Achille Occhetto
(Tradução de Josimar Teixeira)
DEU EM L’UNITÁ
Publicado em 18/10/2008
Um dos órgãos vitais do capitalismo – a finança – foi atacado por um mal terrível, que ameaça se estender a todo o sistema, passar da crise creditícia e bancária à crise da economia real.
Nesta situação, indiscutivelmente arriscada para todas as classes sociais, colocou-se o problema da mais ampla solidariedade possível para socorrer o sistema bancário. Não há dúvida de que a ameaça de colapso dos fundos de pensão, insolvência dos bancos e falência das companhias de seguro atinge a segurança e o futuro de todos os cidadãos. Nesta situação dramática, tornava-se e torna-se necessário um esforço comum para enfrentar a crise. Mas tal esforço não podia e não pode prescindir de uma constatação precisa.
Diante desta crise não somos todos iguais: existem os culpados e existem as vítimas. Por isso, também na ação de socorro deve-se distinguir entre intervenção imediata para reanimar o sistema bancário e apoio ao velho modelo de desenvolvimento.
Nas grandes crises epocais, a diversidade dos interesses e o conflito social não desaparecem; ao contrário, acirram-se e manifestam-se sob formas diferentes daquelas do passado. Por isso, a esquerda não pode se dividir entre solidariedade unanimista e protesto corporativo.
É preciso lançar um manifesto de comportamento que trace em grandes linhas a relação que deve haver entre a esquerda – e, mais em geral, o centro-esquerda – e a crise.
Eis alguns possíveis pontos fundamentais de tal manifesto:
1. Estamos prontos para assumir as nossas responsabilidades nacionais e internacionais para enfrentar a emergência do modo mais rápido e eficaz possível, mas através de uma nítida distinção entre o resgate imediato do sistema bancário, a eliminação das causas da bolha financeira e imobiliária, a reanimação do mercado dos empréstimos interbancários, por um lado, e o resgate dos banqueiros e dos dirigentes políticos que criaram a crise, por outro.
2. Fazemos uma nítida distinção entre resgate do sistema financeiro e relançamento do velho modelo de desenvolvimento. O próprio resgate do sistema financeiro não deve ser funcional à retomada do modelo de desenvolvimento neoliberal. No momento mais agudo da crise, os gurus do neoliberalismo redescobriram o valor da mão pública, desde as formas mais indiretas – como as que vão de amplas injeções de dinheiro estatal à co-participação nos institutos de crédito privados – até às decisões, tomadas no santuário do neoliberismo, de nacionalização no sentido mais próprio do termo. Depois de termos sido obrigados, por uma década, a engolir poeira, arrastados atrás do carro do triunfo neoliberal, assistimos a uma mudança de clima inimaginável há apenas algumas semanas! No entanto, não podemos aceitar que o dinheiro dos cidadãos sirva somente para dar fôlego aos vários responsáveis pela crise.
3. Não se deve perder de vista que corremos o risco de que os próprios investimentos públicos sejam uma forma de privatização pelo avesso, uma vez que se reduzam exclusivamente, como está ocorrendo, a uma espécie de resgate, com o dinheiro dos cidadãos, o que terminaria por reforçar o círculo vicioso da relação recíproca de dependência entre a classe política e os supostos capitães corajosos da especulação financeira. Assim, depois de sangradas as burras do Estado – a serem reforçadas com impostos e cortes do gasto público –, os próprios cidadãos se verão diante do espectro do desemprego e da recessão.
4. A própria intervenção do Estado não é neutra: deve-se pôr em ação um sistema público diferente quanto ao modo de operar e às finalidades produtivas e sociais que devem caracterizá-lo. Não queremos o retorno dos boiardos de Estado! Exigimos, pois, que a co-participação do Estado nos bancos privados seja acompanhada por uma co-participação democrática dos cidadãos, a ser realizada através de formas eficazes de nova democracia econômica. Deve reaparecer, acima do mercado, o tema iniludível das regras. Isso comporta o reforço dos controles públicos e a discussão democrática das orientações de gasto e de investimento. Esta é a primeira condição para realizar uma efetiva passagem da financeirização selvagem destes anos à centralidade do trabalho produtivo.
5. Consideramos que a retomada dos fluxos financeiros e o mercado dos empréstimos bancários – o chamado money market – devem ser postos a serviço de novos modos de consumir e produzir, que tenham como núcleo a economia do sol e do ar no lugar do petróleo, do carvão e do nuclear. Isso comporta uma decidida transferência de recursos financeiros das políticas de rearmamento para as de intervenção para a salvação do planeta.
6. Afirmamos a necessidade de que a co-participação do público, de mero resgate transitório dos velhos poderes fortes, transforme-se num novo pacto social que comporte uma diferente redistribuição de renda e poder entre capital e trabalho, deslocando o centro de gravidade em favor das classes e dos países menos favorecidos.
Trata-se, como se vê, só de algumas diretrizes muito gerais, que, no entanto, a meu ver, poderiam ser propostas como base de um trabalho bem mais denso de discussão e elaboração de concretos projetos alternativos em relação ao fracassado pensamento único global do monetarismo neoliberal, posto de joelhos pela mais grave crise do capitalismo desde 1929.
Achille Occhetto, o último secretário do Partido Comunista Italiano e o primeiro secretário do Partido Democrático de Esquerda (atual Partido Democrático –PD)
(Tradução de Josimar Teixeira)
DEU EM L’UNITÁ
Publicado em 18/10/2008
Um dos órgãos vitais do capitalismo – a finança – foi atacado por um mal terrível, que ameaça se estender a todo o sistema, passar da crise creditícia e bancária à crise da economia real.
Nesta situação, indiscutivelmente arriscada para todas as classes sociais, colocou-se o problema da mais ampla solidariedade possível para socorrer o sistema bancário. Não há dúvida de que a ameaça de colapso dos fundos de pensão, insolvência dos bancos e falência das companhias de seguro atinge a segurança e o futuro de todos os cidadãos. Nesta situação dramática, tornava-se e torna-se necessário um esforço comum para enfrentar a crise. Mas tal esforço não podia e não pode prescindir de uma constatação precisa.
Diante desta crise não somos todos iguais: existem os culpados e existem as vítimas. Por isso, também na ação de socorro deve-se distinguir entre intervenção imediata para reanimar o sistema bancário e apoio ao velho modelo de desenvolvimento.
Nas grandes crises epocais, a diversidade dos interesses e o conflito social não desaparecem; ao contrário, acirram-se e manifestam-se sob formas diferentes daquelas do passado. Por isso, a esquerda não pode se dividir entre solidariedade unanimista e protesto corporativo.
É preciso lançar um manifesto de comportamento que trace em grandes linhas a relação que deve haver entre a esquerda – e, mais em geral, o centro-esquerda – e a crise.
Eis alguns possíveis pontos fundamentais de tal manifesto:
1. Estamos prontos para assumir as nossas responsabilidades nacionais e internacionais para enfrentar a emergência do modo mais rápido e eficaz possível, mas através de uma nítida distinção entre o resgate imediato do sistema bancário, a eliminação das causas da bolha financeira e imobiliária, a reanimação do mercado dos empréstimos interbancários, por um lado, e o resgate dos banqueiros e dos dirigentes políticos que criaram a crise, por outro.
2. Fazemos uma nítida distinção entre resgate do sistema financeiro e relançamento do velho modelo de desenvolvimento. O próprio resgate do sistema financeiro não deve ser funcional à retomada do modelo de desenvolvimento neoliberal. No momento mais agudo da crise, os gurus do neoliberalismo redescobriram o valor da mão pública, desde as formas mais indiretas – como as que vão de amplas injeções de dinheiro estatal à co-participação nos institutos de crédito privados – até às decisões, tomadas no santuário do neoliberismo, de nacionalização no sentido mais próprio do termo. Depois de termos sido obrigados, por uma década, a engolir poeira, arrastados atrás do carro do triunfo neoliberal, assistimos a uma mudança de clima inimaginável há apenas algumas semanas! No entanto, não podemos aceitar que o dinheiro dos cidadãos sirva somente para dar fôlego aos vários responsáveis pela crise.
3. Não se deve perder de vista que corremos o risco de que os próprios investimentos públicos sejam uma forma de privatização pelo avesso, uma vez que se reduzam exclusivamente, como está ocorrendo, a uma espécie de resgate, com o dinheiro dos cidadãos, o que terminaria por reforçar o círculo vicioso da relação recíproca de dependência entre a classe política e os supostos capitães corajosos da especulação financeira. Assim, depois de sangradas as burras do Estado – a serem reforçadas com impostos e cortes do gasto público –, os próprios cidadãos se verão diante do espectro do desemprego e da recessão.
4. A própria intervenção do Estado não é neutra: deve-se pôr em ação um sistema público diferente quanto ao modo de operar e às finalidades produtivas e sociais que devem caracterizá-lo. Não queremos o retorno dos boiardos de Estado! Exigimos, pois, que a co-participação do Estado nos bancos privados seja acompanhada por uma co-participação democrática dos cidadãos, a ser realizada através de formas eficazes de nova democracia econômica. Deve reaparecer, acima do mercado, o tema iniludível das regras. Isso comporta o reforço dos controles públicos e a discussão democrática das orientações de gasto e de investimento. Esta é a primeira condição para realizar uma efetiva passagem da financeirização selvagem destes anos à centralidade do trabalho produtivo.
5. Consideramos que a retomada dos fluxos financeiros e o mercado dos empréstimos bancários – o chamado money market – devem ser postos a serviço de novos modos de consumir e produzir, que tenham como núcleo a economia do sol e do ar no lugar do petróleo, do carvão e do nuclear. Isso comporta uma decidida transferência de recursos financeiros das políticas de rearmamento para as de intervenção para a salvação do planeta.
6. Afirmamos a necessidade de que a co-participação do público, de mero resgate transitório dos velhos poderes fortes, transforme-se num novo pacto social que comporte uma diferente redistribuição de renda e poder entre capital e trabalho, deslocando o centro de gravidade em favor das classes e dos países menos favorecidos.
Trata-se, como se vê, só de algumas diretrizes muito gerais, que, no entanto, a meu ver, poderiam ser propostas como base de um trabalho bem mais denso de discussão e elaboração de concretos projetos alternativos em relação ao fracassado pensamento único global do monetarismo neoliberal, posto de joelhos pela mais grave crise do capitalismo desde 1929.
Achille Occhetto, o último secretário do Partido Comunista Italiano e o primeiro secretário do Partido Democrático de Esquerda (atual Partido Democrático –PD)
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