Voto útil barrou extrema direita, mas enfraqueceu Macron
O Globo
Estratégia funcionou para deter avanço do RN.
Persiste, porém, incerteza sobre o futuro na França
A estratégia do voto útil, que uniu legendas
da centro-direita à extrema esquerda nas eleições legislativas da França, conseguiu barrar a
vitória do Reunião Nacional (RN), de extrema direita. Com um comparecimento
eleitoral recorde de 67%, os franceses mais uma vez impuseram um limite à
ascensão ao poder do partido extremista, que saíra vitorioso no primeiro turno.
O RN registrou um crescimento histórico e obteve 143 das 577 cadeiras da
Assembleia Nacional — ou 25%, percentual que só havia superado no segundo turno
de eleições presidenciais —, mas ficou longe do primeiro lugar e da maioria
absoluta que pareciam a seu alcance.
Ainda que tenham se dissipado os temores sobre uma vitória do RN, ainda persiste a ansiedade sobre o futuro. Nenhum grupo obteve a maioria necessária para formar um governo. A coalizão mais votada, do esquerdista Nova Frente Popular (NFP), somou 182 deputados. Mas trata-de de um grupo heterogêneo. Fazem parte dele a legenda de extrema esquerda França Insubmissa (FI), com 74 deputados desse total, os socialistas, com 59, os verdes, comunistas e outros partidos, com 47. Em segundo lugar ficou o grupo de centro do presidente Emmanuel Macron, com 168 deputados. Em terceiro, o RN.
Será preciso, portanto, negociar uma aliança,
tarefa nem sempre fácil na política francesa. O primeiro-ministro Gabriel Attal
pediu demissão, e o presidente Emmanuel Macron solicitou que ele permaneça no
cargo até uma definição. Os Jogos Olímpicos começam em Paris no próximo dia 26.
O temor era que houvesse um vácuo de poder com o evento em marcha.
Todos os olhos agora estão voltados para o
NFP. Seu líder, Jean-Luc Mélenchon, um radical anticapitalista tido como
antissemita, declarou não estar disposto a negociar com Macron. Os socialistas
parecem mais abertos. Seu líder, Olivier Faure, declarou que apresentaria uma
proposta no prazo de uma semana. O NFP foi uma aliança de conveniência montada
para a eleição, nada garante que resista.
Uma das questões que devem causar mais
discussão na formação da coalizão é a reforma da Previdência. Mesmo partidos
mais moderados de esquerda exigem a revogação das mudanças promovidas por
Macron. Outro ponto de discórdia é o que fazer com os impostos. O governo quer
mantê-los no patamar atual. A esquerda exige alta acentuada. Caso nenhuma força
política seja capaz de formar coalizão, Macron poderá apontar um governo
liderado por um funcionário de alto escalão ou figura pública apartidária para
ficar no poder até junho do ano que vem, quando uma nova eleição poderá
ocorrer.
Seja qual for a solução, o legado de Macron
está em risco. Ao se lançar candidato à Presidência em 2016, ele tinha como
meta um programa liberal. Boa parte das reformas foram aprovadas sob intensos
protestos. Passados sete anos, o RN obteve uma vitória inédita nas eleições ao
Parlamento Europeu no início de junho. Macron antecipou então as eleições
legislativas para mostrar que o voto na extrema direita tinha um teto. O susto
com os resultados do primeiro turno levou ao acordo tático com o NFP, em que houve
132 renúncias entre os esquerdistas e 80 entre os centristas para facilitar o
voto útil contra o RN. Esse objetivo alijou os extremistas do poder, mas a
coalizão liberal liderada por Macron perdeu 77 assentos. O projeto de um centro
duradouro se enfraqueceu.
Projetos que subsidiam energia eólica e solar
não fazem mais sentido
O Globo
Custo de geração tem despencado, e conta
anual para consumidor seria de R$ 29 bilhões ao ano
Dois Projetos de Lei sobre energia renovável
que tramitam no Congresso escondem, sob alegadas preocupações com o meio
ambiente, subsídios desnecessários que, se aprovados, encarecerão a conta de
energia. Se não forem barradas, as propostas, que tratam de energia eólica
offshore e microgeração distribuída com placas solares para a população de
baixa renda, poderão representar um custo extra nas tarifas de R$ 28,9 bilhões
por ano até 2050, como mostrou
reportagem do GLOBO.
Entre os problemas embutidos no projeto das
usinas eólicas offshore, está a contratação compulsória de fontes como térmicas
a gás e pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), construção de usinas de
hidrogênio, eólicas na Região Sul e a manutenção da operação de usinas a carvão
— um contrassenso numa proposta sobre energias renováveis. Não menos nociva é a
ampliação de um período de desconto já extenso nas tarifas de transmissão para
as fontes renováveis.
O PL que prevê incentivo à microgeração
distribuída para baixa renda tem sido questionado não só por ampliar o prazo
para que esses projetos sejam incluídos no regime antigo de subsídios, mas
também por estabelecer que consumidores não paguem pela energia durante o dia,
apenas à noite. Na prática, a iniciativa surtiria efeito contrário ao
pretendido, aumentando o custo para as famílias pobres, devido ao impacto do
subsídio nas tarifas.
Os dois projetos defendem soluções erradas no
momento errado. Parlamentares deveriam entender que as tarifas de energia já
estão em alta. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) acaba de anunciar
bandeira amarela, devido à previsão de chuvas abaixo da média registrada nos
últimos anos e à expectativa de aumento no consumo. Antes mesmo dessa decisão,
já se previa um aumento médio de 5,6% nas contas das concessionárias de todo o
país.
Os projetos são equivocados, pois não faz
mais sentido dar subsídios para energia eólica e solar no país. “Primeiro, já
temos um excesso de oferta brutal. Essa superoferta não garante que haverá
energia, pois não reduzimos os riscos do sistema. Segundo, os custos de
investimento em eólica e solar têm caído drasticamente. Em 2022 e 2023, a
redução foi de 40%”, diz o ex-diretor da Aneel Edvaldo Santana.
Criar ou prorrogar incentivos num setor onde
eles não são mais necessários pode beneficiar determinados segmentos com poder
de pressão no Congresso, mas pune a maioria dos brasileiros, que pagará o custo
de decisões baseadas em critérios políticos, e não técnicos. Pendurar subsídios
na conta de energia, tornando-a até 13% mais cara, como se estima, é péssima
ideia. Para a Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica
(Abradee), o encarecimento na tarifa empurra muitos consumidores para a ilegalidade,
resultando nas ligações clandestinas. É um modelo injusto, em que a conta é
mais alta para os que pagam, enquanto outros usufruem privilégios.
União de forças democráticas barra
extrema-direita europeia
Valor Econômico
Desafio de todos os governos que enfrentam partidos antidemocráticos na Europa é enfrentar causas subjacentes, que vão desde a economia até a fadiga de muitos países com a imigração
Reino Unido e França acabaram de eleger governos de centro-esquerda. O resultado britânico era amplamente esperado. Já o francês foi surpreendente. As maneiras de enfrentar o populismo da extrema-direita foram distintas, mas eficazes à sua maneira, e talvez provisórias. Os britânicos apoiaram um Partido Trabalhista moderado, com um candidato pragmático e uma plataforma de propostas para enfrentar os problemas da realidade, não delírios ideológicos. Na França, as esquerdas em frente eleitoral aliaram-se ao centro do presidente Emmanuel Macron e a todas as forças políticas em torno de um objetivo comum: evitar a ascensão da Reunião Nacional de Marine Le Pen, partido que, apesar de tentar suavizar a mensagem, ainda é xenófobo e racista.
A união das forças democráticas, apesar de
suas enormes divergências, conseguiu impedir a chegada ao poder dessas forças
extremistas. Por quanto tempo, dependerá da capacidade dessas alianças de
resolver as questões que nutrem o apoio às forças extremistas. Os caminhos
encontrados seguem as características nacionais. No Reino Unido, os
conservadores obtiveram a pior votação de sua história, resultado esperado,
embora talvez não com tanta amplitude. O Partido Conservador, há 14 anos no
poder, cometeu erros em série - o maior deles, de consequências históricas, foi
o Brexit. Hoje, 70% dos britânicos consideram que as desventuras econômicas
decorrem da decisão de separar-se da União Europeia, que reduziu o crescimento
do país, elevou a inflação, aumentou os custos internos e reduziu a
produtividade (ver o artigo de Martin Wolf: As escolhas
difíceis de Keir Starmer).
Apesar disso, o candidato importa e as bases
trabalhistas apoiaram Keir Starmer, ex-procurador, de família de origem
operária, que galgou os principais postos do partido com princípios moderados,
opondo-se ao líder da linha de esquerda que provocara duas duras derrotas ao
partido, Jeremy Corbin. As disputas políticas internas produziram um líder
possivelmente sem tanto carisma, mas com um programa eleitoral compreensível,
sem radicais propostas de mudança. Foi eleito, em primeiro lugar, pela sensatez
e, em segundo, pelo sistema eleitoral do país, distrital puro onde o vencedor
leva tudo, independentemente da diferença de votos, e não há nenhuma
compensação para os demais partidos (como na maioria dos países europeus).
Com isso, os trabalhistas fizeram a terceira
maior bancada de sua história, com 411 deputados (63,2% do Parlamento), tendo
obtido 33,7% dos votos (quase a mesma votação da RN na França). Em 2019, com
32,1% dos votos, o partido elegeu apenas 202 deputados. O Partido Conservador
britânico teve seu pior resultado eleitoral - 23,7% dos votos e 121 deputados.
Mas a maior parte dos votos perdidos pelos conservadores não foi para a
esquerda, e sim para a extrema-direita. O Reform UK, liderado por Nigel Farage,
um dos principais incentivadores do Brexit, atingiu 14,3% dos votos (contra 2%
de 2019), porém ficou com apenas 5 deputados. Juntos, conservadores e Reform UK
tiveram mais votos que os trabalhistas.
Na França, o centro político e os moderados
contaram com a ajuda providencial das esquerdas, mesmo a mais radical, a do
França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon. A união se deu às pressas, diante da
votação inesperada do Reunião Nacional no primeiro turno, que venceu com 33%
dos votos. Todas as forças políticas não extremistas, da direita à esquerda,
reeditaram um “cordão sanitário” para isolar os candidatos de Le Pen. Não fosse
o alarme da ameaça à República, dificilmente se sentariam à mesma mesa. Para o fim
que se propuseram, imediato e de curto prazo, a estratégia deu muito certo,
também com a ajuda do sistema eleitoral francês.
O partido de Le Pen elegeu apenas 142
deputados, ficando atrás das coligações Nova Frente Popular (NFP, esquerdista),
com 180 deputados, e Juntos (centrista, do presidente Emmanuel Macron), com
159, que se apoiaram mutuamente no segundo turno. Mas essas duas coligações,
formadas por dez partidos que vão desde o centro-direita (como os
democratas-cristãos) até a extrema-esquerda (como os comunistas e
anticapitalistas), terão de governar juntas. Será difícil formar um governo
coeso e eficaz, devido a suas divergências políticas.
Com a Assembleia Nacional dividida em três
partes quase iguais, será difícil aprovar qualquer coisa, mesmo porque as
frentes que venceram não conversam entre si e tem programas antagônicos.
Encontrar um programa mínimo comum de governo é uma tarefa extremamente
delicada, para a qual a distância de Macron no tratamento político com o
parlamento é inadequada. De qualquer forma, evitar que a França caia no abismo
antidemocrático continua a ser um incentivo poderoso para que se encontre o
caminho da moderação e do entendimento.
Para conter a extrema-direita, é preciso enfrentar as suas causas subjacentes, que vão desde a economia (crescimento baixo, crescente desigualdade, redução dos custosos benefícios sociais, insatisfação dos jovens com a precariedade do trabalho) até a fadiga de muitos países com a imigração. Esse é o desafio de todos os governos que enfrentam partidos antidemocráticos na Europa.
