quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Merval Pereira - Massa aspiracional

O Globo

Lula tenta se aproximar dos evangélicos abrindo as burras do governo com isenções até para compra de carros para as cúpulas

Quanta diferença do Lula que, em recente entrevista, declarou querer fazer “um governo para a classe média” para o dia em que a filósofa Marilena Chaui gritou que detestava “a classe média”, provocando risos do próprio Lula. Já se passaram muitos anos, e a ficha caiu, pelo menos para o presidente. Às voltas com o aftershock da manifestação bolsonarista na Paulista, ele tenta se aproximar dos evangélicos abrindo as burras do governo com isenções tributárias até para compra de carros para as cúpulas religiosas, num Estado supostamente laico.

Melhor faria se olhasse para dentro das comunidades evangélicas e demais segmentos comunitários das periferias para entender seus sentimentos, detectados logo após a eleição municipal que o PT perdeu em São Paulo, em 2016, por uma pesquisa do Instituto Perseu Abramo, do próprio partido. O que o então diretor do Datafolha Mauro Paulino, hoje comentarista da GloboNews, chamou de “aburguesamento de valores” da classe média brasileira já estava identificado ali.

Já abordei o tema aqui algumas vezes, mas não custa repetir. O instituto avisava que o “imaginário social dos moradores da periferia de São Paulo”, já àquela época, revelava intensa presença dos valores liberais do “faça você mesmo”, do individualismo, da competitividade e da eficiência. Uma população que não crê em partidos; almeja crescer individualmente; busca transformações, mas é pouco afeita a rupturas; anseia por novas ideias, mas é também pragmática.

Quem também identificou pioneiramente essa classe emergente como base política fundamental foi o sociólogo e professor de Harvard Roberto Mangabeira Unger, que andou recentemente envolvido numa tentativa frustrada de evitar a eventual prisão de Bolsonaro para, segundo ele, pacificar o país. Ele considera que “os emergentes” representam “a afirmação do agente mais fundamental do país”. Nessa categoria, inclui “a pequena burguesia em grande parte evangélica” e “uma multidão de trabalhadores mais pobres, que assimilaram essa cultura de autoajuda e iniciativa. Eles são a vanguarda do povo brasileiro, agentes decisivos”.

Mangabeira Unger considera que os evangélicos brasileiros têm semelhança com pioneiros que fundaram os Estados Unidos e seu espírito empreendedor, que faria a diferença para o desenvolvimento do Brasil. As pesquisas durante a eleição presidencial mostraram que a sociedade exaltava o “autoritarismo” de Bolsonaro, provavelmente confundindo com “autoridade”, para trazer ordem aos serviços públicos, proteção à família (instituição mais valorizada pelos brasileiros segundo o Datafolha) e meritocracia no trabalho. “Tudo sob a proteção divina.”

Bolsonaro foi identificado como quem mais ajudava os ricos, primeira vez que um candidato à Presidência da República liderou a disputa com essa definição, que era depreciativa e hoje parece ser uma qualidade almejada pela maioria, com sonhos de ascensão social. Mangabeira Unger acha “decisivo” para qualquer orientação transformadora do Brasil o surgimento de uma nova classe média e uma nova cultura de emergentes, “esse pessoal que estuda à noite, luta para abrir um negócio, ser profissional independente, que está construindo uma nova cultura de autoajuda e de iniciativa e está no comando do imaginário nacional”.

Ele percebeu o movimento “como um elemento entre muitos dessa nova base social. São dezenas de milhões de brasileiros organizados”. A delicadeza da intervenção política na disputa ideológica dessa massa periférica aspiracional é neutralizar as visões radicais de setores evangélicos, que querem misturar religião com o Estado. E livrar essa massa da tentativa do PT de comandá-la.

A popularidade de Lula hoje, mais do que nunca, se ancora nos grotões do interior, onde uma horda de desvalidos é cuidadosamente manipulada por seus programas assistencialistas. São os excluídos, presentes em maior parte no Nordeste, única região em que o petista ganha de Bolsonaro com 60% dos votos válidos. Mesmo assim, as ações sociais que os amparam já não são tão fundamentais, pois já foram incorporadas ao cotidiano.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

■QUE HORROR !
■QUE HORROR !
■QUE HORROR !

Em que HORROR os dois populismos estão transformando nossa política e nosso país.

O EXERCÍCIO DA POLÍTICA NO BRASIL ESTÁ MAIS DEPRIMENTE A CADA DIA !

=》Eu não consigo entender de modo nenhum o porquê de brasileiros seguirem Lula e Bolsonaro, seguirem PT e PL, enquanto a economia, a educação, a segurança, a política externa... enquanto tudo no Brasil está sendo destruído.

Em apenas 20 anos ter nos transformado em um dos países mais inseguros do mundo, com
a educação estando entre as piores do mundo, com a política externa obedecendo a ditadores e o pais tendo sofrido a MAIOR recessão econômica de nossa história, vendo tudo ser piorado e continuarem com aumento de impostos e gastança e o eleitor querer continuar preso a Lula e PT ou a Bolsonaro e PL::
■Precisa ter alguma explicação para isso e que eu não consigo saber.

ADEMAR AMANCIO disse...

Ai os evangélicos!