segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Mais respeito à Constituição

O Estado de S. Paulo

País tem de sair da arapuca montada por Bolsonaro. Relação entre civis e militares não é mais nem menos delicada do que a relação entre civis com quaisquer outras instituições de Estado

É espantoso o rumo que tomou o debate público sobre a relação entre as autoridades civis e militares no País. É como se o que está escrito na Constituição – que determina em português cristalino quais são os papéis de uns e de outros na República – tivesse virado letra morta. Eis mais um legado nocivo do presidente Jair Bolsonaro. Nos últimos quatro anos, o atual mandatário instrumentalizou politicamente as Forças Armadas em seu benefício pessoal, inclusive dando voz a uma interpretação extravagante do artigo 142 da Lei Maior, e tentou por diversas vezes minar o poder dos governadores sobre as Polícias Militares.

Toda essa celeuma criada em torno da nomeação do futuro ministro da Defesa é o exemplo mais recente desse debate totalmente desarrazoado que se instalou no País.

Desde a criação do Ministério da Defesa, em 1999, a escolha do titular da pasta nunca despertou tanta atenção da sociedade nem tampouco gerou tanta apreensão como agora. É como se, a depender do nome escolhido pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, os militares fossem se insurgir ou permanecer leais ao seu futuro comandante em chefe.

Ora, no Estado Democrático de Direito, o poder militar (armado) submete-se ao poder civil (político). As Forças Armadas, portanto, não são atores institucionais com ingerência sobre atos próprios da vida civil nem muito menos sobre as prerrogativas constitucionais do presidente da República. Diálogo ou até mesmo negociação jamais devem ser confundidos com chantagens ou ameaças, veladas ou explícitas.

O Estadão apurou que, no dia 28 passado, Lula convidou José Múcio Monteiro, ex-ministro de Relações Institucionais (2007-2009) e ex-presidente do Tribunal de Contas da União (2019-2020), para assumir o comando da Defesa. Tido e havido como um hábil negociador, Múcio foi incumbido pelo presidente eleito de criar “um ambiente de diálogo” entre o futuro governo e a caserna.

Consta que a escolha de Lula teria desagradado aos dirigentes de partidos políticos aliados e aos parlamentares petistas, que pugnavam por outro nome à frente do Ministério da Defesa. Nos bastidores, os críticos de José Múcio Monteiro dizem que ele seria “o candidato do Forte Apache”, em referência ao quartel-general do Exército, como se isso fosse uma mácula por si só. De fato, Múcio é figura benquista no meio militar; e o momento tormentoso que o País atravessa impõe diálogo e temperança às autoridades constituídas.

Mas a questão fundamental é a seguinte: a rigor, o apreço ou a antipatia de lideranças civis ou militares em relação a José Múcio Monteiro – ou a qualquer outro ministro escolhido por Lula – são sentimentos absolutamente irrelevantes à luz da Constituição.

Cabe única e exclusivamente ao presidente da República, convém lembrar, “nomear e exonerar os ministros de Estado” e “exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos” (artigo 84, incisos I e XIII, da Constituição, respectivamente).

Portanto, Lula da Silva pode estabelecer os critérios que julgar mais convenientes não apenas para nomear seus ministros, como também os comandantes das Forças Armadas. Esse poder deriva da legitimidade conferida aos mandatários pelas urnas. E todos devem respeitar a decisão do presidente eleito, seja qual for. É o que determina a Constituição.

Do mesmo modo, não tem qualquer cabimento discutir projetos que ampliem ou reduzam o poder de governadores de Estado sobre as Polícias Civil e Militar. A Constituição também é de uma clareza solar nessa matéria.

O País tem de se desvencilhar da arapuca montada por Bolsonaro. A relação entre autoridades políticas constituídas e as Forças Armadas não é mais ou menos delicada do que a relação com quaisquer outras instituições de Estado. Trata-se de uma relação pautada, antes de tudo, pelos termos da Constituição e pelo interesse público. Qualquer coisa fora disso serve a desejos de poder e veleidades, não ao Brasil.

Uma conta insustentável

O Estado de S. Paulo

Subsídios embutidos na conta de luz chegaram a quase R$ 26 bi neste ano. Governo eleito precisa enfrentar o tema e manter benefícios apenas aos grupos que realmente façam jus a eles

No apagar das luzes da atual legislatura, tramita na Câmara um projeto de lei que prorroga os benefícios de consumidores que instalam painéis solares em suas residências. Para que os donos dessas estruturas se livrem do pagamento de todas as taxas de transmissão e distribuição por 30 anos, o texto repassa esse custo aos consumidores que não possuem painéis em suas casas. Se aprovada, a proposta deve ampliar o volume de subsídios embutidos na conta de luz em R$ 40 bilhões, segundo a Frente Nacional dos Consumidores de Energia.

O projeto é um exemplo claro de políticas que transferem renda dos mais pobres para os mais ricos, mas não é o único. Neste ano, os consumidores já pagaram quase R$ 26 bilhões em subsídios, como mostra uma ferramenta lançada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o “subsidiômetro”. Não fossem esses descontos para tantos grupos de interesse, as tarifas poderiam estar 12,59% mais baixas.

Esse assunto se tornou uma das questões centrais do gabinete de transição do governo eleito, de acordo com Mauricio Tolmasquim, coordenador do grupo de energia da equipe. Ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Tolmasquim defendeu um pacto entre os agentes do setor elétrico para frear o avanço de uma rubrica que está a ponto de tornar a conta de luz impagável. “Cada associação tenta passar a sua medida. É a lei da selva, e quem paga é o consumidor. É um drama que esse país está vivendo”, disse. “Até quanto os consumidores vão aceitar pagar a conta?”, questionou.

Tolmasquim tem razão. Nos últimos anos, não houve uma única proposta a tramitar no Legislativo que tenha passado incólume de tentativas de criar ou ampliar subsídios e outros custos do setor elétrico por meio de “jabutis” – emendas que tratam de assuntos que nada têm a ver com o texto original. A proposta que permitiu a privatização da Eletrobras foi uma das mais recentes, ao obrigar o governo a contratar termoelétricas a gás em locais sem reservas nem gasodutos. No caso dos painéis fotovoltaicos, seus defensores diziam que o pagamento das tarifas que todos são obrigados a pagar seria o mesmo que “taxar o sol”. É um evidente caso de greenwashing, em que empresas recorrem a um discurso pretensamente verde como desculpa para defender a rentabilidade de seus próprios negócios.

Ao longo dos anos, a conta de luz se tornou um meio de financiar um orçamento paralelo. Diferentemente do Orçamento-geral da União, no entanto, não há nem mesmo um esburacado teto de gastos para conter o avanço dos subsídios. Não há mecanismos de fiscalização e controle sobre o uso dos recursos. Não há avaliação dos resultados das políticas que as tarifas custeiam. Criar uma nova despesa na conta de luz não requer nem mesmo encontrar uma fonte para financiá-la. Basta aumentar as tarifas e deixar o desgaste político com a Aneel.

A energia é uma das variáveis mais importantes de uma economia. Uma conta de luz muito alta compromete a renda das famílias e reduz sua capacidade de consumo. Para a indústria, o custo da eletricidade é um dos indicadores a definir se um país oferece condições para receber novos investimentos. Se na teoria todos concordam com essas afirmações, a prática dos parlamentares e das associações tem sido muito diferente. O governo, por sua vez, tem sido convenientemente leniente nos debates sobre esse assunto para não ter de arcar com algo que tem sobrado para o consumidor.

A disparada do custo da energia em toda a Europa em razão da guerra entre Rússia e Ucrânia abre oportunidades de desenvolvimento para o Brasil, que já detém uma matriz majoritariamente limpa. Para aproveitá-las, no entanto, o governo eleito precisará enfrentar o Congresso e as associações, mantendo subsídios apenas para aqueles que realmente façam jus aos benefícios, como as famílias de baixa renda e projetos como o Luz para Todos e o Mais Luz para a Amazônia. O diagnóstico já existe e não vem de hoje, mas exige mais do que discurso. É preciso haver vontade, liderança e articulação política.

Lobby com regras

O Estado de S. Paulo

Projeto aprovado pela Câmara pode ser aprimorado, mas encaminha um instrumento de representação essencial

A Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei regulamentando a atuação de empresas, movimentos sociais e entidades para influenciar decisões de órgãos públicos, popularmente conhecida como “lobby”.

O termo vem do inglês para “saguão”, onde representantes da sociedade civil abordavam políticos para defender seus interesses. Ainda que no Brasil a prática seja mais antiga que a República, a sua compreensão no imaginário popular é eivada de ambiguidades. Confunde-se abuso de poder, corrupção ou tráfico de influência com o exercício da persuasão ou da pressão para que interesses legítimos se façam ouvir pelo Poder Público. No Brasil, já há leis criminalizando o lobby “mau”, por assim dizer, mas falta uma regulação do lobby “bom”.

