quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Nilson Teixeira* - 2024 começa agora

Valor Econômico

Como sempre, cenário global será determinante

Os comentários de autoridades do governo e de empresários sobre as perspectivas para o ano nestes primeiros 45 dias têm sido, como de costume, otimistas. Mesmo assim, os desígnios para 2024 só ficarão mais claros a partir de agora.

O ano legislativo tem início, de fato, na próxima semana. Por ora, as manifestações de parlamentares têm se concentrado na insatisfação, vocalizada pelo presidente da Câmara de Deputados, com a decisão do Executivo de vetar emendas propostas por comissões de R$ 5,6 bilhões e de encaminhar medida provisória sobre a revisão da desoneração da folha de pagamentos, aprovada pelo Congresso no fim de 2023.

As negociações para as eleições nas duas casas legislativas em fevereiro de 2025 ganharão corpo ao longo deste ano, influenciando a atuação dos congressistas. A recente contrariedade do presidente da Câmara se deve, em parte, à busca de consolidação ainda maior da sua liderança neste seu quarto e último ano de mandato para que não ocorra consigo a mesma perda de protagonismo político da maioria dos ex-presidentes da casa.

Nesse sentido, os atritos políticos tendem a ser recorrentes neste ano, apesar de ser provável que os chefes do Executivo e do Legislativo conversem com alguma frequência para sacramentar acordos que garantam tramitação menos conturbada das propostas do governo.

Sou cético, porém, sobre a evolução de medidas relevantes, a não ser a regulamentação da parte aprovada da reforma tributária - grupos de interesse já se organizam para buscar mais privilégios - e talvez a desoneração da folha, até porque as eleições municipais tendem a concentrar a atenção dos parlamentares no 2º semestre.

As graves investigações sobre atuações não republicanas de parte da equipe do governo passado terá repercussões nos próximos meses, o que pode dificultar a construção de maioria nas votações e estimular disputas mais ferrenhas nas eleições municipais. Mesmo assim, não parece que esses eventos tenham grande influência sobre a economia.

Do lado econômico, a certeza sobre o cumprimento da meta fiscal de 2024 é baixa, com a mediana das expectativas do Focus de déficit primário de 0,8% do PIB. O orçamento provavelmente subestima algumas despesas, em particular os gastos da Previdência Social. Por outro lado, o orçamento também parece subestimar receitas, como, por exemplo, as auferidas com a cobrança de imposto de renda sobre fundos exclusivos e fundos no exterior, o que tende a tornar mais fácil o cumprimento da meta.

Em março, o governo divulgará o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 1º bimestre e anunciará o contingenciamento do orçamento para garantir o cumprimento da meta de 2024 de déficit zero. Mesmo com a sinalização de alta arrecadação no início do ano, a equipe econômica busca alternativas para evitar um enorme contingenciamento, que exigiria corte expressivo de investimentos públicos. No caso de ser insuficiente, é provável que ressurjam ruídos na economia e discussões sobre a alteração da meta fiscal.

A divulgação do PIB do 4º trimestre em 1º de março permitirá que as projeções de crescimento para 2024 se tornem mais confiáveis. Por ora, números entre 0,5% e 2,5% parecem igualmente prováveis. O risco negativo de uma significativa quebra da safra neste ano parece afastado, apesar de ser esperada uma produção agrícola menor do que em 2023. O risco positivo é de os investimentos, depois de um recuo estimado de 2% em 2023, crescerem acima das previsões de expansão de cerca de 2% em 2024.

Não obstante, uma forte expansão dos investimentos não parece muito provável, apesar da expectativa do Executivo de que as iniciativas do Nova Indústria Brasil - com oferta de mais subsídios, a elevação dos financiamentos do BNDES e o recuo da taxa Selic - contribuam para um cenário mais benigno. Além disso, um crescimento mais elevado garantiria maior arrecadação tributária e menores riscos do lado fiscal, além de dificilmente ter consequências sobre a trajetória da taxa de juros no curto prazo.

Mesmo tendo sido superior em janeiro às projeções de mercado, as expectativas de inflação IPCA para 2024 continuam abaixo do resultado de 2023. A divulgação em 12 de março de um número de fevereiro mais alto do que a projeção mediana do Focus de 0,69% elevaria os riscos de a inflação em 2024 superar a atual previsão de 3,8%. Isso reduziria o otimismo dos que defendem a extensão do afrouxamento monetário para valores abaixo da do número do Focus de taxa Selic de 9% no fim de 2024. O possível repasse da deflação na China para outros países pode, por outro lado, reduzir riscos de alta da inflação no Brasil.

As contas externas em 2024 permanecerão bem comportadas, apesar da expectativa de recuo do superávit comercial frente ao recorde de US$ 81 bilhões em 2023 por conta da redução dos preços de commodities e de menores importações pela China. Apesar da sua provável elevação neste ano, o déficit em transações correntes não será muito maior do que o 1,3% do PIB de 2023. Além disso, seu financiamento parece garantido, com os investimentos diretos no país dificilmente recuando para valor muito menor do que os 2,8% do PIB do ano passado.

Como sempre, o cenário global será determinante. Os principais bancos centrais iniciarão ciclo de corte de juros em algum momento do ano. Mesmo já sendo esperado, a decisão tende a melhorar o ambiente. Além disso, há importantes eleições neste ano, entre as quais a dos EUA, com a maioria das pesquisas mostrando a dianteira de Donald Trump sobre Joe Biden. Caso o embate eleitoral nos EUA tenha impacto negativo nas expectativas sobre a economia americana, haverá deterioração das perspectivas para o Brasil e recuo dos preços dos ativos locais.

Em suma, o tom otimista de representantes do governo e de empresários no período pré-carnavalesco será testado a partir de agora com o início do ano legislativo e a divulgação dos primeiros indicadores do ano. Nesse sentido, o dizer “o ano começa depois do carnaval” parece se aplicar bem para 2024.

*Nilson Teixeira, Ph.D. em economia.

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