Decisão do Copom de manter juros reforça credibilidade
O Globo
Ante a deterioração das expectativas
de inflação para este ano e 2025, BC adota cautela
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) manteve a taxa básica de juros em 10,5% ao ano. A decisão unânime de deixar a Selic com o mesmo percentual de maio se justifica pela piora nas projeções de alta de preços. Desde a reunião anterior da autoridade monetária, realizada em junho, as estimativas para este ano e o próximo subiram. A de 2024 para 4,10% e a projetada para 2025 para 3,96%, ambas acima do centro da meta, que é de 3%. Com a troca de comando no BC próxima e ataques de dentro do governo à política de juros, o Copom optou pela cautela para ancorar as expectativas.
A divulgação pelo IBGE na semana passada da
prévia da inflação oficial
de julho (0,30%), acima da esperada por analistas econômicos, reforçou a
deterioração das previsões deste ano. No acumulado em 12 meses, o percentual
fechou em 4,45%, superior aos 4,06% até o mês anterior. Logo após a tragédia
climática no Rio Grande do Sul, parecia que o comprometimento de algumas safras
teria impacto negativo fora do comum na alta de preços. O anúncio da redução do
ritmo de crescimento da inflação de alimentos de junho levou a novas
estimativas para o ano fechado de 2024. Ainda que menos pessimistas, elas
continuam elevadas. Fatores como os reajustes das tarifas de energia e dos
combustíveis também jogaram os índices para cima.
Uma das fontes de pressão inflacionária tem
sido a instabilidade da taxa de câmbio. Com os questionamentos sobre a
credibilidade da política fiscal, a percepção de risco aumenta, o real se
deprecia e eleva os valores de produtos importados e dos cotados em dólar.
Anunciado na terça-feira, o detalhamento do congelamento de gastos de R$ 15
bilhões previsto para este ano não dissipou as dúvidas sobre a notória
propensão do governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva de gastar mais que arrecada. Ainda é persistente a desconfiança sobre o
compromisso de acabar 2024 com as contas
públicas equilibradas.
O trabalho do Copom de ancorar as
expectativas de inflação poderá receber uma ajuda involuntária do exterior.
Após reunião do Fed, o banco central americano, também realizada nesta
quarta-feira, os analistas passaram a acreditar numa redução da taxa de juros
no segundo semestre. “Se a inflação se reduzir de acordo com as expectativas, o
corte da taxa em setembro estaria na mesa”, declarou o presidente do Fed,
Jerome Powell. Caso confirmada, a medida diminuiria a atratividade dos
investimentos nos Estados Unidos e aumentaria a entrada de dólares em países
emergentes, diminuindo sua cotação ante as moedas locais.
Com ou sem ajuda externa, o BC precisará se
manter atento para blindar sua credibilidade em momento de transição. Em
dezembro, acaba o mandato do atual presidente, Roberto
Campos Neto, alvo preferencial de críticas de Lula. O presidente ainda
precisa indicar o sucessor. O histórico de tentativas de interferência na
condução da política monetária é um complicador. A decisão anunciada nesta
quarta-feira de deixar a Selic em patamar elevado reforça a imagem autônoma do
BC. Sem independência, não há como conduzir de forma satisfatória as
expectativas de inflação.
Bronze na ginástica deve inspirar projetos em
outras modalidades
O Globo
A conquista inédita que emocionou o
Brasil é resultado de mais de quatro décadas de trabalho contínuo
O Brasil tem motivos para celebrar a inédita
medalha (de bronze) por equipes na ginástica artística durante a Olimpíada de
Paris. Primeiro, porque a conquista de terça-feira na Arena Bercy coroa um
trabalho de mais de quatro décadas, período em que o Brasil saltou de
competidor sem praticamente nenhuma chance a concorrente na disputa por um
lugar no pódio com as maiores potências da modalidade. Segundo, porque o feito
acontece numa das provas mais nobres dos Jogos. Por fim, porque é fruto de um
esforço coletivo. A façanha de Rebeca
Andrade, Flavia
Saraiva, Jade Barbosa, Julia Soares e Lorrane Oliveira em solo
parisiense é incontestável. Não se deve subestimar o impacto que o sucesso das
ginastas tem na prática de esportes e na autoconfiança de jovens brasileiras.