Trata-se de um passo crucial para a compatibilização da democracia brasileira às melhores práticas internacionais. Há décadas dormitam propostas no Congresso – sugerindo um interesse de parte da classe política em manter essa atividade na surdina. O tema ganhou especial relevância desde que o Brasil oficializou sua intenção de integrar a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo ela, a regulação é necessária para afastar o risco de monopólio de influência de grupos estreitos, assim como influências ilícitas, e para fortalecer a participação popular na elaboração de políticas públicas. Ainda segundo a OCDE, a regulação deve obedecer a três princípios: a transparência – garantindo o conhecimento público da intenção dos lobistas e seus beneficiários –; a integridade – exigindo a conduta ética de lobistas e autoridades e a prevenção de conflito de interesses e uso indevido de informações privilegiadas –; e o acesso – assegurando canais de representação a toda a sociedade.

O texto aprovado consolida contribuições recebidas pelos parlamentares na forma de emendas apensadas ao PL 1.202/07, de autoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP). O projeto – o mais amplo e amadurecido, inspirado na lei norte-americana, a mais antiga normatização do lobby – propõe um cadastramento dos lobistas, que se obrigam a prestar contas de suas atividades, e cria um regime de responsabilização de agentes públicos e pessoas jurídicas titulares do interesse representado.

O projeto será apreciado pelo Senado, que pode e deve debater aprimoramentos. O PSOL, por exemplo, o único partido a votar contrariamente, adverte contra a normalização de práticas questionáveis, como a possibilidade de uma empresa pagar hotéis e viagens a agentes públicos. Algumas entidades questionam uma tipificação excessivamente subjetiva de infrações que daria poder a autoridades contrariadas para castigar seus críticos. A extensão do lobby ao Poder Judiciário é também questionável, dado que nessa esfera a defesa de interesses já tem o trilho bem definido do processo judicial.

Essas e outras questões merecem atenção. Mas, de um modo geral, a aprovação tem a virtude de encaminhar a regulação de um instrumento de representação e defesa de interesses essencial às democracias maduras.

Tarifa zero é solução errada a transporte público

O Globo

Discussão ressuscitada pela prefeitura paulistana é meritória, mas não pode esquecer os fatos básicos da economia

A discussão sobre a implantação da Tarifa Zero nos ônibus, ressuscitada pela encomenda de um estudo a respeito pela prefeitura paulistana, é movida mais por oportunismo do que pelo desejo de melhorar a qualidade do transporte. É meritória a tentativa de incentivar os meios coletivos em detrimento do automóvel particular, mas deixar de cobrar a passagem é a resposta errada ao desafio.

Algumas cidades brasileiras têm adotado a Tarifa Zero. São em geral municípios de menor porte, cujo sistema de transporte nada tem a ver com as redes complexas necessárias para atender a população de metrópoles como São Paulo ou Rio de Janeiro. Mesmo que possam ter sucesso na iniciativa, não são exemplos comparáveis.

A questão central tem fundo econômico. Como nada é de graça, a Tarifa Zero só pode existir graças ao subsídio pago pelos impostos de todos os contribuintes às empresas de ônibus. Por mais que possa parecer socialmente justo oferecer transporte gratuito — a exemplo de saúde e educação —, a medida traria vários problemas que seus defensores insistem em não enxergar.

Para começar, é inevitável o aumento na demanda. Sem correspondente ampliação da oferta, a qualidade cai. Ao mesmo tempo, o subsídio traz às empresas de ônibus um regime de faturamento confortável, dependente do Estado, não do serviço prestado ao cidadão. De onde virá o incentivo para investirem em melhora de qualidade, renovação da frota, instalação de ar- condicionado, câmbio automático, ou mesmo comodidades como Wi-Fi etc.?

Em São Paulo, onde surgiu a ideia, a gratuidade para quem precisa já é realidade. Perto de um quinto dos passageiros não paga, entre eles idosos, deficientes, estudantes pobres. Apenas um terço arca com a tarifa cheia. O resto se distribui numa barafunda de regras para garantir isenção ou descontos a grupos como estudantes ou beneficiários do vale-transporte. Pelos últimos dados divulgados pela prefeitura paulistana, transportar um passageiro custava R$ 3,12 em 2019 (a tarifa era R$ 4,30). Dividindo apenas pelos pagantes, porém, o custo subia para R$ 7,26.

Não é à toa que as empresas de ônibus tenham se tornado dependentes de subsídios que só fazem crescer — eram de R$ 520 milhões em 2011, chegaram a R$ 2,5 bilhões em 2016 e passarão de R$ 4,6 bilhões em 2022. Pela estimativa apresentada na discussão do Orçamento de 2023, o custo do sistema todo será de R$ 7,4 bilhões no ano que vem. Não há dúvida de que existem ineficiências, a começar pela manutenção de cobradores, função que já caiu em desuso no mundo todo. Em vez de resolvê-las, a adoção da Tarifa Zero tenderia a manter o statu quo.

É inegável que, nas últimas décadas, o transporte público paulistano melhorou graças a redesenho de linhas, implantação de faixas e corredores exclusivos, integração a trens e metrôs com bilhete único e modernização da frota. Isso só aconteceu porque o cidadão que paga também se mobiliza para exigir um serviço melhor. A utopia da gratuidade universal esquece tal fato. Apoia-se na noção de que há recursos de sobra para financiar serviços de qualidade. Como a realidade se encarrega sempre de mostrar, subsídios têm a mania incorrigível de ser desviados para atender a interesses particulares. O correto é oferecer gratuidade a quem precisa, como já se faz, não pôr, no bolso de empresários, dinheiro que os torna ainda mais dependentes do Estado.

Coordenação do MEC é essencial para superar desigualdades na educação

O Globo

Distância entre brancos e negros, que já era dramática, se agravou com fechamento de escolas na pandemia

É bem-vindo o consenso criado na equipe de transição para o novo governo a respeito do resgate de políticas públicas na área da educação. Entre elas, está o retorno da secretaria do Ministério da Educação (MEC) que tratava de ações destinadas a aumentar a diversidade e a inclusão na rede pública de ensino, extinta na gestão de Jair Bolsonaro. A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), cuja recriação é defendida pelo grupo sob a coordenação do economista Henrique Paim, ministro da Educação no governo de Dilma Rousseff, terá muito trabalho pela frente.

Escolhido pela militância de extrema direita como campo de batalha na guerra ideológica contra a fantasmagórica ameaça do “marxismo cultural”, o MEC ficou praticamente inerte por quatro anos, enquanto o cargo de ministro da Educação se tornava um posto de alta rotatividade. Deixou de cumprir seu papel essencial de coordenador e de apoio a estados e municípios na pandemia, quando as escolas públicas permaneceram fechadas por muito mais tempo que o razoável.

Em razão da visão preconceituosa da educação, o ministério, nas poucas vezes em que agiu, buscou atender a uma pauta retrógrada, distante das reais necessidades de um país que precisa melhorar a qualidade do ensino básico e reduzir a taxa de evasão no ensino médio. Gastou tempo e dinheiro com o lançamento de uma cartilha sobre o ensino doméstico, que as hostes bolsonaristas insistem em chamar pelo termo em inglês homeschooling. Numa deplorável perseguição ideológica, o governo fazia pressão sobre o corpo técnico do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), braço do MEC que formula o Enem e testes de acompanhamento da qualidade do ensino.

O efeito da omissão atingiu com mais intensidade as populações pobres e os negros. O fechamento das escolas na pandemia ampliou diferenças que já eram abissais — entre 2016 e 2018, 32% dos bebês declarados como pardos ou pretos frequentavam creche, ante 39% no grupo de crianças brancas; em 2019, apenas 58,3% dos jovens pretos e 59,7% dos pardos concluíram o ensino médio aos 19 anos, ante 75% dos brancos.

Os quatro anos sem qualquer preocupação no MEC com o problema deixaram às secretarias estaduais e municipais a responsabilidade de enfrentar as desigualdades. O trabalho para superar tal abismo e corrigir o atraso provocado pela pandemia é gigantesco. A volta do MEC a seu papel de coordenação fará de 2023 um ano de recuperação de pelo menos parte do tempo perdido no bolsonarismo.

Lobby transparente

Folha de S. Paulo

Prática é necessária em democracias liberais e falta de regulação gera desmandos

A Câmara dos Deputados aprovou na terça (29) projeto de lei que regulamenta o lobby no Brasil. A proposta gera desconfiança porque seu objeto é associado à corrupção, mas trata-se de um prática não apenas comum como necessária em regimes democráticos.

