O Globo
O Brasil precisa de zelo na gestão da
economia, para que a alternância de poder não implique ameaça à estabilidade
macroeconômica
A concorrência na política é um ingrediente
crucial para o fortalecimento democrático de um país. Permite a saudável
alternância de poder, facilita correções de rumos na política econômica e
compõe o conjunto de freios e contrapesos de uma democracia.
Além disso, contribui para disciplina no
tamanho do Estado, ou nos gastos como proporção do PIB, por conta do interesse
da oposição em conter excessos do governo de plantão – é o que concluem Toke
Aidt e Dalibor Eterovic ao analisar a experiência de 18 países da América
Latina.
Em um país como o Brasil, marcado por gastos elevados – bem como carga tributária e dívida pública – e de baixa qualidade, esse ponto ganha maior apelo.
Desde a redemocratização, poucas vezes
viu-se oposição organizada e consistente no Brasil. Foi o caso do PT no governo
FHC. Mas foi uma oposição muito combativa, com inúmeros pedidos de impeachment
e vetos a reformas estruturais.
Não foi assim com Bolsonaro. A CPI da
Pandemia, auge do embate, não teve maiores consequências, talvez pela intenção
do PT de ter o ex-presidente como contendor em 2022. O mesmo ocorreu com as
medidas econômicas eleitoreiras, diante da dificuldade do partido de se opor a
pautas populistas.
Configura-se agora uma oposição mais clara
e antagônica. Não apenas pelo crescimento de partidos ditos de direita ou
centro-direita, mas também pelo surgimento de lideranças regionais. Exemplo
disso são os governadores antipetistas, que adotam a defesa do liberalismo
econômico como estratégia política e almejam se credenciar para as eleições de
2026.
Mesmo que encontrem limites para se opor ao
governo federal, por conta da dependência de recursos, a divergência
programática tende a ganhar relevo.
Lula enfrentará uma oposição política não
vista no seu governo anterior. No passado, parcela importante da oposição
apoiou as reformas estruturais, enquanto, equivocadamente, não se contrapôs aos
erros na política econômica, aprofundados no governo Dilma. O embate ficou para
o processo de impeachment, mas quando a grave crise já estava instalada.
Não se sabe ainda qual será a qualidade da
oposição. Conseguirá conter eventual intervencionismo estatal e excessos da
política econômica? Irá apoiar as reformas necessárias, como a tributária?
Os sinais, por enquanto, são tímidos, sem
maiores questionamentos da política econômica sinalizada, ou até preocupantes,
como no apoio de membros do PL aos atos golpistas.
O risco de decepção é concreto em um país
em que os partidos não têm agenda programática e compromisso com pautas
nacionais, privilegiando interesses paroquiais. Isso em um contexto em que
medidas populistas são pouco contestadas por encontrarem guarida na opinião
pública.
Pior, o risco de ganharem amplitude no
Congresso, com apoio de partidos da oposição, é concreto – capitalizam o ganho
político de curto prazo e deixam a fatura para o governo.
Há, porém, um importante atenuante. O
enfraquecimento de Bolsonaro, após a intentona do dia 8 último, aumenta as
chances de uma oposição de melhor qualidade, condenando bandeiras
antidemocráticas e retrocessos civilizatórios, e deslocando o foco para a
discussão de desenhos de políticas públicas.
Oxalá a oposição buscará, aos poucos, seu
caminho para 2026, de forma propositiva, ocupando espaços no debate público
qualificado e civilizado, limitando o uso eleitoreiro da máquina governamental
e se afastando da pauta “quanto pior melhor”.
O Brasil precisa de perseverança e zelo na
gestão da economia, de forma que a alternância de poder não implique ameaça à
estabilidade macroeconômica. Em larga medida, é o caso de países como Colômbia,
Peru e Chile. Mudam os presidentes, até de forma não pacífica, mas sem
prejudicar a gestão da economia.
Além de enfrentar uma oposição mais forte,
Lula terá de administrar uma base de apoio “desconfiada”, com um pé em cada
canoa. Os aliados não darão apoio incondicional, mesmo tendo membros dos seus
partidos ocupando cargos no governo federal. O grau de adesão dependerá do
próprio sucesso do governo na economia.
Político habilidoso, Lula precisa se
renovar para fazer frente aos novos tempos. Poderá contar com alguns bons quadros,
dentro e fora do PT, como governadores que fizeram boas gestões em seus
estados. Ninguém governa sozinho.
4 comentários:
"Ninguém governa sozinho", mas o PT quer mandar em tudo...
"Além de enfrentar uma oposição mais forte, Lula terá de administrar uma base de apoio “desconfiada”, com um pé em cada canoa."
Rá, inocente e ignorante articulista!
Perceba, sempre foi assim.
Lula SEMPRE teve "desconfiança".
Lembra da carta ao Brasil q ele escreveu no 1o mandato?
Então...
A carta ao povo brasileiro? Quando ele e o PT disseram pra esquecer quase tudo o que tinham defendido e proposto nas eleições anteriores? Lembro, sim!
Muito bom o artigo.
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