discrepâncias
entre as pesquisas e os resultados, como as verificadas na eleição de domingo
passado, sejam entendidas como “erros” por quem, inadvertidamente, as considera
como prognósticos. É preciso salientar, contudo, que pesquisas não profetizam
quem vencerá a eleição – se assim fosse, bastaria fazer pesquisas para escolher
governantes e parlamentares, sem necessidade de realizar eleições. As pesquisas
são apenas o retrato de um determinado momento das campanhas – que, por
diversas razões, costumam ser decididas em suas horas finais, movimento
raramente captado pelas sondagens.
Pode-se dizer, aliás, que é justamente por
causa das informações trazidas pelas pesquisas que muitos eleitores mudam de
ideia sobre seus votos, transformando-os em instrumentos estratégicos contra
candidatos que repudiam. Não é uma especulação descabida, por exemplo, imaginar
que eleitores que haviam votado no presidente Jair Bolsonaro em 2018, mas que
estavam descontentes com seu governo, resolveram votar de novo no presidente
diante da perspectiva sombria de vitória do petista Lula da Silva no primeiro
turno. Ou seja: as pesquisas cumpriram seu papel, ao ajudar esses eleitores a
tomar sua decisão.
Nada disso significa que as pesquisas não
possam nem devam ser aprimoradas. Está claro que a metodologia de algumas delas
está desatualizada, seja porque houve atraso no Censo Demográfico, base para
boa parte dessas sondagens, seja porque a amostra não reflete realidades
sociais novas no País. Pela importância que as pesquisas adquiriram para as
campanhas eleitorais, é preciso que as empresas que as realizam se esforcem
para corrigir o quanto antes os evidentes problemas, pois não podem dar margem
a que se acredite que suas sondagens sejam enviesadas.
Contudo, uma coisa é cobrar que as
pesquisas sejam melhoradas, e outra, muito diferente, é tratá-las como produto
de manipulação, como se tivessem sido produzidas com o intuito de prejudicar
este ou aquele candidato – em geral, os que aparecem em desvantagem.
Não por acaso, ainda na noite de domingo, Bolsonaro afirmou no cercadinho do Palácio da Alvorada que o resultado oficial das eleições, mostrando expressivo avanço de candidatos apoiados pelo presidente e seu próprio crescimento, “desmoralizou de vez os institutos de pesquisa”. A demonização das pesquisas, assim como as suspeitas sobre as urnas eletrônicas e a desmoralização da imprensa, faz parte da estratégia bolsonarista de semear dúvidas e causar confusão, embaralhando as referências sobre a realidade – e isso só interessa aos espíritos autoritários.
O desafio de recuperar o atendimento à
saúde
Valor Econômico
O orçamento previsto para a área da Saúde
no próximo ano é o mais baixo desde 2014
A área da saúde é uma das que maior atenção
e cuidados exigirá do futuro governo. Não foi apenas o enfrentamento da
pandemia da covid-19 que afetou a estrutura da saúde no país, mas
principalmente as diversas ações do governo de Jair Bolsonaro que, em quatro
anos, trocou quatro vezes os ministros da pasta, desfigurou ou desmantelou
programas que funcionavam para impor ideias raramente eficientes.
Uma das faces mais visíveis do fracasso da
gestão da saúde é o balanço macabro da pandemia no país, que fez quase 700 mil
mortos até agora. O governo federal falhou em fortalecer o Serviço Universal de
Saúde (SUS) e se omitiu ao não coordenar as ações de Estados e municípios para
enfrentar a covid-19. As iniciativas de governos estaduais e prefeituras e do
próprio SUS para combater a pandemia foram questionadas e torpedeadas.
Diferentemente do que alardeou a campanha eleitoral de Bolsonaro, ele demorou a
comprar as vacinas necessárias. Oferta de imunizante da fabricante Pfizer ficou
meses sem resposta enquanto se tramavam compras com sobrepreço nos bastidores
do ministério. As aquisições só começaram a ser feitas após forte pressão da
opinião pública e da política.
