quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Condenados por Carandiru não têm direito a indulto

O Globo

Supremo precisa suspender decreto natalino de Bolsonaro que beneficiou responsáveis pelo massacre em 1992

As linhas tortas do indulto de Natal concedido na semana passada pelo presidente Jair Bolsonaro tinham direção certa: policiais militares condenados pelo Massacre do Carandiru, matança que chocou o país e o mundo. Em 2 de outubro de 1992, 111 presos amotinados foram executados durante invasão da Casa de Detenção de São Paulo por forças policiais.

Oficialmente, o decreto concede perdão a agentes de segurança pública condenados por crime culposo (sem intenção de matar), desde que tenham cumprido pelo menos um sexto da pena; a militares condenados em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e — de modo inusitado— a policiais condenados, ainda que provisoriamente, por crime praticado há mais de 30 anos que não fosse considerado hediondo à época.

A lei proíbe o presidente de conceder indulto por crimes hediondos, e 30 anos atrás o homicídio qualificado ainda não era classificado como tal (só passou a ser dois anos depois). Na prática, portanto, foi um indulto sob medida para beneficiar os 69 PMs condenados pelo Massacre do Carandiru. Não demorou para que advogados de defesa dos PMs reivindicassem a extinção da ação que ainda tramita em São Paulo.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, fugiu ao papel de seguidor fiel dos roteiros traçados pelo Planalto e anunciou que questionará o indulto no Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo ele, a Constituição veda o perdão para crimes hediondos, ainda que na época eles não fossem enquadrados assim. Entidades de defesa dos direitos humanos também apontaram falhas gritantes no decreto. O indulto natalino não pode beneficiar um grupo específico (no caso, os PMs condenados pela matança).

Juridicamente, o indulto é diferente da graça, perdão presidencial concedido num caso específico. No ano passado, Bolsonaro concedeu a graça ao então deputado Daniel Silveira (PTB), condenado pelo STF a oito anos e nove meses de prisão por ataques à Corte e a seus ministros. À época, Bolsonaro alegou que a sociedade estava em “comoção” pela condenação de Silveira e que a “liberdade de expressão é pilar essencial da sociedade”. A “comoção” só existia nas hostes bolsonaristas.

Independentemente das discussões jurídicas sobre o indulto de Natal, não tem cabimento o perdão a condenados por um crime hediondo. Não importa se as vítimas eram criminosos que cumpriam pena. Estavam ali sob custódia do Estado, depois de julgados e condenados. Não poderiam ser executados por agentes que deveriam ser os primeiros a cumprir a lei.

Os PMs acusados pelo massacre foram a julgamento, com amplo direito de defesa. Condenados por cinco júris, receberam penas que variam de 48 a 624 anos de prisão. Os que estão vivos permanecem em liberdade. Com o indulto, não se sabe se continuarão respondendo à Justiça. O Supremo, a quem caberá a última palavra, precisa impedir essa afronta à Constituição que avilta a Justiça brasileira.

Tentar apagar a matança do Carandiru com um indulto oportunista e descabido, cujo único propósito é afagar categorias incensadas pelo bolsonarismo, em nada contribuirá para termos uma polícia melhor, prisões menos desumanas, uma Justiça mais eficaz e um país onde se cumpra a lei. Continuaremos sendo a terra da impunidade. Não aprendemos nada em 30 anos?

Governo petista deveria aprender a priorizar a abertura comercial

O Globo

No Chile o esquerdista Boric fecha tratado com UE, enquanto acordo com Mercosul continua paralisado

Enquanto o Brasil continua a ser uma das economias mais fechadas do mundo, com participação no comércio global bem aquém do que produz e consome, o Chile, presidido por um político de esquerda, Gabriel Boric, e às voltas com uma confusão política em torno de sua nova Constituição, acaba de assinar um acordo comercial com a União Europeia (UE). A estimativa é que a remoção de barreiras ao comércio faça o PIB chileno crescer 6%.

