Folha de S. Paulo
Tanto Hamas quanto Israel trilham a estrada
da lógica bárbara
Punição coletiva é o corolário lógico da
noção de responsabilidade coletiva, que imputa a uma sociedade inteira a culpa
por atos de um Estado ou governo. Os atentados de 7/10 que deflagraram o atual
conflito e a represália militar na Faixa de Gaza inscrevem-se nessa lógica
bárbara.
A operação do Hamas não teve nenhum objetivo
militar. O massacre deliberado de 1.300 civis israelenses, inclusive crianças,
numa orgia macabra de violência, desnuda a alma da organização terrorista. Do
ponto de vista dela, inexiste diferença entre civis e militares, pois todos seriam
"soldados da ocupação".
Na guerra de independência da Argélia (1954-62), a Frente de Libertação Nacional promoveu ataques a civis, lembram vozes prontas a oferecer uma justificativa anticolonial para o terror do Hamas. O argumento, em si mesmo problemático, delineia um paralelo falso –e, por isso, revelador.
Os colonos de origem francesa na Argélia
pertenciam a um empreendimento imperial. Os israelenses massacrados, por outro
lado, não perfilam-se sob a bandeira de um poder estrangeiro: Israel nasceu da
imigração de judeus perseguidos por pogroms e pela máquina genocida nazista. Só
se pode legitimar a barbárie do 7/10 pela adoção do objetivo político do Hamas:
a destruição do Estado judeu.
O antissemitismo vive –e, na hora da guerra,
rasga a fantasia esperta de antissionismo. "Morte aos judeus",
gritaram manifestantes em Nova York, Paris, Londres e até Berlim. O discurso
"decolonial" de raiz identitária ajusta-se como luva ao conceito
abominável de punição coletiva. Israel seria parte do sedimento
"ocidental", "europeu", "branco", depositado no
mundo ao longo dos últimos séculos. Inexistiria, portanto, distinção entre o
colono da Argélia e o civil israelense. Em nome da caricatura
"decolonial", o Estado judeu deveria desaparecer.
As leis internacionais conferem ao Estado de
Israel o direito de autodefesa, o que inclui uma represália suficiente para
desmantelar o aparato militar e governamental do Hamas. Contudo, o direito
humanitário estabelece condicionalidades, expressas pelas leis de guerra.
Israel não tem o direito de enveredar pela punição coletiva.
De fontes insuspeitas, emergem indícios de
que a tragédia no hospital de Gaza decorreu de foguetes errantes da Jihad
Islâmica, não de bombas israelenses (shorturl.at/aCDE0). Entretanto, a eventual prova de inocência
não exime Israel da responsabilidade pela interrupção total de fornecimento de
água, eletricidade e alimentos à Faixa de Gaza e por bombardeios
indiscriminados que causam milhares de vítimas civis. Tais atos configuram
crimes de guerra –como, aliás, apontam familiares de israelenses trucidados ou
tomados como reféns no 7/10.
Uma linha invisível divide a sociedade
israelense. "Não tenho necessidade de vingança, nada ressuscitará os
mortos", escreveu Ziv Stahl, diretora do grupo de direitos humanos Yesh
Din, que escondeu-se num porão de seu kibutz durante os atentados. Ela alerta
para a necessidade pragmática de uma "solução política". Contudo, do
outro lado da linha, a pulsão de vingança nutre-se da ideia exterminista de que
a população civil palestina é parte do conflito.
Bem antes do 7/10, Bezalel Smotrich, um dos
fanáticos que ocupam pasta ministerial no governo de Israel, dirigiu aos
cidadãos árabes-israelenses as seguintes palavras: "Vocês estão aqui por
engano, porque Ben-Gurion [primeiro chefe de governo israelense] não concluiu o
serviço em 1948 e não os chutou para fora". Os extremistas abrigados sob o
guarda-chuva de Netanyahu tentam aproveitar a oportunidade oferecida pelo Hamas
para "concluir o serviço".
Tanto o Hamas quanto Israel trilham a estrada
da punição coletiva. Paralelo perfeito? Não: Ziv Stahl assina textos no
Haaretz, enquanto oponentes palestinos do Hamas são torturados e executados em
Gaza.
Um comentário:
Pensei que ele fosse tomar partido,não tomou,melhor assim.
Postar um comentário