Outro exemplo é o retrocesso do outrora
bem-sucedido Programa Nacional de Imunização (PNI). A taxa de vacinação no
Brasil despencou de 95% em 2015 para 44% em setembro, segundo dados do DataSUS.
A ameaça de volta de algumas doenças que haviam sido consideradas erradicadas
no país, entre elas a poliomielite, sarampo, catapora e, agora, também a
meningite meningocócica, preocupa os cientistas, médicos e a população. Apesar
do risco de um recrudescimento da meningite em São Paulo, o SUS informou que só
vai aplicar a vacina em regiões com casos registrados, como se não houvesse
intensa mobilidade na cidade.
Até a temida covid-19 está sendo
subestimada. Depois de muita demora, o governo federal liberou doses para a
vacinação de crianças de 3 e 4 anos, mas só para atender indígenas, quilombolas
ou pessoas com comorbidades. Agora que o Instituto Butantan importou o Ingrediente
Farmacêutico Ativo (IFA) e produziu 3,5 milhões de doses da Coronavac para a
população dessa faixa etária, o Ministério da Saúde comprou apenas 1 milhão. O
Butantan doou as duas milhões de doses restantes cobrir o restante da faixa
etária.
O retrocesso na vacinação é resultado da
ausência das campanhas intensivas feitas no passado para informar a população
sobre a importância e eficiência das vacinas. O próprio presidente Bolsonaro
estimulou o discurso negacionista ao pôr em dúvida a efetividade das doses e
disseminar notícias falsas associando-as à contração de outras doenças.
Menos visível, mas tão ou mais importante,
será reformular a gestão do Ministério da Saúde. O orçamento previsto para a
área da Saúde no próximo ano é o mais baixo desde 2014, segundo nota técnica
conjunta das Consultorias de Orçamento do Senado e da Câmara dos Deputados,
divulgada na semana passada, sobre o projeto de lei orçamentária anual (PLN
32/2022). O texto começou a receber emendas na Comissão Mista de Orçamento no início
deste mês. De acordo com a nota, a aplicação mínima em Ações e Serviços
Públicos de Saúde (ASPS) deve ser de pelo menos R$ 149,9 bilhões em 2023,
apenas R$ 39,4 milhões acima do mínimo. Para atingir o mínimo, o valor leva em
conta R$ 19,6 bilhões referentes a emendas individuais, de bancada estadual com
execução obrigatória e de relator-geral.
A explosão das emendas de relator no jogo
político do Congresso tem efeito nefasto na área da Saúde. O Congresso domina
11% do orçamento da pasta - 85% das verbas vão para o custeio e só 15% para
investimentos, sendo que as emendas de relator podem ser usadas também para
pagar salários (Valor 28/9).
As emendas são mais do que quatro vezes o total de recursos do ministério
destinados pelo Orçamento aos investimentos, que foram de apenas R$ 4,7
bilhões.
Enquanto o dinheiro das emendas cresceu,
programas importantes tiveram recursos diminuídos. O Programa Farmácia Popular,
de distribuição de remédios gratuitos, teve cortes de 59% e as ações de combate
ao câncer, 45%. Preocupa também os secretários estaduais e municipais as
emendas que são em geral destinadas a redutos eleitorais do parlamentar. O
município sem padrinhos fica de fora. Mesmo quem é aquinhoado acaba em um
dilema caso o prefeito saia da órbita de poder do parlamentar. Uma distorção
perversa em todos os sentidos.
Um comentário:
Se houvesse pesquisa de
Boca de Urna seria um modo de comprovação sobre a vericidade das pesquisas, mas como é proibida pela Lei Eleitoral, e uma pesquisa após a eleição? Há pessoas, por vários motivos, evitam dizer em quem vai votar acreditam que o voto é secreto. Muitos não revelam para não criar atritos na própria família, nesta eleição principalmente. E há aqueles que na hora H mudam de opinião. Até em Usa as pesquisas falham. Vide eleição entre Clinton e Trump.
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