Valor Econômico
Mapeamento do sentimento do Congresso pode aferir que existem aliados interessados em promover um ajuste
Em uma de suas célebres frases, o ex-senador
Antonio Carlos Magalhães dava a receita para um político se relacionar com
jornalistas. “Há três tipos de repórteres: o que quer dinheiro, o que quer
notícia e o que quer emprego. O correto é não dar dinheiro a quem quer notícia,
notícia a quem quer emprego e emprego a quem quer dinheiro”, dizia o baiano do
extinto PFL, morto em julho de 2007. Transpondo para a política, esse é o
desafio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na articulação com o Congresso.
Existe uma fórmula para os articuladores de qualquer governo. É um tripé composto pela liberação de emendas parlamentares ao Orçamento, acesso a aliados às estruturas de poder e coparticipação na formulação de políticas públicas.
Nunca foi suficiente, por exemplo, somente
liberar emendas para o senador que tem como prioridade indicar afilhados
políticos para cargos. Ou, então, apenas consultar determinado deputado sobre
uma medida em gestação sem que ele possa ter instrumentos para influenciar os
rumos da política em seu berço eleitoral. Quase todos querem a atenção do
presidente.
Um dos desafetos de ACM durante o governo
Fernando Henrique Cardoso, o ex-ministro Eliseu Padilha ficou famoso por saber
o “mix” que atenderia cada senador ou deputado. Com suas planilhas, mapeava os
votos do Congresso como poucos. Ex-ministro dos governos FHC, Dilma Rousseff e
Michel Temer, falecido há pouco mais de um ano, tem sido lembrado por aqueles
que tentam analisar as atuais turbulências políticas.
Conta-se que começou anotando em cadernos os
pedidos que deputados faziam a Temer, quando este ainda era líder do MDB na
Câmara, após perceber que o atendimento das demandas se refletia no painel de
votações. Após ser indicado para o Ministério dos Transportes, pasta com
robusta capacidade de realizar entregas, passou a entender melhor como a troca
de favores poderia facilitar a articulação política. Após deixar o governo,
percorreu o país para ajudar a consolidar o comando de Temer no partido,
momento em que compreendeu como as bases eleitorais podem influenciar os votos
no Congresso.
Sempre trabalhou com uma margem de 10% de
traição. Outra regra de ouro era conhecer, individualmente, cada deputado e
senador. Mas também saber quais lideranças tinham que ser procuradas para
mobilizar grupos suprapartidários de parlamentares.
Em outra frente, monitorava a força de
grandes empresas entre os congressistas e o apelo de setores econômicos no
Legislativo. Essa dinâmica ainda existe, como é possível perceber em meio à
tramitação da reforma tributária e aos obstáculos enfrentados por alguns
projetos da agenda econômica.
A palavra só era empenhada após um acordo
prévio com o presidente da República e os ministros da área econômica. Às
vezes, um telefonema do chefe ou um cafezinho no gabinete presidencial mudavam
o rumo de uma sessão: prestigiar determinados interlocutores sempre foi
fundamental. No entanto, nunca o presidente entrava em campo sem ter todas as
informações necessárias em mãos. O sucesso era compartilhado com líderes e
ministros políticos, que se credenciavam cada vez mais junto às bancadas.
Errar na aplicação dessa fórmula pode
resultar em profundas crises políticas. O mensalão é um exemplo. Pivô do
escândalo, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) abordou o assunto durante
entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, em junho de 2005: “É mais
fácil você pagar aluguel a um deputado do que discutir um projeto político com
ele, do que partilhar poder com um partido que o apoia”.
É preciso reconhecer que o atual articulador
político hoje precisa lidar com fatores que inexistiam nos primeiros mandatos
de Lula. As redes sociais mudaram o comportamento dos parlamentares durante as
votações, fenômeno já percebido por Eliseu Padilha durante o processo de
impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e que só se intensificou desde
então. Há menos previsibilidade, diante das cobranças em tempo real do mundo
virtual.
Há ainda a crescente impositividade das
emendas parlamentares. O Palácio do Planalto até consegue influenciar o ritmo
de liberação dos recursos, mas a relação entre os Poderes mudou. Uma das bases
do tripé da articulação política está prejudicada.
Restam as outras. Porém, sem assegurar que os
parlamentares se sintam parte do processo de formulação de políticas públicas,
aumenta o risco de paralisa da agenda legislativa do governo ou de Lula
assistir ao Congresso aprovar temas que se chocam com a sua plataforma de
governo, como o projeto antiaborto e a taxação de compras internacionais acima
de US$ 50. O diálogo com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG),
sobre as dívidas dos Estados pode ser lido neste contexto.
Um mapeamento do sentimento do Congresso
sobre a situação fiscal pode aferir que existem aliados interessados em
promover um ajuste. Porém, estes querem ouvir do próprio presidente se há real
disposição do Planalto em empreender um esforço nesse sentido. Não irão assumir
inteiramente a responsabilidade e o ônus político, sobretudo quando o PT é o
primeiro a contestar qualquer proposta colocada sobre a mesa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário