Folha de S. Paulo
Estabilidade e crescimento dependem também
de superar o clima de campanha permanente, insano e improdutivo, instilado por
algoritmos
"Não acho que ele [Tarcísio de
Freitas] vai ser um cara dentro da loucura que é o bolsonarismo, mas vai ter
que ceder muito a ela."
Nesta avaliação de um deputado sobre as tendências de comportamento do governador paulista frente ao governo federal, há sinais relevantes sobre os rumos da política no Brasil. O parlamentar referia-se ao difícil equilíbrio entre moderação e inclinação à direita radical por parte dos governadores que tentam ampliar o diálogo com Lula sem romper com o bolsonarismo.
A frase deixa mais nítida a dificuldade de
se equacionar o tabuleiro das posições políticas. É uma encruzilhada: um lado
aponta para um governo eleito contra fortes turbulências golpistas, enquanto o
outro oscila entre moderados e ultraconservadores, que flertam com golpismo e
persistem na defesa do indefensável, desde o genocídio ao garimpo predatório.
Tarcísio busca protagonismo na direita, mas começa a ser queimado por
bolsonaristas, insatisfeitos com seu pé no patamar civilizado mínimo.
Daí o alerta sobre adesão compulsória à
"loucura". Esta é sinônimo corrente de bolsonarismo, pois o fenômeno,
de difícil compreensão, guarda um potencial epidêmico externo à política
propriamente dita. Vale uma licença poética de Khalil M. Gibran: "Eu me tornei louco. E encontrei tanto
liberdade como segurança em minha loucura: a liberdade da solidão e a segurança
de não ser compreendido, pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa
em nós" (em "O Louco").
Não se trata, claro, da entidade clínica da
psicose, mas de loucura oportunista: tanto refúgio como recusa de aceitação de
dificuldades objetivas, que podem soar narcisicamente como excessivas. É
loucura em que não se vê mundo além de espelho e vitrina.
E nem compromisso humano. Daí a indiferença
narcísica dos surfistas em meio à enchente no litoral paulista ou do
"empreendedor" do litro de água a 93 reais. Mas sobretudo no fio de
ligação entre o ex-mandatário sem empatia com vítimas de tragédias e os
moradores do condomínio rico que, insensíveis à contagem dos corpos, agrediam jornalistas, aos gritos de "comunistas".
Não é fio isolado, é parte de uma teia que captura e altera a visão interna dos
propensos.
Essa afecção é multiforme. Quando a maior
preocupação é o menor engajamento de Lula nas redes ou sua oscilação de
popularidade, cabe indagar se não há uma demanda implícita de feed da loucura digital, o capim de engorda do
bolsonarismo. Sim, as redes são o pasto da manada, um problema real para a encruzilhada
decisória. Mas demagogia não é política econômica. Estabilidade e crescimento
dependem de não se ceder à loucura e de superar o clima de campanha permanente,
insano e improdutivo, instilado por algoritmos.
*Sociólogo, professor emérito da UFRJ,
autor, entre outras obras, de "A Sociedade Incivil" e "Pensar
Nagô".
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