Estes se baseiam na interlocução entre a sociedade e o governo, com o intuito legítimo de esclarecer e apresentar demandas.

O lobby é a atividade na qual indivíduos, empresas ou movimentos sociais se organizam para fornecer ao poder público informações referentes a suas reivindicações e, a partir delas, propor alteração ou criação de normas e leis.

Contudo a falta de regulamentação gera incentivos errados: lobistas ficam livres para comprar apoio, e políticos usam seu poder de decisão para receber benesses

A lei aprovada na semana passada tenta conter essas distorções por meio de maior transparência.

Entre as regras, está a obrigatoriedade de que os órgãos federais publiquem informações sobre audiências realizadas com lobistas, com identificação dos participantes, do cliente, descrição do assunto e o propósito do interesse.

Outro ponto é proibir a oferta de presentes. Ficam permitidos apenas objetos de baixo valor, livros e hospedagem em eventos.

Há críticas a alguns aspectos da lei. Como a Folha noticiou, entidades apontam brechas no texto que podem permitir, por exemplo, a oferta de voos a autoridades em aeronaves particulares. Também se questiona a possibilidade de sigilo na troca de emails entre lobistas e agentes públicos.

O exame de casos envolvendo parlamentares por comissão da própria Casa legislativa também é considerado problemático, dado o risco de corporativismo.

O projeto ainda será debatido no Senado, que precisa se debruçar sobre essas controvérsias. Mas é fato incontornável que a ausência de regulamentação do lobby estimula a corrupção, afetando de modo pernicioso a atividade política e, consequentemente, a economia.

Diversos países avançados, como os EUA, regulamentaram a atividade há décadas. Não é à toa que a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) exige que seus membros normatizem as relações entre a sociedade civil e o governo a partir da transparência de informações.

No início deste ano, o Brasil iniciou o processo de inclusão no grupo, que conta com países ricos e com altos índices de desenvolvimento.

Cumpre buscar o aperfeiçoamento do texto no Senado, mas sem que se perca o sentido de urgência na aprovação de uma lei que aproveite a experiência internacional.

Mais investimento

Folha de S. Paulo

Infraestrutura cresce com novas regras; é preciso avançar na União e nos estados

Relatório produzido pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) mostra que o investimento na infraestrutura brasileira cresceu nos últimos anos, mas ainda não atingiu o patamar necessário.

Neste 2022, o volume estimado de aportes privados atingiu R$ 131 bilhões, o maior da série histórica iniciada em 2003, em valores corrigidos pela inflação. Já os desembolsos do setor público permanecem deprimidos, somando apenas R$ 31,9 bilhões, segundo menor montante desde 2006, considerando todos os níveis de governo.

No agregado, os valores ainda ficaram 21% abaixo do recorde da série, observado em 2014. Segundo a associação, o valor investido neste ano equivale a 1,7% do Produto Interno Bruto, ainda distante dos 4,3% tidos como necessários para atender as necessidades de crescimento do país.

As maiores carências estariam nos setores de transportes, logística e saneamento, que juntos demandam 2,7% do PIB, mas receberam apenas 0,55%. Energia e telecomunicações já atraem o bastante.

O cenário não é desanimador. Nos últimos anos, foram grandes os avanços do país nos marcos setoriais, nos modelos de concessões e parcerias público-privadas e na qualidade dos projetos.

Não por acaso, mesmo com resultados ainda insuficientes, houve expansão. O mapeamento de 432 projetos e iniciativas indica potencial de aportes de R$ 544 bilhões. Entre esses, 179 projetos em andamento precisarão de R$ 173 bilhões nos próximos cinco anos.

Os números ficam ainda maiores quando se consideram os 172 leilões federais realizados nos últimos quatro anos, com geração de R$ 179 bilhões em outorgas e plano de investimentos de R$ 922 bilhões.

Há razões para otimismo, em especial, no setor de saneamento, desde que o novo governo não volte atrás na modernização do marco regulatório, que ampliou o espaço para participação privada.

A insuficiência histórica de investimentos estatais, que manteve 100 milhões de pessoas sem acesso a esgoto, pode finalmente ser vencida. Com os leilões já realizados e os projetos que devem maturar nos próximos anos, torna-se pela primeira vez realista falar na universalização dos serviços.

Decerto é necessário ampliar o espaço para investimentos nos Orçamentos públicos, o que demanda reformas na estrutura de gastos. Espera-se que os próximos mandatários persigam esse objeto no governo federal e nos estados.

 Atenção com o presente e o futuro da política ambiental

Valor Econômico

O “revogaço” preparado por auxiliares de Lula deve chegar à área ambiental

Foi prolífica a última semana quanto às notícias da seara ambiental. Deve-se, contudo, lê-las sob a devida perspectiva: o governo que sai deixa um legado preocupante, e o governo que entra ainda terá que provar ser capaz de lidar com os enormes desafios que o Brasil enfrenta.

Primeiro, soube-se que o desmatamento na Amazônia caiu 11,27% no período entre o primeiro dia de agosto de 2021 e 31 de julho de 2022, chegando a 11.568 km2. No período anterior, a área de floresta cortada nos nove Estados da Amazônia Legal foi de 13.038 km2. Ou seja, há uma queda, mas em relação a uma base de comparação inaceitável.

Mas, como publicou o Valor, não há muito o que comemorar. É observado um quadro preocupante na região, segundo os dados disponíveis para o período entre agosto e outubro. Foram ao chão 4.020 km2 de floresta entre esses meses, a maior área registrada para esta etapa de um ano desde 2015. Os dados dos últimos meses do governo Bolsonaro revelam um aumento de 45% em alertas de desmatamento na região, uma forte tendência de alta. De acordo com os dados disponíveis, o governo de Jair Bolsonaro (PL) deve terminar com alta de quase 60% da taxa de desmatamento da Amazônia em relação aos quatro anos anteriores dos governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).

A tendência é de alta, em um momento em que os órgãos de fiscalização foram desmontados e não há orçamento nem funcionários para conter uma anunciada tragédia.

É esta uma das heranças para o mandato que se inicia em 2023. Na última segunda-feira, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), enviou ofício ao Ministério do Meio Ambiente informando que estava sem recursos para pagar despesas básicas. O Ibama, deve-se dizer, é simplesmente o órgão federal de fiscalização das infrações ambientais do país.

Entre as despesas básicas citadas pelo presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, estão contas de água, energia elétrica, vigilância e segurança, transporte de servidores, serviços de telefonia e pagamento a colaboradores terceirizados. Ele mencionou decisão da Junta de Execução Orçamentária (JEO) para justificar sua decisão de bloquear parte considerável do borderô do Ibama. A JEO é composta pelo núcleo duro de qualquer governo, formada hoje pela Casa Civil e o Ministério da Economia. Em outras palavras, não se pode dizer que algo foi feito sem a anuência - ou em decorrência - de atos praticados pelas mais altas instâncias do Poder Executivo.

Por fim, o gabinete de transição informou algumas medidas que pretende adotar a partir do início do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo integrantes do comitê setorial, a próxima administração pretende interromper a atividade econômica em fazendas que realizarem desmatamento ilegal. A ideia do governo eleito é usar o Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real (Deter) para avaliar quais fazendas poderão ser alvo de embargo. Estão no radar, também, a retomada de multas por descumprimento da legislação ambiental e a criação de um “pacto ambiental da soja sustentável” no Cerrado.

O “revogaço” preparado por auxiliares de Lula também deve chegar à área ambiental. Estão na mira alguns decretos que dificultam a aplicação de multas ou impedem a fiscalização da exportação de madeira em tora.

Em outra frente, afirmaram integrantes do gabinete de transição instalado no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, o próximo governo pretende fazer o que já se chama de “desintrusão das terras indígenas”. Nas contas de participantes da equipe, há mais de 35 mil garimpeiros em localidades consideradas críticas.

O grupo que acompanha o presidente eleito começa a formar um roteiro com começo, meio e, o mais importante, um fim. Ocorre que tudo isso desaguará nas discussões sobre a incapacidade de o Estado brasileiro suprir todas as necessidades orçamentárias apontadas pelo gabinete de transição. Será preciso definir prioridades e planejar as ações, de forma a maximizar ganhos e evitar desperdícios.

As discussões sobre a proposta da emenda constitucional que abrirá espaços no Orçamento a partir do ano que vem só está começando, mas as diversas áreas do futuro governo já começam a disputar os recursos que serão colocados à disposição da próxima Junta de Execução Orçamentária.

Um comentário:

Anônimo disse...

A grande imprensa, de forma ainda muito envergonhada, reconhece o desastre do governo bolsonaro. Duas provas, uma dentro da outra. Estes editoriais são uma. A outra é a cobrança para q o LULA faça o q o genocida não fez.
Pena q não venham acompanhados de um mea culpa.