Por Marcos de Mora e Souza / Valor Econômico
Lara Mesquita diz que governador tomará sua decisão eleitoral só em março, quando terá que escolher se afasta ou não do governo para se candidatar; naquele momento, terá conversa definitiva com Bolsonaro
O ex-presidente Jair Bolsonaro, que cumpre
pena de prisão por tentativa de golpe de Estado, escolheu seu filho Flávio -
conforme este anunciou na sexta-feira - para representá-lo nas eleições para a
Presidência da República em 2026. Para Lara Mesquita, cientista política e
professora da Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo, o anúncio deve ser
encarado como um movimento provisório e parte de uma jogada política que busca
dar munição à família nas negociações com o próprio campo da direita, sobretudo
com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
No domingo (7), dois dias após o anúncio da
pré-candidatura, Flávio admitiu que pode não levar o projeto até o fim.
"Eu tenho um preço para isso. Vou negociar", disse a jornalistas,
sinalizando que esse "preço" seria a aprovação de uma anistia aos
condenados por atos golpistas, que poderia livrar seu pai da prisão. O senador
afirmou que vai se reunir nesta segunda-feira (8) com dirigentes de partidos de
direita para tratar de sua participação nas eleições.
O governador de São Paulo tem aparecido como
o nome mais forte do bolsonarismo para a disputa com o presidente Lula ao
Planalto no próximo ano. Mesquita avalia que Bolsonaro nutre duas grandes
expectativas em relação ao candidato que vier a disputar pela direita: que
defenda suas bandeiras, de modo a mantê-lo relevante como referência política,
mesmo preso; e que faça o possível para anistiá-lo.
Mas são demandas que Tarcício (muito mais do que alguém da família) talvez tenha dificuldades de bancar, avalia a cientista política.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: O que parece estar por trás do cálculo de
Bolsonaro de indicar o senador Flávio Bolsonaro como pré-candidato ao Planalto?
Lara Mesquita: Primeiro, eu
considero que a indicação do Flávio Bolsonaro seja algo de momento. Eu não
tomaria isso como algo muito definitivo. O ex-presidente Bolsonaro tem essa
forma de atuar, de ir e voltar. Ele havia dito antes que dava carta branca para
Tarcísio de Freitas fazer os movimentos necessários e agora apoia o Flávio,
segundo ele, Flávio, anunciou. Mas essa escolha pode ser uma maneira de
pressionar por acordos que poderão ser negociados com o PL, com uma candidatura
do Tarcísio, com quem quer que seja. Basicamente, pode ser um meio de dizer o
seguinte: se vocês não se acertarem e não fecharem um pacote com a gente, a
gente já tem o Flávio como candidato.
Valor: O que entraria no pacote?
Mesquita: Poderia ser uma
negociação em relação à vice numa chapa de Tarcísio e também chapas de
senadores e governadores. Essa movimentação dos Bolsonaro pode ser uma
sinalização para o governador, para que ele negocie com o grupo da família,
senão esse grupo pode não apoiá-lo. E sem o apoio da família eu acho que o
Tarcísio não sai candidato.
Valor: O que o ex-presidente espera do candidato que
ele vier a apoiar em 2026?
Mesquita: Entendo que
Bolsonaro tenha duas demandas. Uma delas, com certeza, é ter um candidato que
se comprometa a fazer o possível para indultá-lo, para ele sair da prisão. A
segunda demanda é ter um candidato que defenda bandeiras dele, o que faria como
que ele ficasse vivo politicamente. Ou seja, que ele continuasse sendo uma
figura importante na política brasileira, que continuasse sendo sempre
consultado, mantendo, apesar de preso, sua presença na política.
Valor: Tarcísio aparece melhor nas pesquisas do que
Flávio e é visto como candidato preferido entre empresários e investidores.
Nessa condição, ele poderia prescindir de um apoio declarado de Bolsonaro?
Mesquita: Eu acho que
ainda não porque o Bolsonaro ainda carrega consigo uma imagem importante.
Existe a expectativa de que o candidato ungido por Bolsonaro comece com seus
20% de intenções de voto, pelo menos. E isso pode significar mais facilidade
para articular apoios, mais tempo de TV, arrecadação de recursos. Qual é o medo
do Tarcísio? Se ele e Flávio saem candidatos e se o Flávio passa para o segundo
turno, ele terá perdido o governo de São Paulo e ficará sem nada. Então ele, na
minha avaliação, não vai entrar partido na disputa ao Planalto. Ele só vai
entrar na disputa se for um jogo mais ou menos ganho.
Valor: Tarcísio ganhará ou perderá apoio eleitoral se
colocar como um dos motes centrais de campanha a promessa de anistia?
Mesquita: Vamos lembrar
que em 2022, a diferença entre Lula e Bolsonaro foi muito pequena. Tarcísio
acha que poderá trazer aqueles 2% do eleitorado que apoiaram Lula. E acha que
se ele fizer uma campanha num determinado tom vai atrair esses eleitores que
fizeram a diferença em 2022. Mas isso dependerá, em parte, de como esses
eleitores vão reagir em relação a um discurso de anistia a qualquer custo de
Bolsonaro. Neste momento talvez Tarcísio entenda que possa fazer esse discurso
porque até a campanha começar terá passado algum tempo e ele conseguirá,
talvez, matizar declarações sobre anistia. Mas depende da capacidade dele de
convencer Bolsonaro de que não é uma boa estratégia passar a campanha inteira
batendo nessa tecla e não ficar refém do mote da anistia. Uma parcela da
vitória de Lula veio de eleitores que nunca tinham votado no PT. A gente pode
chamar de órfãos do PSDB. Eram eleitores que tentaram Bolsonaro em 2018, mas em
2022 disseram que não era possível repetir o voto.
Valor: O quanto atrapalha as pretensões de Tarcísio
para 2026 a declaração de Bolsonaro em favor do senador Flávio Bolsonaro?
Mesquita: Para o Tarcísio, eu não acho que seja ruim essa declaração do Bolsonaro. Ele continua como governador, continua a fazer as costuras de maneira silenciosa e sem estar com foco, sem ganhar muita pedrada. Ele vai ter que tomar a decisão eleitoral em março quando terá que decidir se afasta do governo ou não para se candidatar e, então, naquele momento, terá uma conversa definitiva com Bolsonaro e colocar as cartas dele.

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