O cenário mudou desde os Jogos de Moscou, em
1980, quando Claudia Magalhães se tornou a primeira brasileira a disputar a
ginástica artística. Na época, o Brasil era apenas um intruso num clube
fechado. De lá para cá, os pódios por equipes foram dominados por potências
olímpicas como União Soviética/Rússia, EUA, China, Romênia, Alemanha, com
eventuais participações de Grã-Bretanha e Itália.
As mudanças aconteceram aos poucos, de forma
lenta, porém consistente. Os resultados colhidos agora refletem o trabalho de
outras ginastas que abriram portas e trouxeram patrocínio, a despeito das
adversidades conhecidas. Está aí o legado de Tatiana Figueiredo, Soraya
Carvalho, Luisa Parente, Daniele Hypólito, da campeã mundial Dayane dos Santos,
Lais Souza e tantas outras. A almejada medalha por equipes não surgiu do nada.
Foi construída ao longo do tempo. “Hoje podemos dizer que temos uma escola de
ginástica brasileira”, afirma Jade Barbosa.
Antes de Paris, os melhores desempenhos da
ginástica brasileira por equipes haviam sido os oitavos lugares em Pequim 2008
e Rio 2016. Embora o salto de Rebeca Andrade, com nota de 15.100, a maior de
todas, tenha catapultado a equipe brasileira ao pódio, a conquista seria
impossível sem o bom desempenho das outras atletas.
O êxito mostra mais uma vez que é possível
mudar cenários aparentemente imutáveis. Até os anos 1980, o vôlei brasileiro
era apenas mais um esporte. Nas últimas décadas, se transformou numa potência
mundial. Já são cinco ouros olímpicos, três no masculino (Barcelona 1992,
Atenas 2004 e Rio 2016) e dois no feminino (Pequim 2008 e Londres 2012), sem
contar outros pódios.
O triunfo na ginástica artística em Paris,
que poderá ser ainda maior, uma vez que há outras disputas de medalhas com
participação de brasileiras, aponta um caminho para o Brasil. Mostra que,
independentemente de desempenhos muitas vezes frustrantes, se houver base
sólida, preparação eficaz, investimentos na formação de atletas de alto nível
e, principalmente, desenvolvimento de um trabalho sério e duradouro, os
resultados aparecem. Não há dúvida de que o brilho de Rebeca e companhia poderá
inspirar outras meninas a sonhar com conquistas.
Fed indica que pode cortar juro logo e BC,
que vai demorar
Valor Econômico
Enquanto Fed sugeriu que pode cortar juros em
setembro, comunicado do BC indicou que, se alguma ação de política monetária
tiver de ser tomada, ela seria de maior endurecimento
O Federal Reserve americano (Fed) e o Banco
Central brasileiro (BC) deram ontem os sinais que se esperavam deles. O Fed
tornou mais explícito que poderá começar a cortar os juros em setembro. O
Comitê de Política Monetária (Copom) acrescentou mais um fator de risco — a
valorização do dólar — a seu balanço de riscos e avançou com um cenário
alternativo de Selic a 10,5% até o primeiro trimestre de 2026, quando a
inflação projetada será de 3,2%, maior que os 3,1% esperados para 2025. O
comunicado indicou que, se alguma ação de política monetária tiver de ser
tomada, ela seria na direção de maior endurecimento.
O presidente do Fed, Jerome Powell, indicou
que há mais confiança de que a inflação está caminhando para a meta de 2% e que
o mercado de trabalho esfriou o suficiente para que o banco possa vislumbrar um
juro menor em breve, desde que os indicadores continuem sendo positivos como os
últimos têm sido. “A hora está chegando”, disse Powell.
O Fed mudou o comunicado da reunião para
apontar uma mudança próxima. Nele se registra que “o comitê está atento aos
riscos dos dois lados de seu mandato”, a saber, os que envolvem a inflação e o
comportamento do emprego. No documento anterior, mencionava apenas os riscos
inflacionários. O desemprego cresceu para 4,1% em junho, mais ou menos em linha
com as projeções feitas pelos membros do banco na reunião de junho. Isso
significa que o aperto monetário deslocou parte das preocupações do Fed para os
efeitos dos juros sobre o mercado de trabalho, já que seus efeitos de contenção
sobre a inflação, embora mais lentos do que o esperado, se confirmaram nos
últimos meses.
Embora a taxa de 4,1% de desemprego seja
historicamente baixa, como qualificou Powell, ela veio subindo gradativamente,
e o mercado de trabalho, esfriando na mesma medida. As ofertas de emprego em 12
meses chegaram em junho a 8,2 milhões, ante 12 milhões na mesma época em 2022.
Outra medida importante sobre o estado do mundo do trabalho, a relação entre
vagas abertas e trabalhadores disponíveis caiu para 1,2 em junho, ante 1,24 em
maio. A média trimestral se situou em 1,22, uma razão significativamente inferior
ao 1,96 observado em 2022.
Os salários refletiram o gradual esfriamento
da oferta de vagas. Os do setor de serviços avançaram 4,2% ao ano no segundo
trimestre, enquanto os da indústria subiram 3,5%. Embora acima da inflação
anual (2,6% pelo índice de gastos pessoais de consumo), eles são compatíveis
com a meta de inflação de 2%, quando ajustados pelo aumento da produtividade da
economia americana, de 1,8%, segundo a consultoria Oxford Economics.
Embora tenha mantido os juros entre 5,25% e
5,5%, Powell apontou que os números desfavoráveis para a inflação do início do
ano ficaram para trás e deram lugar a outros que indicam queda contínua e que o
mercado de trabalho deixou de estar muito aquecido, de forma que “não é mais
fonte de pressão inflacionária”, embora esteja longe de indicar uma tibieza que
prenuncie recessão.
A preocupação com o momento certo de cortar
os juros, para evitar que a economia esfrie muito, é um dos dilemas do Fed.
Powell negou várias vezes que o banco enxergue o aumento das chances de um
“pouso forçado” e disse que isso simplesmente “não está nos dados”. As
atividades econômicas, segundo ele, mantêm um ritmo sólido — o PIB americano
cresceu 2,8% no segundo trimestre do ano —, e o mercado de trabalho está em boa
forma, com os indicadores se aproximando dos observados antes da pandemia. O
Fed, no entanto, quer ter mais dados que confirmem o cenário favorável antes de
iniciar o desafogo monetário.
Já o Copom manteve seu cenário de que a
economia brasileira e o mercado de trabalho têm “dinamismo maior que o
esperado” e que os indicadores de inflação subjacente estão acima da meta de
3%. No entanto, o comunicado deixa claro que atingir a meta será mais difícil.
Com a taxa de juros constante a 10,5%, 2025 fecharia com IPCA em 3,1% pela
projeção em cenário alternativo anterior. Agora, seria de 3,4%, com desvio mais
relevante. O Copom indicou que prevê inflação de 3,2% em período mais longo, no
primeiro trimestre de 2026. A mudança se deve aos efeitos da valorização do
câmbio.
Apesar de ter mantido o balanço de riscos
equilibrado, novo fator foi acrescentado entre os que podem levar o IPCA para
cima: a “conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto
inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente
mais depreciada”. No cenário de referência, o BC considerou agora uma taxa de
câmbio a R$ 5,55 (ante R$ 5,30 na reunião anterior) e projetou IPCA de 3,6%
para o ano que vem.
O comunicado acrescentou, em relação ao
anterior, que “os impactos inflacionários decorrentes dos movimentos das
variáveis de mercado e das expectativas de inflação, caso se mostrem
persistentes, corroboram a necessidade de maior vigilância”. Esse último termo
significa, se o quadro descrito se confirmar, que a taxa Selic terá de subir.
Lula normaliza a fraude eleitoral de um ditador
Folha de S. Paulo
Declaração sobre o pleito farsesco na
Venezuela é cínica; menos vexatório para o país é persistir na cobrança dos
dados
Se a reação da chancelaria brasileira à farsa
eleitoral venezuelana foi tardia e tímida, mas ao menos buscou um tom de
cobrança, a de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
foi de um cinismo vil e cúmplice.
"Não tem
nada de grave, não tem nada de assustador", disse Lula em
entrevista. "Não tem nada de anormal. Teve uma eleição. Teve uma pessoa
que disse que tem 51%, tem outra pessoa que teve 40 e pouco por cento. Um
concorda, o outro não, entra na Justiça, e a Justiça faz."
Com lógica e tortuosa, o presidente da
República evoca sua tristemente célebre observação do ano passado sobre a
Guerra da Ucrânia,
ao nivelar a Rússia invasora
e o país invadido —"Quando um não quer, dois não brigam".
O petista, mais uma vez, deixa escrúpulos de
lado na defesa acovardada de tiranias que partem de um camarada seu, seja Vladimir
Putin, seja Nicolás
Maduro.
Nada houve de anormal, depreende-se de sua
fala, em uma eleição cujo órgão organizador impediu sucessivamente candidaturas
de oposição e cancelou o
convite a observadores da União Europeia —afora a prisão de
dezenas de cidadãos contrários ao regime chavista durante a campanha.
Nada houve de anormal, para Lula, na
divulgação opaca de um resultado que contrariou as pesquisas de intenção de
voto, após mais de seis horas sem nenhuma informação sobre os números das
urnas.
Os descontentes, segundo a cândida
recomendação do petista, devem recorrer à Justiça —num país em que até o
Parlamento teve seus poderes esvaziados, sete anos atrás, após uma vitória
oposicionista no pleito legislativo.
Enquanto o mandatário brasileiro discorria
sobre a normalidade da eleição, considerada "pacífica, democrática e
soberana" por seu partido, as ruas de Caracas e outras cidades
venezuelanas eram tomadas por
protestos populares que resultaram em ao menos 11 mortes e
centenas de presos.
A Organização dos Estados Americanos (OEA)
não reconheceu a reeleição de Maduro, apontando haver indícios de distorção do
resultado. Os governos de esquerda do Chile e da Colômbia, entre muitos outros
da região, manifestaram publicamente suas dúvidas quanto à lisura do pleito.
Longe de microfones e holofotes, Lula
conversou por telefone com o americano Joe Biden e,
segundo a Casa Branca, concordou com a necessidade de divulgação completa e
imediata dos dados relativos à votação na Venezuela.
Foi essa a posição inicial do Itamaraty,
que mostra o caminho menos desonroso a ser seguido pelo Brasil. Infelizmente, o
descaramento de Maduro e a pusilanimidade do presidente brasileiro parecem nos
reservar mais vergonhas.
Saúde polarizada
Folha de S. Paulo
Eleição no CFM escancara politização do
órgão, que deve se pautar pela ciência
O Conselho Federal de Medicina (CFM) é uma
autarquia que tem o papel de fiscalizar e normatizar a prática médica para
proteger a saúde da população. Assim, é temerária sua politização verificada
nos últimos anos e, agora, refletida
na eleição dos novos conselheiros.
Na votação a ser realizada nos dias 6 e 7 de
agosto, quatro chapas estão em disputa: "JUNTOS por uma categoria médica
mais forte","Força Médica", "ConsCiência CFM" e
"Experiência e Inovação".
Em campanhas nas redes sociais, a primeira tem divulgado peças com apoio de
políticos do PL de Jair
Bolsonaro, além de críticas a Luiz Inácio Lula da
Silva e ao PT.
A "Força Médica", que se descreve
como "chapa de direita conservadora", divulga pedidos de votos do
empresário Luciano Hang e
do ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga —bolsonaristas notórios.
Não se trata de questão menor. O CFM tem se
baseado em ideologia para interferir em políticas públicas, numa atitude
incompatível com a missão do órgão.
Durante a pandemia, transigiu com drogas ineficazes
contra a Covid-19, como a hidroxicloroquina; em 2022, limitou
a prescrição do canabidiol (CBD), um dos princípios ativos da maconha;
ao se opor ao aborto legal
por telemedicina em 2023, desconsiderou a ciência e
as desigualdades do país.
Em janeiro deste ano, estimulou
questionamentos sobre a vacina contra a Covid para crianças de 6 meses a 5 anos
de idade. E, em junho, vedou a
assistolia fetal após a 22ª semana de gestação —método
preconizado pela OMS para
a interrupção da gravidez tardia.
Tal decisão impulsionou na Câmara dos
Deputados a tramitação do insensato projeto de lei 1.904/24,
que permite a prisão de quem realiza aborto após a 22ª semana de gestação,
incluindo mulheres estupradas, que pelo texto podem ter pena superior a de seus
agressores.
Já que tem o poder de normatizar e fiscalizar a prática médica, investigar e punir profissionais, os conselheiros do CFM deveriam se pautar por evidências e diagnósticos de políticas públicas, não por uma polarização política rasteira que em nada contribui para a promoção da saúde dos brasileiros.
Lula insulta democratas e envergonha o Brasil
O Estado de S. Paulo
Quando diz que a fajuta eleição venezuelana
foi normal, o presidente brasileiro desrespeita os corajosos cidadãos que põem
em risco a própria vida para enfrentar a tirania de Maduro
Ao dizer que “não tem nada de grave, nada de
anormal” ocorrendo na Venezuela após a fajuta vitória do ditador-companheiro
Nicolás Maduro na eleição de domingo passado, o presidente Lula da Silva
desrespeitou profundamente todos os venezuelanos que lutam pela democracia e
que, nessa missão, muitas vezes colocam em risco a própria vida.
O comportamento de Lula é uma vergonha para o
Brasil e para os brasileiros que prezam pela democracia e pelos direitos
humanos, independentemente de suas afinidades político-ideológicas. Com um
cinismo incomum até para os padrões lulopetistas, o presidente da República
tratou a eleição no país vizinho como um pleito justo, no qual “as pessoas que
não concordam” com o resultado podem recorrer à Justiça e “o governo tenha o
direito de provar que está certo”. A falsa isonomia de Lula é de uma crueldade
repulsiva com todos os que ousam enfrentar o tacão do regime chavista, pois o
petista sabe muito bem que “Justiça” na Venezuela tem nome e sobrenome: Nicolás
Maduro.
Ciente de que suas alternativas à derrota nas
urnas eram ou o exílio ou a prisão – e possivelmente nos Estados Unidos, onde
enfrenta uma série de processos criminais –, Maduro tem feito o diabo na
Venezuela para se aferrar ao poder. Tanto faz que roubar uma eleição na qual
foi fragorosamente derrotado, por incrível que pareça, talvez tenha sido o mais
leve de seus crimes até o momento.
Enquanto Lula acha que está tudo “normal” na
Venezuela, o Centro Carter, única instituição independente que pôde atuar como
observadora do pleito, concluiu oficialmente que a eleição “não atendeu aos
padrões internacionais de integridade eleitoral em nenhum de seus estágios e
violou numerosas determinações de sua própria legislação nacional”, razões
pelas quais “não pode ser considerada democrática”.
Não satisfeito em subverter a soberania da
vontade popular, o ditador lançou as forças do Estado e as milícias a serviço
de seu regime de opressão contra os seus concidadãos que ousam contestar, com
destemor e espírito cívico, a brutal ditadura chavista. Apenas 72 horas após a
“diplomação” de Maduro, as mortes de opositores da ditadura já se contam às
dezenas na Venezuela; sequestros e prisões arbitrárias, às centenas.
Nada disso é “grave” o bastante ou “anormal”
para Lula, ele mesmo vítima de uma tentativa de golpe de Estado uma semana após
ter tomado posse, no fatídico 8 de Janeiro. É que, conforme Lula disse alhures,
“o conceito de democracia é relativo”: para o petista, enquanto a Venezuela do
ditador Maduro é um país plenamente democrático, o Brasil que afastou a
presidente Dilma Rousseff num processo previsto na Constituição e amplamente
corroborado por instituições livres e soberanas testemunhou um “golpe”.