Macron respira, mas ainda está sob pressão
Folha de S. Paulo
Manobra para conter a ultradireita dá certo;
ascensão da esquerda em Parlamento rachado tende a dificultar o governo
A
surpreendente derrota da ultradireita no segundo turno da
eleição parlamentar francesa, no domingo (7), é boa notícia para a democracia.
Ainda que a Reunião Nacional (RN) de Marine Le Pen tenha moderado posições, o
radicalismo retrógrado de várias de suas bandeiras ensejava temores.
A reviravolta, no entanto, traz dificuldades
de outra natureza. A vitoriosa Nova Frente Popular (NFP) é um amálgama
heterogêneo de extremistas de esquerda, esquerdistas mais moderados e
ecologistas, mas sua face pública é Jean-Luc Mélenchon.
Aos 72 anos, o deputado veterano personifica
equívocos diversos da esquerda francesa, ícone para boa parte da mundial, tem
de errado. Se aponta problemas reais na estrutura do poder público, lança mão
de um receituário estatista obsoleto para enfrentá-los.
Pior, defende ideias incompatíveis com a
ideia de uma Europa unida e arejada. Flertou com o antissemitismo e compra a
versão russa de que a Guerra da Ucrânia foi causada não por Vladimir Putin, mas
pelo Ocidente. Nesse sentido, é uma Le Pen com o sinal trocado.
Mas ninguém dominou de fato o pleito. A NFP
obteve 182 de 577 cadeiras da Assembleia Nacional; o bloco do presidente
Emmanuel Macron, Juntos, 168; e a RN, 143.
A votação foi uma manobra
política arriscada do mandatário centrista, que a convocou para
tentar barrar a ascensão da RN vista nas eleições parlamentares da União
Europeia em junho.
Isso foi obtido, e não é desprezível a
ojeriza que boa parte da sociedade expressou à RN —o que deverá motivar
cálculos eleitorais de Le Pen e populistas mundo afora, como Jair Bolsonaro
(PL), que já celebravam o triunfo que não veio. O protagonismo, porém, ficou
com Mélenchon e seu grupo.
Sobra uma crise que já estava contratada se
Le Pen fosse vitoriosa sem a maioria de 289 assentos. A França tem parca
experiência em governos de coabitação, nos quais o premiê equilibra forças com
o presidente de outro partido.
Mélenchon já pede o poder para implementar
seu ideário. Por ora, para não afetar as Olimpíadas que começam no fim do mês
em Paris, Macron manteve o primeiro-ministro Gabriel Attal, aliado num
Parlamento no qual o presidente não tinha maioria absoluta e recorria a
decretos para governar.
Moderados da NFP podem unir-se a Macron, que
respirou um pouco no pleito, mas isso é considerado improvável. Se a
instabilidade dificultar a administração, a pressão sobre o presidente
crescerá.
Ele cumpre seu mandato derradeiro até 2027 e
já rejeitou renunciar, mas o cenário tenso poderá fazê-lo repensar. Le Pen, e
agora Mélenchon, apenas esperam.
Desafio tributário
Folha de S. Paulo
Congresso precisa reduzir exceções ao mínimo
e regulamentar reforma dos impostos
Está em vias de ser posta em votação a parte
mais delicada da reforma dos
tributos indiretos. Serão duas leis complementares, uma
regulamentando as alíquotas dos produtos e outra definindo as competências e o
funcionamento do comitê gestor do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Ambas têm como base as conclusões de um grupo
de trabalho da Câmara dos
Deputados, que procurou resolver os principais pontos de
disputa, embora ainda
haja controvérsias que provavelmente serão tratadas apenas em
plenário.
É fundamental que não sejam abertas mais
exceções, pois cada novo benefício resulta num aumento da alíquota geral
(somando IBS, regional, e CBS, federal), hoje estimada entre 25,5% e 26,5%.
Em relação às regras de cobrança, o foco está
na lista de produtos que estarão na cesta básica com isenção tributária ou
alíquota reduzida. A polêmica em
torno de inclusão da carne é apenas um exemplo dos inúmeros
itens em discussão.
Há ainda a lista de medicamentos que contará
com taxação abaixo do padrão, a regra de transição para locadoras de veículos e
o percentual de devolução de impostos para a população de baixa renda nas
contas de água, luz e esgoto.
Também há incertezas a serem dirimidas em
relação à Zona Franca de Manaus, excrescência que sempre constitui um obstáculo
ao andamento de reformas.
Em qualquer cenário, a alíquota sobre bens e
serviços será uma das maiores do mundo —o que não significa alta da carga como
apregoam adversários da mudança. Há apenas explicitação de uma cobrança, já
escorchante, que hoje fica diluída entre os tributos a serem extintos (PIS,
Cofins, IPI, ICMS e ISS).
Tal padrão de oneração excessiva do consumo é
uma característica do atual sistema regressivo, que prejudica os mais pobres. É
preciso ampliar o peso da taxação da renda, mais progressiva, não abandonar a
reforma dos impostos indiretos, que trará simplificação e ganhos de
produtividade.
O país tem a chance de racionalizar um setor essencial para o bom funcionamento da economia. Negociações são inevitáveis, mas não podem interromper o avanço.
A direita democrática precisa negar Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
Evento da extrema direita no Brasil mostra a
força de um movimento que reafirma caráter autoritário ao jurar lealdade
absoluta não à lei ou aos valores republicanos, e sim a Bolsonaro
A Conferência de Ação Política Conservadora
(CPAC Brasil), realizada no fim de semana passado em Santa Catarina, exibiu
tudo aquilo que se espera de uma versão tropical da cúpula da extrema direita
global: ofensas a figuras da esquerda e a jornalistas, denúncias sobre a
suposta perseguição judicial enfrentada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e
defesa da liberdade de expressão para desacreditar o “sistema”. O mais
relevante, contudo, é a confirmação da liderança inconteste de Bolsonaro.
Apesar da inelegibilidade, Bolsonaro continua a ser a maior força política e,
portanto, o maior cabo eleitoral dos extremistas da direita.
Aos bolsonaristas importa menos a condenação
por irregularidades cometidas em 2022 e mais sua capacidade de mobilizar
aliados e atrair eleitores. Como Lula da Silva em 2018 – à época preso pela
Lava Jato e impedido de concorrer –, chega-se a apostar na candidatura de
Bolsonaro já em 2026, ainda que esteja proibido até 2030, como forma de puxar a
corda em favor das hostes extremistas. Pelo que se viu na CPAC, essa extrema
direita está preparada para fazer barulho, tentar gerar instabilidade
institucional ou ganhar as eleições. Ou as três coisas somadas.
Reconhecida a musculatura política do
ex-presidente, é o momento de separar o joio do trigo: há Bolsonaro e o
bolsonarismo, num lado, e há a direita democrática, no outro. São água e óleo.
O bolsonarismo é a mais perfeita tradução de um extremismo destrutivo, só capaz
de prosperar num ambiente de conflagração permanente e de negação dos padrões
civilizados de convivência entre interesses sociais divergentes. A direita
tradicional é democrática, sustenta-se nas ideias liberais e republicanas e
sabe respeitar as instituições e as regras da democracia. Os extremistas
bolsonaristas só querem delinquir sem serem incomodados. As reais forças de
direita, porém, rejeitam o vale-tudo, a intolerância e o golpismo.
Não são apenas nuances, e sim visões
radicalmente opostas sobre o exercício da política. Separá-las ajuda cidadãos e
eleitores a escapar da armadilha fabricada pela esquerda. Para esta, sobretudo
para o lulopetismo, “extrema direita” cumpre hoje o papel que a expressão
“neoliberalismo” cumpria anos atrás, isto é, a possibilidade de rotular tudo o
que a esquerda considera ruim – da austeridade fiscal à segurança pública, do
conservadorismo nos costumes ao populismo de direita. Reconhecer tais
diferenças é útil quando se observam Bolsonaro e seu orgulho liberticida, que
joga aos tubarões quem ousa ao mesmo tempo reivindicar o apoio dos seus devotos
e respeitar instituições e adversários.