Os europeus terão acesso ao lítio e ao cobre chilenos, minerais estratégicos para a produção de baterias, em condições melhores que outros países. Em contrapartida, abrirão seu mercado a exportações de alimentos do país sul-americano. Pelo acordo, o Chile também adota a agenda de comércio sustentável do bloco europeu. É a primeira vez que a UE assina um tratado comercial incluindo o compromisso de eliminar discriminação contra as mulheres — fato que a chanceler chilena, Antonia Urrejola, saudou como uma “política externa feminista”.

O Chile avança com o acordo assinado com a UE, enquanto o Mercosul, liderado pelo Brasil, patina para pôr em prática tratado semelhante. Negociado por mais de 20 anos, o acordo foi fechado em 2019, mas a implementação está paralisada, pois os países europeus se recusam a referendá-lo diante da alta na devastação da Amazônia.

O acordo Chile-UE também serve de exemplo ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, a seu futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e ao PT. Durante os 13 anos em que o PT presidiu o país, não houve nenhuma preocupação em abrir a economia ao exterior. Pelo contrário, o governo cedeu às pressões nacionalistas de sempre e protagonizou a malfadada política dos “campeões nacionais”, com perdas para o país e corrupção.

O resultado disso é conhecido. Em 1948, o Brasil respondia por 2% das exportações mundiais, mais que a soma de China (0,9%) e México (0,9%), segundo dados da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em 2019, o país exportava menos (1,2%), e a China, com as reformas que a integraram à economia global, respondia por 13% das vendas no mundo. As vendas ao exterior do México, beneficiado por fazer parte do acordo de livre-comércio com Estados Unidos e Canadá, representavam 2,4% das exportações mundiais, o dobro do Brasil.

Boric e Urrejola mostram que os tempos são outros e que é perfeitamente possível políticos de esquerda terem uma visão moderna da inserção de um país na economia global. Eleito por uma ampla aliança em defesa da democracia, Lula deveria estar disposto a pôr em prática o que lhe disseram economistas não alinhados ao partido. Sua volta à Presidência e o compromisso com a preservação ambiental devem ser aproveitados para enfim pôr em vigor o acordo entre Mercosul e UE. Não há mais desculpas para os dois blocos deixarem de ampliar o comércio bilateral. Lula tem de incluir a abertura do Brasil ao mundo entre suas mais importantes prioridades.

O apagão de Xi

Folha de S. Paulo

Pressionada pelas ruas e pela economia, China abandona Covid zero sem plano B

Durante quase três anos, o líder chinês Xi Jinping apresentou-se como o comandante em chefe contra um insidioso vírus descoberto no fim de 2019 em seu país.

Munido do arsenal que apenas uma tecnoditadura com amplo controle sobre a liberdade de seus cidadãos pode oferecer, assombrou o mundo com sua resposta inicial à pandemia da Covid-19.

Lockdowns draconianos, restrição de entrada e saída, testes, ferramentas tecnológicas de acompanhamento e o desenvolvimento rápido de uma campanha de vacinação fizeram do berço da crise um relativo oásis.

Como seria previsível, Xi usou o desempenho politicamente, bradando a cada discurso a superioridade do tal socialismo com características chinesas sobre os ocidentais que empilhavam seus mortos.

Exportou a propaganda com as vacinas, o que de resto era seu direito: mesmo baseados em tecnologias ora menos eficazes para as novas variantes do Sars-CoV-2, os imunizantes salvaram milhões.

O triunfo teve um preço. A economia, que havia desacelerado a 2,2% de crescimento em 2020 e tido uma forte retomada de 8,1% em 2021, voltou a engasgar —com 3,2% de expansão projetada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

O Ocidente, por sua vez, buscou algum grau de autonomia quando observou complexos fabris chineses serem fechados por causa de uma mera ocorrência de Covid-19.

