Folha de S. Paulo
Cortes por vezes combinam ativismo e
populismo, mas este não é o caso da decisão sobre o impeachment
A cornucópia de desvios no caso paquistanês
permite distinções finas nas patologias que também se manifestam no nosso STF
Em 2018, comovido com o infortúnio de um
estudante de medicina sem condições de pagar as mensalidades de uma
universidade privada, o presidente da Suprema Corte do Paquistão, determinou que o próprio
tribunal custeasse seus estudos.
Ele também criou uma comissão para a análise da ração de galinhas. E outra para se contrapor a política de taxação zero de remessas do exterior implementada pelo governo. Seus apoiadores justificam suas ações por causa da inação do Poder Executivo. A corte também cancelou os direitos políticos do primeiro-ministro Nawaz Sharif quando vieram à tona os Panamá Papers. Dez anos antes ocorreu o inverso: o governo militar destituiu o então presidente do tribunal e mais 60 juízes. Juízes populistas e juízes independentes por vezes se confundem.
A cornucópia de desvios no caso paquistanês
permite distinções finas nas patologias que podem afligir cortes
constitucionais e que também se manifestam no nosso STF. Mas não as esgotam.
Temos patologias que não aparecem em notórias cortes anômalas como a
paquistanesa.
A lista é longa: de juízes-dublês de
empresário e processos em que parentes dos juízes são defensores, a ministros
que atuam como chefe do controle externo. A generosidade da corte como
provedora de bens individuais, como no exemplo paquistanês, é decerto singular,
mas ainda não chegamos lá.
Mas a expansão da jurisdição constitucional é
ubíqua entre nós. Aqui a distinção da cientista política Lisa Hilbink entre
populismo judicial e ativismo judicial, em paper na Law and social inquiry (2024), é esclarecedora.
Enquanto o populismo judicial pode ser captado
em uma escala que contém um polo onde a responsabilidade com a segurança
jurídica é máxima; o público da decisão é interno (a comunidade jurídica), as
decisões colegiadas e técnicas. E o polo oposto em que há responsividade
(relação direta sem mediações com o "povo", para atender demandas que
o sistema representativo não garantiria; o público é externo (a opinião
pública); a decisão é individual (o juiz herói ); e os procedimentos
descumpridos.
O ativismo judicial, por sua vez, refere-se
ao conteúdo substantivo da decisão e não da sua forma. Pode ser mensurado em
escala semelhante entre dois polos. De um lado, máxima autocontenção e
deferência em relação à legislação/interpretações consolidadas; de outro,
"inovação" institucional, que chega à anulação e substituição de
decisões de outros Poderes. As consequências: o que Yasser Kureshi (Oxford) denomina
institucionalização dissonante que mina a legitimidade do sistema político pela
espiral de reações que deflagra.
Como Hilbink argumenta, não há correlação
necessária entre populismo e ativismo judiciais. É também o que observamos na
decisão cautelar do ministro Gilmar Mendes em relação à Lei do Impeachment. Mas há aqui, na realidade, mais que
ativismo. Mas ação política instrumental sobre as regras do jogo da separação
de Poderes. Intervenção com apelo técnico e marcada por discrição. Não há aqui
um juiz buscando "acelerar" o processo de mudança social. Mas a
figura insidiosa do juiz misto de árbitro e jogador.

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