Eis aí a enorme missão a ser cumprida por
outros nomes da direita brasileira, como os governadores de São Paulo, Tarcísio
de Freitas (Republicanos), de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), e do
Paraná, Ratinho Júnior (PSD) – os três principais candidatos a herdar o capital
político de Bolsonaro. É esse o desafio especialmente imposto ao governador de
São Paulo, o favorito: decidir se deseja apresentar-se como uma liderança da
direita – democrática, liberal e republicana, insista-se – ou se quer se juntar
aos delinquentes. É um dilema similar ao do Partido Republicano nos Estados
Unidos. Em tese, um partido existe para diluir ambições pessoais e valorizar
causas. Hoje, os republicanos só têm uma causa: a que Donald Trump definir. O
presidente do partido de Bolsonaro, Valdemar Costa Neto, disse o mesmo sobre
Bolsonaro e o PL. Nada mais antidemocrático.
Se não quiser ser vista como parte do
gangsterismo disfarçado de movimento político chamado “bolsonarismo”, a direita
precisa negar Bolsonaro. É uma equação eleitoralmente difícil, mas ou é isto ou
então é mergulhar no abismo moral e político que o bolsonarismo representa.
Para tanto, a direita democrática pode e deve galvanizar o espírito do
antipetismo ou do desencanto de quem está farto dos rumos tomados pelo
lulopetismo e sua promessa não cumprida de pacificar o Brasil. Mas, antes de
mirar o PT, convém se descontaminar do que há de mais antidemocrático e
incivilizado que este país produziu em sua história.
Meninas negras em perigo
O Estado de S. Paulo
Cerca de 40% dos casos de estupro no Brasil
atingem crianças e adolescentes negras, um alerta para a soma de
vulnerabilidades que tornam algumas vidas ainda mais frágeis do que outras
Quatro entre dez vítimas de estupro no Brasil
são crianças e adolescentes negras, o dobro da incidência em meninas brancas,
informou um estudo realizado por pesquisadores do Núcleo de Estudos Raciais do
Insper, com base nos dados do Sistema Nacional de Atendimento Médico, do
Ministério da Saúde. O levantamento expõe outros números perturbadores que
confirmam tendência apontada por outras organizações insuspeitas, como o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),
que não só registram um volume significativo de estupros no País, como também
demonstram o tamanho das desigualdades no perfil demográfico das vítimas:
segundo o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, por exemplo,
quase 90% das vítimas são mulheres, cerca de 60% têm menos de 14 anos e 10% são
menores de 4 anos de idade. O estudo do Insper, divulgado mais recentemente,
mapeia a diferença racial das vítimas: as mulheres negras são maioria em todas
as faixas etárias, numa proporção de aproximadamente 2 para 1 na comparação com
as mulheres brancas.
Estatísticas com recorte racial merecem ser
vistas com cautela, especialmente num Brasil de maioria autodeclarada negra
(preta ou parda) e onde a maioria pobre e vulnerável se confunde com a maioria
negra. Em outras palavras, negros são, em média, mais pobres do que brancos;
logo, qualquer problema social que tem a ver com pobreza ou desigualdade
afetará desproporcionalmente mais pessoas negras. Por exemplo, se a grande
maioria de moradores de favelas e áreas de risco se declara pretos ou pardos, é
natural (ainda que perverso) que enchentes atinjam em maior grau pessoas
negras, sem que isso autorize teorias exóticas como a do “racismo ambiental”.
Há também o risco de minimizarmos o drama enfrentado por outras vítimas – no
caso, mulheres adultas, adolescentes e crianças, sejam elas pretas, pardas ou
brancas, têm seus corpos violados e colocados à mercê da soma de violências que
as atingem.
Os números trazidos pelos pesquisadores do
Insper, no entanto, são relevantes porque há problemas nacionais que vão muito
além da dimensão econômica e extravasam a mera estatística. Há mazelas que não
são explicadas apenas pela desigualdade de renda: um homem negro pobre sofrerá
mais assédio de seguranças de um shopping do que um branco pobre, e jovens
negros correm mais riscos de receberem abordagem policial violenta do que
jovens brancos. Num país tisnado pelas disparidades de renda, oportunidades desiguais
e ensino público de qualidade como ativo escasso, a população negra sai, de
partida, em grande desvantagem na luta por mobilidade social. Uma desvantagem
que também aparece entre crianças e adolescentes negras. Como o estudo do
Insper tenta mostrar, elas correm mais perigo do que as vítimas brancas.
Eis o ponto racial que faz tais estatísticas
importarem: elas descortinam um elemento a mais na soma de vulnerabilidades e
circunstâncias de sofrimento e trauma impostos às vítimas. É como um ciclo
ascendente de problemas, uma cicatriz a sobrepor-se a outra em tal ordem que
torna a vida de certos grupos mais difícil e mais frágil do que a de outros – a
pobreza, a violência, a desorganização familiar, um ensino público de má
qualidade, um horizonte incerto de oportunidades de trabalho e ascensão social
e, além de tudo isso, o racismo. Sim, não se pode ignorar que o Brasil é um
país cujas desigualdades começaram a ser fundadas na violência da escravidão –
período, a propósito, em que mulheres negras eram estupradas por senhores de
escravos.
O fim da escravidão não foi um ato de piedade
de uma princesa, mas o resultado de um dos primeiros levantes da sociedade
civil brasileira, do qual este jornal – na época chamado de A Província de
S. Paulo – foi um dos defensores. A Pátria Livre, assim exaltava o
texto que noticiava o fim da “vergonhosa instituição” do direito de propriedade
sobre o homem. O Brasil avançou enormemente desde então, mas, diante de
evidências de exclusão e de violência que atingem grupos vulneráveis, é preciso
reconhecer o racismo como ferida aberta e não cicatrizada daquele período, e
indignar-se com estatísticas ainda negligenciadas por boa parte da sociedade.
França despedaçada
O Estado de S. Paulo
Eleições lançam o país no escuro, com um
presidente sem força política e um Parlamento ingovernável
A recente eleição parlamentar francesa lançou
o país numa imensa incerteza. Antes do segundo turno, realizado anteontem,
havia no ar a perspectiva sombria do triunfo da extrema direita, que mesmo se
maquiando de centrismo jamais deixou de ser um movimento inspirado no xenófobo
e filonazista Jean-Marie Le Pen. Agora, contabilizados os votos, é o bloco de
esquerda, em que se destaca o grupo político do trotskista antissemita Jean-Luc
Mélenchon, que aparece como a principal bancada da Assembleia Nacional, enquanto
a extrema direita, embora tenha crescido, ficou apenas em terceiro lugar. O
centro, que tem no presidente Emmanuel Macron sua principal liderança, até
conseguiu se recuperar um pouco do desastre do primeiro turno, mas perdeu a
maioria que tinha na Assembleia. Ou seja, nenhuma das três forças políticas
mais relevantes da França hoje conseguiria governar sem alguma forma de
compromisso umas com as outras – um cenário virtualmente impossível, dado o
grau de hostilidade entre elas.
Vislumbra-se, portanto, o caos. Obviamente
não era esse o resultado que Macron antevia quando teve a ideia de dissolver a
Assembleia e antecipar as eleições, depois da surra que levou da extrema
direita na disputa pelo Parlamento Europeu. O presidente queria transformar a
eleição num tira-teima sobre seu governo e sua liderança. Embora tenha reduzido
o prejuízo, é evidente que Macron perdeu a aposta: terá que governar sem
qualquer controle sobre a Assembleia.
Num cenário como esse, é improvável que haja
algum consenso sobre o interesse nacional, e isso num momento crítico na França
e na Europa, às voltas com guerras, perspectiva de afastamento dos Estados
Unidos, enfrentamento da concorrência chinesa e transição energética lenta e
custosa. No caso especificamente francês, há ainda a crescente dívida, o
desequilíbrio das contas e a agitação social, que deterioraram substancialmente
a popularidade de Macron.
