Folha de S. Paulo
O Judiciário é crescentemente percebido como
sendo governado por uma lógica política
É difícil encontrar um malfeito no monumental
"A Arte de Furtar" (1744), de autoria contestada, que não possa ser
encontrado na Lava Jato, que completa agora dez anos. Talvez tenha ficado fora
apenas o tema da apropriação pela Igreja dos bens dos hereges – no capítulo
intitulado "Dos que furtam com unhas bentas".
A nova fase da Lava Jato é de reação e revanche. Quatro desdobramentos recentes são ilustrativos: uma aliança assombrosa entre o PL e o PT, que são os proponentes da ação pela cassação de Moro; As decisões polarizadas no voto dos desembargadores - os nomeados por Lula votando a favor, os demais contra; as decisões diametralmente opostas de cortes internacionais e do STF em relação à Odebrecht: a punição pela justiça americana de dois filhos do ex presidente do Panamá, que a justiça deste país colocou na cadeia, e que reconheceram o recebimento de propinas da empresa, contrastando com anulação de provas no Brasil; e no mesmo caso, a decisão de Dias Toffoli, proibindo que delatores da Odebrecht testemunhem no caso do pai (e agora do filho que já cumpriu pena nos EUA.
Há um capítulo do "A Arte de
Furtar" intitulado "Como os maiores ladrões são os que tem por ofício
livrar-nos, dos mesmos ladrões", que chama a atenção para o potencial de
abuso de agentes investidos de autoridade. O caso aberrante da semana é o dos
irmãos Brazão: um é conselheiro do tribunal de contas; outro, deputado federal.
Quando os tribunais, MP, etc passam a ser percebidos como tendo uma lógica
essencialmente arbitrária o problema muda de patamar, como mostrei
aqui. Aqui o cenário será o descrito em a "Arte de
Furtar", cap. 5º. "Dos que são ladrões sem deixarem que outros o
sejam".
É difícil prever qual será o impacto deste
estado de coisas. O sentimento público de indignação é crescente, legitimando
narrativas antissistema. A mais rigorosa pesquisa sobre o impacto da
Mãos Limpas, na Itália, fornece perspectivas menos sombrias,
malgrado ter havido também naquele país uma reação brutal do sistema. A
probabilidade de políticos envolvidos em corrupção serem reeleitos diminuiu 50
pontos percentuais porque os líderes partidários excluem os envolvidos das
listas eleitorais (fechadas) porque anteciparam o impacto negativo dos
escândalos. Ao contrário dos eleitores que relutam em punir corruptos devido a
laços clientelísticos, ideológicos, e identidades compartilhadas, os líderes
partidários querem maximizar votos. Ganham punindo.
De forma semelhante, temendo o impacto
eleitoral do seu voto muitos deputados votaram a favor da manutenção da prisão de Brazão.
Outros se colocaram em seu lugar, e votaram contra, mas foram minoria. Luz no
fim do túnel? Difícil ser otimista.
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