Folha de S. Paulo
Eleito dependerá dos dez governadores, 93
deputados e 24 senadores macristas para governar
É sempre motivo para arregalar os olhos quando populistas grotescos como Javier Milei, Jair Bolsonaro e Donald Trump, com propostas tão radicais como irrealizáveis, se impõem nas urnas a adversários mais comedidos, venham eles da direita, da esquerda —ou de algum lugar do centro.
Ainda assim, para o cientista político Daniel Zovatto, diretor-regional da
International Idea (Instituto Internacional pela Democracia e Assistência
Eleitoral), o resultado da eleição
na Argentina confirmou uma tendência espraiada pela América
Latina: a derrota dos candidatos situacionistas.
De fato, das 33 eleições nacionais realizadas na região entre 2015 e 2023, nada menos de 25 consagraram candidaturas contrárias ao governo de turno. Segundo Zovatto, em cada caso o "voto-castigo" —a disposição dos eleitores de punir os governantes— explica melhor os resultados do que a ideologia. Na raiz dessa desforra periódica estaria um mal-estar social que não parece encontrar resposta satisfatória.
De fato, na Argentina, o
rodízio entre peronistas e forças de centro-direita antiperonistas tornou-se
norma desde 2015, depois dos 12 anos ao longo dos quais o justicialismo,
liderado pelo casal Néstor e Cristina Kirchner, governou o país.
Mas a vitória de Milei trouxe novidades para
além do histrionismo que, ainda nos bancos escolares, lhe valeu o apelido de
"El loco" e lhe terá carreado mais do que um punhado votos. O
desfecho fincou no cenário político a presença de uma extrema direita
populista, a qual, para além de propostas econômicas impraticáveis, traz uma
agenda reacionária bem conhecida dos brasileiros: homofóbica, misógina,
antiambientalista, revisionista dos crimes da ditadura militar.
O êxito de Milei confirmou também a
fragmentação do bloco antiperonista mais recentemente representado pelas forças
que deram corpo à coalizão de centro-direita Juntos pela Mudança, comandada
pelo ex-presidente Mauricio Macri. E, pelo menos para fins eleitorais, as
subordinou ao populismo de extrema direita.
Finalmente, pela primeira vez, a base
eleitoral do peronismo encolheu: houve um êxodo de eleitores mais jovens e
pobres que se bandearam para o vencedor.
Ocorre que o raio de ação do novo presidente
terá limites claros. Sua coalizão, A Liberdade Avança, não fez um único
governador de província; de quebra, é minoritária no Parlamento.
Javier Milei dependerá dos dez governadores,
93 deputados e 24 senadores macristas para governar. E enfrentará a sempre dura
oposição do peronismo.
Receita certa para a abdicação de seus
propósitos mais extremados ou para uma recorrente crise política.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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