O Estado de S. Paulo
A visão de que estava havendo a restauração de uma política externa ativa e altiva minimizou ou ignorou as mudanças pelas quais o Brasil, a América do Sul e o mundo estão atravessando
O Brasil voltou. O presidente Lula da Silva, no início de seu governo, repetiu essa afirmação como o recomeço da política externa depois de um período, no governo anterior, em que as atitudes e posições brasileiras isolaram o País e o então Brasil foi visto como um pária no cenário internacional. A visão de que estava havendo a restauração de uma política externa ativa e altiva, como caracterizada nos dois primeiros mandatos, minimizou ou ignorou as mudanças e transformações pelas quais o Brasil, a região sul-americana e o mundo estão atravessando. Sem falar nos desafios e nos riscos para perseguir as novas oportunidades que estão se abrindo ao País.
No Brasil de 20 anos depois da primeira
eleição de Lula, o País está dividido e polarizado, sem lideranças em todos os
setores da sociedade, sem partidos políticos com programas definidos, com o
Congresso e o Judiciário com poderes e com voz amplificadas e o Banco Central
independente. As prioridades políticas, econômicas, sociais e de defesa
mudaram.
No âmbito regional, a América do Sul, com
crescente criminalidade, pesada burocracia e grave déficit educacional está
mais desintegrada, mais empobrecida e mais marginalizada. As crises na
Argentina e na Venezuela têm impacto sobre o Brasil. Tornaram-se flagrantes a
ausência de liderança do Brasil e o aumento da presença de potências
extrarregionais, como a China.
No contexto global, além da crescente
rivalidade entre a China e os EUA, as guerras na Europa, entre a Rússia e a
Ucrânia, e no Oriente Médio, entre Israel e o Hamas, com o risco de escalada,
colocam riscos para o Brasil. Potências regionais, como Índia, Turquia,
Indonésia e os países do Golfo, defendem seus próprios interesses e escolhem
suas parcerias dependendo do que está em jogo. Mesmo em questões de grande
visibilidade e envolvimento dos EUA, como o apoio à Ucrânia em sua luta contra
a Rússia, a percepção é de que se trata de problema ocidental, sem interesse
para o não Ocidente. Na medida em que uma nova ordem começa a se configurar,
surge a competição sobre o que vai substituí-la.
Finalmente, a ordem internacional baseada em
regras negociadas em instituições internacionais criadas depois de 1945, como
as Nações Unidas, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt) e agora a
Organização Mundial de Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional e o
Banco Mundial, perderam força. As regras baseadas nessa ordem internacional
continuam a existir, mas as instituições estão paralisadas por ações
individuais ou por desacordos entre seus membros. Discute-se uma nova
governança global. Em comércio e política industrial, até os EUA estão
implementando políticas antiglobalização, condenadas no passado e que
penalizaram países, como o Brasil.
Depois de um ano e meio de governo, apesar da
correta definição das principais prioridades na área externa (presença do
Brasil no cenário internacional, meio ambiente e mudança de clima e América
Latina), poucos avanços concretos – que estariam beneficiando o Brasil – podem
ser identificados.
Nesse cenário, os principais elementos de uma
política externa, adequada para o mundo de hoje, deveriam incluir, entre
outras, as seguintes linhas de atuação:
- Voltar a ser uma política de Estado, com
visão de médio e longo prazo, sem influências ideológicas ou partidárias.
- Manter equidistância e independência na
defesa do interesse nacional, sem tomar partido ou lado nos conflitos e
confrontações que ocorrem hoje no cenário global.
- A voz do Brasil, como potência média
global, deve ser ouvida nos vários tabuleiros e fóruns internacionais, sem
alinhamento automáticos, reconhecendo, porém, suas limitações, pela ausência de
excedente de poder, para influir em temas cujos resultados dependem de outros
interesses.
- As prioridades definidas pelo atual governo
na área externa deveriam ser implementadas com políticas que efetivamente
representem interesses do País: na América do Sul, assumir a liderança com
propostas concretas (melhorar infraestrutura como estratégia de abertura para a
Ásia; criação de cadeias produtivas globais para atração de investimentos,
defesa da democracia e as relações com a Argentina e Venezuela); no comércio
exterior, visando à redução das vulnerabilidades, com a diversificação de
mercados e de produtos e a negociação de novos acordo de livre comércio, a
finalização dos acordos com a União Europeia e a área de livre comércio na
Europa e a abertura de conversação dos diferentes grupos econômicos e
comerciais com a Ásia.
- O Itamaraty deveria recuperar sua
competência de coordenação interna em relação às ações externas em áreas como
meio ambiente, mudança de clima, negociações comerciais e temas globais (em
especial, democracia, direitos humanos, mudança de clima, defesa e segurança).
Do ponto de vista do Brasil (não de um
partido político), a política externa deve visar a maior e mais consistente
presença do Brasil no mundo e a benefícios concretos para o comércio exterior e
aos investimentos que ajudem o crescimento da economia, com o fortalecimento da
indústria, a diversificação do mercado externo para produtos agrícolas, o
aumento da renda interna, a redução das desigualdades regionais e individuais,
a segurança e a defesa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário