terça-feira, 19 de setembro de 2023

Eliane Cantanhêde - Política externa e jogo de cena

O Estado de S. Paulo 
Lula, Biden e Zelenski assumem seus personagens, mas quem acredita em quem? 

 

Jogo de cena é parte da política, da diplomacia e das próprias relações humanas. Também vai ser o forte dos encontros do presidente Lula com Joe Biden, dos Estados Unidos, e Volodmir Zelenski, da Ucrânia, amanhã, em Nova York. Cada um assume um personagem no palco, mas a realidade pode ser outra. 

Lula e Biden lançam a Iniciativa Global para os Direitos Trabalhistas e vão comemorar a aliança de Brasil, EUA e Índia pelas energias renováveis, fingindo que Lula não tem ranço antiamericanista e não está se aproximando da China. No fim, Lula defenderá de novo uma nova “governança global” e os dois dirão que os EUA veem com bons olhos o Brasil num assento permanente do Conselho de Segurança da ONU. É para valer? Ou Biden fala por falar, porque pega bem e porque... não vai dar em nada? China e Rússia aceitam a ampliação com Brasil, Japão, Índia? 

No encontro olho no olho com Zelenski (finalmente...) Lula vai tentar demonstrar que não é tão pró-Rússia assim, Zelenski finge que acredita e ambos saem de lá com boas fotos e declarações simpáticas à Ucrânia para a mídia nacional e internacional. Daqui para frente, tudo será diferente? Ou é só jogo de cena? 

Apesar disso, é um alívio que, depois de Jair Bolsonaro, Lula use a abertura da Assembleia da ONU para trazer de volta um Brasil generoso e das grandes causas: combate à fome, justiça social, paz, democracia e, claro, preservação do planeta e um equilíbrio global mais decente entre países ricos e pobres. 

Para o Itamaraty, o alívio é direto, objetivo. Após a loucura no início e a política de contenção de danos no fim do governo Bolsonaro, Lula, bem ou mal, conhece o jogo, tem abertura com todos os lados e é considerado um “excepcional produto de política externa”. Comparando: ele recebeu uns 60 pedidos de reuniões bilaterais, enquanto a principal imagem de Bolsonaro nessa área é isolado com os garçons, num almoço com os maiores líderes mundiais. Conversar com garçons é bom, mas só com eles? 

Apesar das diferenças cruciais, Lula também dá trabalho para o Itamaraty, principalmente quando improvisa sobre EUA, China, Ucrânia, Putin no Brasil, Tribunal Penal Internacional... E aquela da “democracia relativa” e a Venezuela é democrática? 

Esses erros preocupam porque parecem, mas não são só retóricos. Estão na alma de Lula. Queiram ou não ele e PT, o Brasil é ocidental, compartilha de valores como democracia e direitos humanos – que não são o forte de China e Rússia. E está cada vez mais próximo, e dependente, de países antiocidentais, suas indústrias e produtos. De suas ideias também?  

Lula, Biden e Zelenski assumem seus personagens, mas quem acredita em quem? 

 

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Eis a questão.

Daniel disse...

Este texto pode ensinar algo a quem acredita que Lula e Bolsonaro são a mesma coisa ou quase iguais, têm os mesmos erros, etc.