Mais importante, multidões protestaram de forma inédita no fim de novembro contra as regras rígidas, atacando o governo do país asiático. Como o mundo de 2022 não toleraria um novo massacre da praça da Paz Celestial, Xi cedeu.

Só que, em vez de lançar mão de um plano B, de transição, ele começou a abandonar todos os preceitos de sua política de Covid zero desde o início do mês.

Pessoas com sintomas respiratórios passaram a ser obrigadas a comparecer ao trabalho, não há mais quarentena para entrar na China e o arcabouço de vigilância está sendo desmontado.

O resultado é uma onda nunca vista de contaminações pelo país, que os apologistas do regime dizem ser aceitável porque a Covid-19 se mostra menos fatal hoje.

É aposta, que incorre no risco de fomentar novas e imprevisíveis variantes, mas o fato de que o governo suspendeu a contagem de casos e a testagem em massa sugere um apagão sanitário já denunciado pela Organização Mundial da Saúde. As mortes poderão ser contadas em milhões, dizem especialistas.

Apenas na segunda (26), Xi enfim falou sobre o tema. Proferiu platitudes, sem citar a opacidade oficial ou prestar contas acerca da reviravolta —uma lembrança de como ditaduras funcionam.

Nota baixa

Folha de S. Paulo

Em 28 anos de PSDB, gestão do ensino paulista não fez jus aos recursos do estado

Ancorar o debate nacional sobre educação em estatísticas pedagógicas e gerenciais constitui um dos legados de governos do PSDB, iniciado com Fernando Henrique Cardoso. Em São Paulo, os dados mostram que os tucanos não foram capazes de fazer o ensino oficial alçar o voo desejado.

O partido esteve no comando do estado mais rico da Federação por 28 anos. No período, os números delineiam um desempenho insatisfatório. Nessas quase três décadas, os paulistas não lograram alcançar as metas fixadas para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), por exemplo.

Basta mencionar o ensino médio, responsabilidade estadual: o objetivo era nota 5,1 no Ideb, mas ficou em 4,4. Meros 7% dos estudantes completam esse nível com conhecimento adequado de matemática, segundo a avaliação pelo Saeb.

Houve, decerto, avanços dignos de nota, como o maior percentual de jovens de 19 anos com ensino médio concluído (86,5%). A média nacional fica em 69,4%. A recente ampliação do ensino integral constitui política promissora.

Note-se que a clientela encolheu à metade, por força da municipalização do ensino fundamental e da redução paulatina de contingentes jovens —um bônus demográfico para a gestão. Eram 6,5 milhões de alunos na rede estadual em 1995, no governo Mário Covas; hoje, são 3,3 milhões.

Verdade que as gestões peessedebistas sempre enfrentaram resistência corporativista. Entidades sindicais, Apeoesp à frente, combatiam com afinco inovações como conteúdos mínimos e monitoramento de desempenho.

Exigir bons salários e condições de trabalho é a função de sindicalistas, mas que não pode se sobrepor à obrigação de educar. Nem sempre foi essa a prioridade, como nas prolongadas greves e na renitente defesa das faltas abonadas.

Nada disso apaga, entretanto, a lentidão da melhora da educação paulista no período tucano. São Paulo chegou a ser ultrapassado, em algumas estatísticas, por congêneres menores e de arrecadação tributária inferior, como Ceará, Espírito Santo e Goiás.

Para o novo governo, eleito com a bandeira da eficiência gerencial, recomenda-se não reinventar a roda: sua missão é implantar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a complexa reforma do ensino médio, bem como aproveitar as experiências exitosas de outras redes de ensino.

O Supremo fez a coisa certa

O Estado de S. Paulo

Ao alterar procedimentos sobre pedido de vista e liminares, STF faz importante e necessário resgate de sua colegialidade. Corte não pode ficar refém da vontade de um único ministro

STF altera procedimentos de vistas e liminares e resgata sua colegialidade.

Na segunda-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) anunciou duas importantes mudanças em seu Regimento Interno, que corrigem graves distorções no funcionamento da Corte. De acordo com a Emenda Regimental (ER) 58/2022, aprovada por unanimidade pelos ministros do Supremo, o pedido de vista deverá ser devolvido no prazo de 90 dias, contado da data da publicação da ata de julgamento. Após esse período, o processo será automaticamente liberado para a análise dos demais ministros.

A segunda alteração bastante significativa refere-se ao processamento das decisões liminares monocráticas, que deverão, a partir do ano que vem, ser submetidas a referendo do Plenário ou da Turma, a depender da competência do caso. Segundo a ER 58/2022, o referendo deve ser realizado preferencialmente em ambiente virtual. Em caso de a medida de urgência resultar em prisão, a deliberação pelo colegiado deve ser presencial.

A ER 58/2022 revela que os ministros do Supremo entenderam a necessidade de fortalecer a colegialidade da Corte. De forma muito direta, as duas alterações regimentais retiram poder individual dos ministros, que já não poderão travar indefinidamente o julgamento de processos por meio de pedidos de vista intermináveis – o atual Regimento Interno não prevê consequências para o descumprimento do prazo de vista – e não mais estarão aptos a definir sozinhos as medidas de urgência sobre os casos do STF. Toda liminar terá de ser avaliada imediatamente por um colegiado – pelo Plenário ou pela Turma.

Certamente essas mudanças no Regimento Interno poderiam – e deveriam – ter vindo antes. Era uma verdadeira fissura antirrepublicana no funcionamento da Corte que um único ministro do STF pudesse impedir, porque assim lhe aprazia, a conclusão de um julgamento, mesmo nos casos em que já havia maioria formada. Tal distorção era uma evidente fragilidade do Supremo, que ficava refém da vontade de um único ministro. Uma instituição colegiada não pode funcionar dessa forma.

Era também uma completa disfuncionalidade que um único ministro pudesse impor, por meio de uma liminar não referendada pelo colegiado, consequências duradouras sobre todo o País. O caso mais famoso desse poder despótico talvez seja o conjunto de liminares do ministro Luiz Fux concedendo auxílio-moradia de R$ 4,3 mil a todos os juízes e membros do Ministério Público. Concedidas em 2014, essas liminares foram revogadas apenas em novembro de 2018, após um acordo sobre aumento salarial das carreiras jurídicas. Eis uma das muitas consequências daninhas da antiga permissividade regimental: a competência judicial de proferir decisões, quando não submetida a devido controle, facilmente se converte em um ilegítimo poder político.

O caso do auxílio-moradia é escandaloso, mas não é o único. Em janeiro de 2020, o ministro Luiz Fux suspendeu a implementação do juiz das garantias, que foi aprovada no ano anterior pelo Congresso. Até hoje, não há decisão colegiada do STF sobre a liminar. No mês passado, o caso foi a julgamento no plenário virtual da Corte, mas o ministro Gilmar Mendes pediu vista.

Ao reduzir o poder individual de seus ministros e intensificar sua colegialidade, o STF descortina, com a ER 58/2022, um caminho viável e acessível para a preservação e o fortalecimento de sua autoridade. Há muitas críticas injustas e muita desinformação a respeito do Supremo por parte de quem não se conforma com o Estado Democrático de Direito e com a Constituição de 1988. Felizmente o STF, ignorando esses achaques, tem cumprido valentemente seu papel constitucional. No entanto, tudo isso não obnubila o fato de que a própria Corte tem muito a melhorar na efetividade de sua prestação jurisdicional em defesa da Constituição. E esses avanços só são obtidos enfrentando, de forma concreta, as distorções e desequilíbrios, como fez a presidente do STF, ministra Rosa Weber, com a ER 58/2022.

A defesa da autoridade e da colegialidade do Supremo é parte essencial da missão dos ministros da Corte em defesa da Constituição.

Uma trajetória em defesa do abuso policial

O Estado de S. Paulo

O indulto natalino de 2022 confirma que as homenagens da família Bolsonaro a milicianos não foram acidentais. Há uma constante histórica em defesa de policiais fora da lei

Pelo quarto ano consecutivo, o presidente Jair Bolsonaro aproveitou o indulto natalino, instrumento de ação humanitária, para estimular o abuso policial. O Decreto 11.302/2022 indulta policiais e militares condenados por crimes culposos no exercício da sua função ou em decorrência dela. Além disso, prevê indulto a agentes de segurança “condenados por ato cometido, mesmo que fora do serviço, em razão de risco decorrente da sua condição funcional ou em razão do seu dever de agir”.

O presidente da República tem poder de conceder indulto e comutar penas. Prevista na Constituição, essa competência tem profundas raízes históricas, de natureza humanitária. Sem fixar muitos limites para essa atribuição presidencial, o texto constitucional define apenas que não podem ser anistiados “a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos”.

No entanto, Jair Bolsonaro valeu-se, nos quatro anos de governo, dessa competência constitucional não para promover uma ação humanitária, mas para levantar uma das bandeiras políticas mais caras ao bolsonarismo: a impunidade para policiais que atuam fora da lei. Nesse intento, ele desrespeitou a própria vontade do Legislativo, que rejeitou a proposta do Executivo de ampliar as excludentes de ilicitude para agentes de segurança pública. Derrotado no Congresso, Jair Bolsonaro tenta impor, uma vez mais, a tão almejada impunidade para policiais e militares que cometem excessos no cumprimento de suas funções.

Em sua obsessão de legitimar a atuação criminosa de agentes públicos, Jair Bolsonaro extrapolou neste ano todos os limites. No Decreto 11.302/2022, há um dispositivo orientado especificamente a garantir a impunidade dos envolvidos no Massacre do Carandiru, o caso paradigmático de violência e barbárie policial ocorrido em 1992. “Será concedido indulto natalino também aos agentes públicos que integram os órgãos de segurança pública de que trata o art. 144 da Constituição e que, no exercício da sua função ou em decorrência dela, tenham sido condenados, ainda que provisoriamente, por fato praticado há mais de trinta anos, contados da data de publicação deste Decreto, e não considerado hediondo no momento de sua prática”, diz o art. 6.º do decreto.

Trata-se de evidente desrespeito ao Estado Democrático de Direito, numa subversão dos princípios da separação dos Poderes e da igualdade de todos perante a lei. Repetindo o que havia feito no indulto concedido a Daniel Silveira, Jair Bolsonaro antecipou-se à Justiça para fazer com que policiais não tenham de lidar com as consequências da lei sobre seus atos. Como se não bastasse a demora de 30 anos para punir os responsáveis, o chefe do Executivo federal quis ele mesmo determinar o desfecho de um processo judicial: a impunidade.

Com acuidade, o Decreto 11.302/2022 reflete a natureza antirrepublicana do bolsonarismo. Suas disposições sobre policiais e militares têm baixo efeito prático. São raros os casos que se enquadram nas situações descritas no decreto, uma vez que a Justiça brasileira é bastante conivente com excessos ilegais praticados por policiais. Basta ver o andamento do caso do Carandiru. O indulto tem outra finalidade, de caráter simbólico e extremamente danoso. Jair Bolsonaro deseja ampliar ainda mais a aceitação da sociedade em relação aos excessos praticados pela polícia.

Essa pretendida impunidade para policiais e militares que se excedem no cumprimento de suas funções não contribui com a segurança pública. Gera o exato efeito contrário. A população fica ainda mais desprotegida quando o Executivo federal, em vez de contribuir para que os agentes de segurança pública sejam devidamente treinados e respondam por seus atos, releva e autoriza a atuação violenta de policiais e militares.