Quando olha no espelho e ajeita a gravata
todas as manhãs, Lula decerto enxerga um grande estadista. Na realidade, porém,
o petista é apenas um peão nesse rearranjo geopolítico que há alguns anos tem
nas disputas entre os Estados Unidos e a China o seu eixo central. Lula fez uma
escolha inequívoca nessa contenda. Mas o assento a que foi relegado é bem mais
modesto do que aquele sobre o qual ele imagina estar sentado.
Como lhe faltam as condições militares e
econômicas para elevar o Brasil à condição de interlocutor relevante nas
grandes discussões geopolíticas atuais – um delírio que serve apenas para
alimentar sua conhecida egolatria –, Lula se permitiu ser usado por autocratas
como uma espécie de avalista de ditaduras mundo afora. Nesse sentido, Lula
emprega o que ainda resta de soft power ao Brasil e todo o
vigor de nossa democracia para normalizar tiranias que ele vê como vanguarda da
oposição ao Ocidente em geral e aos Estados Unidos em particular.
A defesa da Venezuela como um dos membros do
tal “Sul Global” se coaduna com essa visão miúda do petista – uma visão que,
além de desrespeitosa com a Constituição e com a digna tradição diplomática do
Brasil, trai a decência do povo brasileiro.
Brincando com fogo
O Estado de S. Paulo
Dívida bruta cresce consistentemente desde o início de 2023 e atinge 77,84% do PIB, mas governo Lula não parece nada preocupado com as consequências dessa política temerária
A dívida bruta brasileira atingiu em junho R$
8,69 trilhões, o equivalente a 77,84% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo
dados divulgados pelo Banco Central (BC). Houve um avanço nada trivial em
relação ao mês de maio, quando a dívida bruta correspondia a 76,7% do PIB. Foi
também o maior nível de endividamento desde novembro de 2021, quando a relação
entre a dívida bruta e o PIB atingiu 78,20%. O resultado nada mais é do que um
reflexo da política fiscal expansionista do governo. E, se a fotografia é ruim,
o filme tampouco é melhor.
A dívida bruta na proporção do PIB tem subido
consistentemente desde o começo do ano passado e já aumentou 3,4 pontos
porcentuais desde janeiro, ampliando ainda mais a diferença entre o grau de
endividamento do País e a média dos países emergentes. Calculada por critérios
um pouco diferentes, a dívida bruta brasileira, segundo o Fundo Monetário
Internacional (FMI), atingiu 86,72% do PIB, enquanto a média dos países em
desenvolvimento na América Latina gira em torno de 68,47% do PIB.
O problema de ter uma dívida tão alta
comparativamente a economias semelhantes é que ela exige juros maiores para ser
financiada. E o custo de carregamento da dívida brasileira, por óbvio, já é bem
mais alto que o de países vizinhos. Segundo o Tesouro Nacional, em 2021, o País
gastava 6,68% do PIB em transações da dívida pública, mais que a média de 4,13%
de países da América Latina e que os 2,28% de economias emergentes.
O governo Lula da Silva pode até argumentar
que a dívida bruta passou a refletir os precatórios, que estavam “escondidos”
pelo limite imposto pela emenda constitucional proposta pela administração Jair
Bolsonaro e aprovada pelo Congresso. É verdade, mas seria injusto atribuir a
dinâmica da dívida bruta nos últimos meses apenas à regularização do pagamento
de precatórios.
Haverá quem culpe o Banco Central, que
interrompeu o ciclo de redução da taxa básica de juros em junho, mais cedo do
que o Executivo imaginava, contribuindo para elevar o custo da dívida. O certo
é que não se deve esperar uma dose de autocrítica do governo pelo fato de ter
ampliado o limite de gastos deste ano e alterado as metas fiscais de 2025 e
2026 em abril – antes, portanto, da decisão do BC.
A mudança das metas contribuiu
consideravelmente para elevar incertezas alimentadas pela manutenção dos juros
norte-americanos. A verborragia do presidente Lula da Silva contra o BC e a
responsabilidade fiscal piorou esse quadro. Nem mesmo o anúncio de congelamento
de despesas de R$ 15 bilhões foi suficiente para reverter o estrago.
