Valor Econômico
Como sempre, cenário global será determinante
Os comentários de autoridades do governo e de
empresários sobre as perspectivas para o ano nestes primeiros 45 dias têm sido,
como de costume, otimistas. Mesmo assim, os desígnios para 2024 só ficarão mais
claros a partir de agora.
O ano legislativo tem início, de fato, na próxima semana. Por ora, as manifestações de parlamentares têm se concentrado na insatisfação, vocalizada pelo presidente da Câmara de Deputados, com a decisão do Executivo de vetar emendas propostas por comissões de R$ 5,6 bilhões e de encaminhar medida provisória sobre a revisão da desoneração da folha de pagamentos, aprovada pelo Congresso no fim de 2023.
As negociações para as eleições nas duas
casas legislativas em fevereiro de 2025 ganharão corpo ao longo deste ano,
influenciando a atuação dos congressistas. A recente contrariedade do
presidente da Câmara se deve, em parte, à busca de consolidação ainda maior da
sua liderança neste seu quarto e último ano de mandato para que não ocorra
consigo a mesma perda de protagonismo político da maioria dos ex-presidentes da
casa.
Nesse sentido, os atritos políticos tendem a
ser recorrentes neste ano, apesar de ser provável que os chefes do Executivo e
do Legislativo conversem com alguma frequência para sacramentar acordos que
garantam tramitação menos conturbada das propostas do governo.
Sou cético, porém, sobre a evolução de
medidas relevantes, a não ser a regulamentação da parte aprovada da reforma
tributária - grupos de interesse já se organizam para buscar mais privilégios -
e talvez a desoneração da folha, até porque as eleições municipais tendem a
concentrar a atenção dos parlamentares no 2º semestre.
As graves investigações sobre atuações não
republicanas de parte da equipe do governo passado terá repercussões nos
próximos meses, o que pode dificultar a construção de maioria nas votações e
estimular disputas mais ferrenhas nas eleições municipais. Mesmo assim, não
parece que esses eventos tenham grande influência sobre a economia.
Do lado econômico, a certeza sobre o
cumprimento da meta fiscal de 2024 é baixa, com a mediana das expectativas do
Focus de déficit primário de 0,8% do PIB. O orçamento provavelmente subestima
algumas despesas, em particular os gastos da Previdência Social. Por outro
lado, o orçamento também parece subestimar receitas, como, por exemplo, as
auferidas com a cobrança de imposto de renda sobre fundos exclusivos e fundos
no exterior, o que tende a tornar mais fácil o cumprimento da meta.
Em março, o governo divulgará o Relatório de
Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 1º bimestre e anunciará o
contingenciamento do orçamento para garantir o cumprimento da meta de 2024 de
déficit zero. Mesmo com a sinalização de alta arrecadação no início do ano, a
equipe econômica busca alternativas para evitar um enorme contingenciamento,
que exigiria corte expressivo de investimentos públicos. No caso de ser
insuficiente, é provável que ressurjam ruídos na economia e discussões sobre a
alteração da meta fiscal.
A divulgação do PIB do 4º trimestre em 1º de
março permitirá que as projeções de crescimento para 2024 se tornem mais
confiáveis. Por ora, números entre 0,5% e 2,5% parecem igualmente prováveis. O
risco negativo de uma significativa quebra da safra neste ano parece afastado,
apesar de ser esperada uma produção agrícola menor do que em 2023. O risco
positivo é de os investimentos, depois de um recuo estimado de 2% em 2023,
crescerem acima das previsões de expansão de cerca de 2% em 2024.
Não obstante, uma forte expansão dos
investimentos não parece muito provável, apesar da expectativa do Executivo de
que as iniciativas do Nova Indústria Brasil - com oferta de mais subsídios, a
elevação dos financiamentos do BNDES e o recuo da taxa Selic - contribuam para
um cenário mais benigno. Além disso, um crescimento mais elevado garantiria
maior arrecadação tributária e menores riscos do lado fiscal, além de
dificilmente ter consequências sobre a trajetória da taxa de juros no curto
prazo.
Mesmo tendo sido superior em janeiro às
projeções de mercado, as expectativas de inflação IPCA para 2024 continuam
abaixo do resultado de 2023. A divulgação em 12 de março de um número de
fevereiro mais alto do que a projeção mediana do Focus de 0,69% elevaria os
riscos de a inflação em 2024 superar a atual previsão de 3,8%. Isso reduziria o
otimismo dos que defendem a extensão do afrouxamento monetário para valores
abaixo da do número do Focus de taxa Selic de 9% no fim de 2024. O possível
repasse da deflação na China para outros países pode, por outro lado, reduzir
riscos de alta da inflação no Brasil.
As contas externas em 2024 permanecerão bem
comportadas, apesar da expectativa de recuo do superávit comercial frente ao
recorde de US$ 81 bilhões em 2023 por conta da redução dos preços de
commodities e de menores importações pela China. Apesar da sua provável
elevação neste ano, o déficit em transações correntes não será muito maior do
que o 1,3% do PIB de 2023. Além disso, seu financiamento parece garantido, com
os investimentos diretos no país dificilmente recuando para valor muito menor
do que os 2,8% do PIB do ano passado.
Como sempre, o cenário global será
determinante. Os principais bancos centrais iniciarão ciclo de corte de juros
em algum momento do ano. Mesmo já sendo esperado, a decisão tende a melhorar o
ambiente. Além disso, há importantes eleições neste ano, entre as quais a dos
EUA, com a maioria das pesquisas mostrando a dianteira de Donald Trump sobre
Joe Biden. Caso o embate eleitoral nos EUA tenha impacto negativo nas
expectativas sobre a economia americana, haverá deterioração das perspectivas
para o Brasil e recuo dos preços dos ativos locais.
Em suma, o tom otimista de representantes do
governo e de empresários no período pré-carnavalesco será testado a partir de
agora com o início do ano legislativo e a divulgação dos primeiros indicadores
do ano. Nesse sentido, o dizer “o ano começa depois do carnaval” parece se
aplicar bem para 2024.
*Nilson Teixeira, Ph.D. em economia.
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