Blog do Noblat / Metrópoles
Temos um presidente, mas ainda não temos um
país
A reação à substituição do comandante do
Exército mostra que temos um presidente, mas ainda não temos um país. Imprensa,
políticos, opinião pública e militares se surpreendem, porque consideram as
FFAA como instância com poder político próprio, separada do Brasil e seus
dirigentes, presidente, parlamentares, ministros do supremo, governadores. O próprio
presidente Lula reconhece que precisa de boas relações com o Exército, Marinha
e a Aeronáutica, o Ministro da Defesa insiste que seu papel é pacificar e
retomar estas relações, como se elas não fossem subordinadas às estruturas
republicanas.
Este comportamento de temor do poder civil ao poder militar decorre do corporativismo como o país funciona. A reunião do presidente com os comandantes das FFAA pareceu mais um encontro para atender reivindicações da corporação, do que para cobrar obrigações dos militares com o país. Fizemos as FFAA antes de fazer uma nação. Fizemos um Exército que se vê como instância à parte, não parte do Estado Republicano. Esta não é característica apenas das FFAA.
Na véspera da demissão do comandante do
Exército, o presidente se reuniu com os reitores de universidades que foram
criadas antes de um sistema educacional que atenda ao país, alfabetizando
crianças para o mundo contemporâneo. A universidade não tem armas, no mais se
relaciona com o resto do Brasil de forma parecida às FFAA: uma entidade
separada. Quando reunido com os reitores, Lula ofereceu trazer de volta as
condições que o governo anterior negou, só não as asfixiando totalmente graças
ao esforço heróico dos reitores, professores, alunos e demais servidores, mas
não apresentou a proposta do que o Brasil espera delas para erradicar o
analfabetismo de adultos, melhorar a qualidade da educação de base, colocar o
Brasil entre os países de ponta na ciência e na tecnologia.
Montamos fábricas de automóveis, antes de
uma população com renda suficiente para compor seus produtos. Para
viabilizá-las, asseguramos subsídios e concentramos a renda na sociedade, e
agora não sabemos como distribui-la, nem como fazer a indústria ser livre do
protecionismo. Porque ao longo da história o país tem sido usado para atender
aos interesses das corporações organizadas na sociedade, sem um espírito
nacional comum. Até os incentivos à agricultura estão voltados para exportar e
não para alimentar a população. Somos um celeiro habitado por famintos. Os
políticos agem pensando no próprio partido, no próximo mandato e nos seus
colégios eleitorais, dentro do horizonte de tempo limitado à próxima eleição. A
economia e a sociedade estão organizadas para atender cada segmento no
presente, não ao Brasil no futuro.
Temos um presidente de todo o Brasil, mas
na verdade preside a soma das corporações, militares e civis, empresários e
trabalhadores, partidos e culturas, estados ou municípios. O Lula tem
legitimidade para substituir o comandante do Exército, mas ainda nos falta um
país que permita fazer as reformas das FFAA, das universidades, da política
fiscal, da distribuição estrutural de renda, da educação de base, que continua
prisioneira dos municípios e, por ser desigual e sem qualidade, não está
servindo para consolidar a nação que unifique os segmentos corporativos. Nada
parece indicar a quebra do corporativismo e a chance de termos um país para o
presidente governar, acima das corporações.
Não é uma tarefa fácil e vai exigir
décadas, mas se o atual presidente não fizer com sua legitimidade,
sensibilidade e experiencia, será difícil dar o salto necessário para inventar
e construir o país, unindo suas partes em uma nação. Vamos continuar com um
presidente e sem um país.
*Cristovam Buarque foi ministro, senador e
governador
3 comentários:
Como sempre nosso professor Cristovam nos prestigia com sua cultura e defesa da educação de base, que é a base de uma sociedade, que ainda não temos.
Buarque pessimista pra caramba!
Boa análise do colunista.
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