Os dados da dívida bruta são úteis para expor
o ciclo vicioso no qual o Brasil entrou e do qual não consegue sair. Quando o
País gasta mais que arrecada, gera um rombo nas contas públicas que precisa ser
financiado com emissão de dívida. Quanto maior a dívida, maior o juro; quanto
maior o juro, maior o custo de carregamento da dívida; quanto maior o custo de
carregamento da dívida, maior o esforço necessário para estabilizá-la. Em
outras palavras, déficits primários aumentam a dívida bruta de maneira imediata.
A principal vulnerabilidade da economia
brasileira ainda é a política fiscal, e o comportamento da dívida bruta só
explicita o tamanho do problema. Atacar a política monetária é apenas uma
estratégia para desviar o foco.
Há outro aspecto que deveria preocupar o
governo: a dívida bruta tem crescido a despeito dos bons resultados que o País
tem registrado em termos de crescimento econômico. Isso reforça a tese de que o
avanço do PIB, sozinho, não será suficiente para estabilizar a curva da dívida.
A interrupção dessa dinâmica depende de uma
decisão que cabe unicamente ao governo. É preciso ir além de bloqueios,
contingenciamentos e pentes-finos em programas sociais e assistenciais e
reduzir as despesas de maneira efetiva e estrutural para reduzir o déficit e,
futuramente, voltar a gerar superávits primários. Só assim será possível ter
uma taxa de juros que não contenha os investimentos tão necessários ao
crescimento econômico.
Israel risca o fósforo
O Estado de S. Paulo
Israel retalia Irã, Hamas e Hezbollah,
elevando a chance de uma guerra que ninguém quer
Foi um grande dia para o serviço secreto de
Israel, o maior desde a humilhação no 7 de Outubro, quando terroristas
palestinos penetraram o país, massacraram mais de 1.200 pessoas e sequestraram
mais de 200. Na terça-feira, foi a vez de Israel humilhar brutalmente o Irã e
as duas principais milícias do seu “Eixo de Resistência”, o Hezbollah e o
Hamas.
Como de hábito nessa guerra nas sombras, os
detalhes são opacos e as consequências, imprevisíveis. Em retaliação a um
ataque a míssil (que o Hezbollah não assume) que matou 12 crianças num campo de
futebol nas Colinas de Golan, as forças israelenses bombardearam um prédio em
Beirute onde estaria um alto comandante do Hezbollah, Fuad Shukr. O Hezbollah
não confirmou a morte. Horas depois, outro míssil matou o líder político do
Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerã, onde estava para participar da posse do novo presidente
iraniano. Israel não confirma nem nega a autoria. Mas todos ouviram a mensagem:
o alto escalão do autoproclamado “Eixo de Resistência” não está a salvo em
lugar nenhum. Foi uma demonstração de força, com grande potencial dissuasório,
mas também grandes riscos.
De pronto, as negociações para um cessar-fogo
em Gaza serão retardadas. Além de perpetuar a calamidade dos palestinos, isso
continuará abastecendo as tensões entre o Hezbollah e Israel, que têm trocado
disparos desde o 7 de Outubro.
O pior cenário seria uma escalada por parte
do Hezbollah – que tem um poder de agressão muito maior que o do Hamas – ou
ataques das outras milícias do Eixo ou mesmo do Irã. Mas é improvável. Alguma
retaliação há de vir. Mas pode ser calculada para arrefecer, antes que acirrar
os ânimos, como no toma lá dá cá entre Irã e Israel em abril.
Na ocasião, o gatilho foi o assassinato de um
oficial iraniano em Damasco. Agora, o ataque foi em Teerã, mas a um líder
palestino. O Irã vive instabilidades domésticas, após a morte súbita do último
presidente. Embora as hostilidades entre o Hezbollah e Israel tenham sido
contínuas, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, explicitou que cessaria os
ataques no momento em que um cessar-fogo fosse pactuado em Gaza. A condição
implícita de Israel – de que o Hezbollah recue na fronteira – é realista e não
sugere interesse em intensificar o conflito.
Haniyeh vinha advogando por um cessar-fogo, e
sua morte pode dar mais ingerência ao líder militar do Hamas, Yahya Sinwar, que
resiste a concessões. Por outro lado, Israel tem eliminado colegas de Sinwar,
que está cada vez mais isolado e pressionado pelos palestinos. O premiê
Benjamim Netanyahu tem sido ambivalente a propósito de um acordo. Mas, se
quiser, os triunfos de terça podem lhe dar mão forte nas negociações.
A verdade é que nem Israel, nem o Hezbollah, muito menos o Irã e menos ainda o principal aliado de Israel, os EUA, querem uma conflagração. Mas os ataques de terça tornam a situação mais volátil, e um erro de cálculo, mais perigoso. A iniciativa está com o Irã e o Hezbollah e os próximos dias revelarão suas intenções. Por ora, uma coisa é certa: o mundo se livrou de dois carniceiros.
Trabalho escravo ainda desafia o Brasil
Correio Braziliense
Por mais rigorosa que seja a legislação, o
modelo colonial de acumular riqueza se pauta pelo desrespeito à legislação
trabalhista e aos direitos humanos
De acordo com integrantes das equipes que
enfrentam a escravidão, o trabalho aviltante é uma das faces da profunda
desigualdade brasileira - (crédito: Secretaria de Inspeção do
Trabalho/Reprodução)
Passados 135 anos da abolição da escravidão,
a prática brutal de exploração da mão de obra humana é uma dura realidade no
Brasil. Relatórios dos ministérios da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e do
Trabalho e Emprego (MTE) revelam que a maioria das vítimas do trabalho escravo
é homens, sendo 80% pretos e pardos.
Entre 2021 e 2023, o Grupo Especial de
Fiscalização Móvel (GEFM) do Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 8.415
brasileiros em condições análogas às da escravidão. Desse total, 6.734 (80%)
eram negros; 1.497 (18%), brancos; e 148 (2%), indígenas. Com relação ao
recorte de gênero, 7.115 (84%) eram do sexo masculino. Os dados oficiais
reconhecem que, além de ser submetida ao trabalho escravo, boa parte das
vítimas sofre com a exploração sexual.
O Ministério da Justiça reconhece que faltam
dados em relação aos povos indígenas, especialmente no Mato Grosso do Sul, onde
o povo Guarani-Kaiowá perdeu grande parte do seu território para
invasores e grileiros das terras indígenas. Trata-se de uma disputa que começou
na Guerra do Paraguai (1864-1870) e obrigou os guaranis a deixarem suas terras.
O prazo constitucional de cinco anos para a regularização das terras indígenas,
a partir da promulgação da Carta Magna de 1988, não foi cumprido pelo Estado
brasileiro.
O Brasil do século 21 ainda guarda cenários
típicos do período colonial, iniciado nos anos 1500, principalmente nas zonas
rurais, onde há um maior número de pessoas submetidas ao regime análogo à
escravidão na agricultura, na pecuária e nos garimpos. Os trabalhadores vivem
em regiões extremamente pobres, nas quais a maioria deles é analfabeta e
desconhece seus direitos. Os recrutadores, chamados de gatos, conseguem
convencê-los com promessas fantasiosas de melhoria de vida, bons salários e
várias outras vantagens, que não se cumprem.
A exploração não ocorre só no meio rural. Ela
se dá também nos grandes centros urbanos, principalmente nas empresas que focam
no segmento de luxo e chegam ao mercado por meio de marcas renomadas. Trata-se
de um processo antigo, que vem se arrastando há décadas no país. Por maior que
seja o esforço dos fiscais, autoridades policiais e até mesmo do Judiciário, a
prática não conseguiu ser erradicada.
Os escravocratas, flagrados pelas autoridades, são punidos com multas elevadas. A punição pecuniária não é suficiente para inibir ou eliminar a exploração criminosa da mão de obra no país. Por mais rigorosa que seja a legislação, o modelo colonial de acumular riqueza se pauta pelo desrespeito à legislação trabalhista e aos direitos humanos, expondo a face do atraso e do obscurantismo de grandes negócios.
Nenhum comentário:
Postar um comentário