Nos últimos dias, diversas forças políticas e
sociais da França se juntaram numa “frente republicana” destinada a salvar o
país das garras da extrema direita – e o resultado disso foi a vitória
(felizmente apenas relativa) da extrema esquerda, que é igualmente uma ameaça à
democracia, embora as tais forças “republicanas” nunca a tenham tratado como
tal. Ao contrário: entre o primeiro e o segundo turno das eleições, os
franceses foram bombardeados por mensagens apocalípticas sobre a hipótese de um
triunfo do “fascismo”. Até o craque francês Mbappé foi convocado para emprestar
seu carisma e sua popularidade a esse movimento de salvação da democracia –
que, a propósito, sempre foi útil a Macron, um jejuno na política que alcançou
a presidência como a novidade centrista que impediria o avanço da extrema
direita.
Agora tudo isso soa como farsa, e a França se lançou no escuro: um presidente sem força política, um Parlamento ingovernável e um país despedaçado. A extrema direita, de fato, ainda não triunfou, mas ninguém na França parece respirar aliviado.
Proteção aos motociclistas
Correio Braziliense
Nos primeiros quatro meses deste ano, foram
gastos R$ 80,5 milhões, segundo o governo. Nesse mesmo período, houve um
aumento de 14% nas internações de motociclistas, em comparação a janeiro a
abril de 2023
Em todo o país, circulam mais de 27,2 milhões
de motocicletas, conforme dados atualizados, no último dia 2, pelo Ministério
dos Transportes. A maior frota é de São Paulo, com 5,6 milhões. No Distrito
Federal, são 258.698 motos. Em Minas Gerais, 3 milhões. Boa parte desses
veículos é usada por entregadores de encomendas, com contratos de trabalho
precários e sem cobertura em caso de acidentes, que, muitas vezes, causam
graves danos físicos e até invalidez aos condutores.
Nas edições de domingo e desta segunda-feira,
o Correio Braziliense detalhou os números de tragédias que afetam a vida dos
motoboys, mão-de- obra do sistema delivery, e dos mototaxistas. O custo dos
acidentes e mortes é pago pelos contribuintes, via Sistema Único de Saúde
(SUS). Em 2023, cada internação custou ao SUS, em média, R$ 1.561,31,
totalizando R$ 22,15 milhões. Nos primeiros quatro meses deste ano, foram
gastos R$ 80,5 milhões, segundo o Ministério da Saúde. Nesse mesmo período,
houve um aumento de 14% nas internações de motociclistas, em comparação a
janeiro a abril de 2023.
Não há dados atualizados sobre o impacto
financeiro desses acidentes na Previdência Social e na produtividade do país e
do número de mortos. A informação mais recente sobre o impacto financeiro é de
2020, por meio de estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O
levantamento concluiu que o Brasil perde pelo menos R$ 50 bilhões, por ano, com
as colisões no trânsito. Naquele ano, o Seguro Obrigatório para Proteção de
Vítimas de Acidentes de Trânsito (DPVAT) constatou que 79% dos pedidos de indenização
foram de motociclistas envolvidos em incidentes nas estradas brasileiras.
Quanto às mortes, os números do SUS referentes a 2022 indicam 12.058 óbitos no
Brasil — o equivalente a 33 vítimas por dia.
Vários fatores frustram campanhas de educação
aos condutores de veículos, como a lançada, em 1996, pelo Correio Braziliense —
Paz no trânsito —, motivada pelo aumento de acidentes nas vias da capital da
República. Com o passar dos anos, há uma tendência de a sociedade ignorar
os marcos regulatórios, o que exige regularidade nas ações educativas. Por mais
que as blitze sejam importantes, igualmente é necessário orientar.
Ao mesmo tempo, cabe ao Estado, diante de calamidade, como a que vitima condutores de motocicletas, criar meios de preservar a vida desses operários do delivery, que, geralmente, têm renda mensal bastante limitada. Um bom exemplo é a faixa azul, destinada ao tráfego de motocicletas, como a existente na capital de São Paulo. Ou seja, uma faixa exclusiva, assim como a destinada aos ciclistas, evitando a disputa na mesma faixa entre veículos de quatro rodas e as motocicletas. Preservar a vida de todos, independentemente da condição socioeconômica ou da atividade laboral é dever do Estado.
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