Lamentável, o Decreto 11.302/2022 confirma que as várias homenagens da família Bolsonaro a milicianos não foram atos acidentais. Há uma constante histórica em defesa de policiais que atuam à revelia da lei.

Universidade ajuda o ensino básico

O Estado de S. Paulo

Parceria entre universidades e escolas é caminho para salto de qualidade na educação

As universidades devem ser parceiras das redes de ensino no esforço de priorização da educação básica. Não só na formação de professores, tarefa já desempenhada pelas instituições de ensino superior, mas também no desenvolvimento de métodos inovadores que ajudem a elevar a aprendizagem dos alunos no País inteiro. Eis um desafio para os gestores educacionais em todos os níveis de governo e nas reitorias das universidades: aproximar o mundo acadêmico da realidade − e das dificuldades − das salas de aula do ensino básico.

Boas iniciativas nesse sentido já existem e devem ser ampliadas. É preciso garantir que as soluções e inovações desenvolvidas nas universidades brasileiras cheguem às escolas de ensino fundamental e médio, assim como às creches e pré-escolas. Nos 26 Estados e no Distrito Federal, faculdades de diversas áreas do conhecimento promovem pesquisas que podem contribuir, e muito, para a melhoria dos índices de aprendizagem. O melhor de tudo é que se trata de um jogo de ganha-ganha capaz de produzir resultados positivos para todos os envolvidos.

Exemplo disso é uma rede de pós-graduação criada para melhorar o ensino de química nas escolas do País. São 22 instituições, entre elas a Universidade de São Paulo (USP), articuladas em torno do Mestrado Profissional em Química em Rede Nacional (PROFQUI). A rede atua para aprimorar a formação de professores, com foco em atividades práticas e na produção de materiais didáticos. O que se busca é desmistificar a disciplina, aproximando-a do cotidiano dos alunos do ensino médio. Sem dúvida, um desafio para professores não só de química, mas de todas as disciplinas. Como informou o Jornal da USP, um dos métodos desenvolvidos no câmpus em Ribeirão Preto (SP) consiste na leitura de rótulos de alimentos comercializados no País. O que antes era um conhecimento desconectado da realidade de grande parte dos estudantes ganhou novo sentido como ferramenta para analisar a composição dos produtos. Permitindo até mesmo introduzir temas transversais que podem e devem fazer parte das aulas, caso da alimentação saudável.

Vale registrar outro projeto, também tocado por pesquisadores da USP, que resultou em uma página na internet com exemplos de como professores de química podem abordar a disciplina. Um deles, intitulado “Desinfetando falsas notícias”, trata de fake news, valendo-se de lições da disciplina para desmascarar mentiras nas redes sociais. Como já registramos aqui neste espaço, a educação tem enorme contribuição a dar no enfrentamento das notícias falsas − infelizmente, um desafio no mundo inteiro.

Eis o que a colaboração entre universidades e escolas é capaz de fazer: capacitar professores, desenvolver métodos de ensino mais eficazes e disseminar materiais didáticos abrangentes e atualizados. Em resumo, tudo o que as redes de educação básica necessitam para promover um salto de qualidade na educação da atual e das novas gerações. O Brasil tem que priorizar a educação básica, e as universidades devem ser parceiras de primeira hora.

Onda de reajustes salariais começa pela elite do Estado

Valor Econômico

A forma correta de corrigir o cipoal de distorções no setor público é uma profunda reforma administrativa

Governos e Legislativos voltaram a agir como se as restrições financeiras tivessem acabado. Represados nos últimos dois anos, os reajustes salariais voltaram em grande escala. A reposição plena da inflação passada parece ter se tornado mais um direito de quem trabalha para o Estado, ao lado da estabilidade no emprego (ainda vigente para 10 milhões de 11,5 milhões de funcionários em todo o país). No mesmo país, os salários dos 40% trabalhadores mais pobres da iniciativa privada só agora se igualaram aos já baixos que vigiam antes da pandemia e até há pouco as correções salariais por índice abaixo da inflação predominavam.

No Executivo federal a fila foi puxada pela aprovação de reajuste de 28%, divididos em três anos, para os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal, cujos vencimentos são também o teto salarial da União. Com isso, ao fim, os vencimentos dos ministros e o teto serão elevados para R$ 46,36 mil reais. Foram aprovadas correções da mesma magnitude para a Procuradoria Geral da República para a Defensoria Pública. A lista de beneficiários, no entanto, é bem maior, e inclui os estipêndios de juízes federais e membros de outros tribunais superiores, vinculados a uma fração do que é percebida pelos ministros do Supremo.

Outra fila foi puxada pelo Legislativo federal, que aprovou reajuste para deputados, senadores, ministros de Estados e presidente da República de 37,3%, praticamente em três parcelas, com 16,33% aplicados imediatamente, mais 6% em abril do ano que vem e mais duas parcelas em fevereiro de 2024 e 2025. Aqui também o exemplo da União se dissemina por Estados e municípios - a remuneração de deputados estaduais cuja remuneração guarda relação com os vencimentos dos deputados federais.

Os governadores não poderiam ficar de fora e a Assembleia Legislativa de São Paulo, com apoio do governador bolsonarista eleito, Tarcísio de Freitas, e da bancada petista, reajustou o salário de governador, secretários de Estado e cargos comissionados em 50%, elevando o teto do Estado para R$ 34 mil. O secretário da Fazenda, Felipe Salto, defendeu o reajuste argumentando que a folha de pagamentos paulista corresponde a 37,6% da receita corrente líquida do Estado, bem distante do limite de 49% estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Pelo menos 12 Estados aprovaram correções salariais para o funcionalismo e todos os demais encaminharam propostas com a mesma finalidade às Assembleias. Ao mesmo tempo, muitos deles passaram a elevar o ICMS de vários produtos, aumentando a mediana da alíquota que serviu de limite para bens essenciais, como telecomunicações, energia e gasolina. O motivo é obter compensação pela redução do imposto patrocinada pelo presidente Bolsonaro com apoio do Congresso.

Haverá mais pressão por ajustes, porque ainda não foi definida a correção dos salários dos servidores públicos (exceto, até agora, os do Legislativo, que terão 18,13% em três parcelas). Até sair das mãos do ministério da Economia, o orçamento de 2023 reservara para esse fim verbas que corresponderiam a um ajuste de 8% para eles. Como a PEC da transição liberou muito mais dinheiro do que o que será gastos com o pagamento do Auxílio Brasil e com o adicional de R$ 150 para famílias com crianças menores de 6 anos, é possível que parte dos recursos extras sejam igualmente consumidos pela folha de pagamento do funcionalismo.

Com um número de funcionários menor que o da média dos países da OCDE, o Brasil gasta com salários mais do que a mesma média, o que reflete privilégios em penca da elite do funcionalismo. A reposição integral da inflação é um direito não escrito que os separa ainda mais dos trabalhadores da iniciativa privada. Nos últimos 12 meses findos em novembro, segundo o Salariômetro da Fipe, 41,9% dos acordos e dissídios estipularam reajustes abaixo da inflação (INPC). Só 31,4% a repuseram integralmente.

A forma correta de corrigir o cipoal de distorções no setor público é uma profunda reforma administrativa. Ela foi praticamente sepultada por Bolsonaro, cujo desinteresse sobre esse assunto, e muitos outros, foi notório, e o governo petista que será empossado no primeiro dia de 2023 não demonstra interesse nela - se algo se falou sobre isso no diagnóstico feito pelos grupos de transição, foi inaudível. No geral, o PT, defende a manutenção dos benefícios que as elites dos servidores têm e os demais trabalhadores, não.

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