Yoshiaki Nakano
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Entre os erros humanos documentados empiricamente pela psicologia temos a tendência do ser humano ser otimista e confiante. Estes fatos são estudados pela chamada "economia comportamental". Assim, é "normal" que as previsões econômicas tendam a este viés otimista e que sejam, posteriormente, ajustadas para convergir com as previsões chamadas "pessimistas". Os economistas brasileiros estão prevendo que o crescimento da economia brasileira em 2009 será de cerca de 3,0%. Os pessimistas prevêem crescimento de 2,0%. Com a divulgação das informações sobre o desenrolar da crise, haverá revisões para baixo e o crescimento de 2,0% passará a ser a taxa "otimista". A duração da crise financeira e da contração econômica deverá ser mais prolongada do que gostaríamos de admitir.
É com este quadro de recessão ou forte desaceleração em 2009 e 2010 que temos que conviver e avaliar as medidas de política econômica. Se crescermos 5,2% este ano, a desaceleração no crescimento do PIB deverá ser de mais de 3% em 2009 e em 2010. A demanda agregada deverá sofrer uma contração maior ainda. A despesa de consumo das familias, que vinha crescendo em torno de 7%, deverá sofrer redução nos próximos meses, pois a oferta de crédito, que vinha crescendo mais de 30%, já sofreu forte redução, com simultânea elevação da taxa de juros, e o nível de emprego já dá os primeiros sinais negativos.
Da mesma forma, os investimentos produtivos que vinham crescendo mais de 15% deverão sofrer contração mais forte ainda pois são mais sensíveis ao quadro de grande incerteza e de paralisia no sistema de crédito. Os dados recentes de exportações são ainda mais preocupantes, pois aqui se associam a paralisia no crédito externo, a violenta queda no preço das commodities e uma recessão global muito mais profunda do que esperado. A depreciação do real deverá ter efeitos positivos nas exportações, mas sabemos que esta só responde com um lag que poderá ser de dois anos. As importações, que estão do lado da oferta agregada, deverão ter forte queda já que se ajustarão à queda na demanda agregada. Esta queda atuará como freio na redução no nível de atividade interna, mas é importante lembrar que seu efeito doméstico depende também da taxa de câmbio, que sofreu forte depreciação - da ordem de 40% - e isto atuará negativamente subtraindo demanda agregada, neutralizando aqueles efeitos positivos.
Quais as consequências desta forte desaceleração na demanda agregada sobre a economia brasileira? O que à primeira vista parece ser uma tragédia, poderá ser bastante benéfico para o futuro da economia brasileira. Na verdade, podemos dizer que ela antecipa, em alguns anos e de uma forma favorável, ajustes que teríamos que fazer num futuro próximo com custos muito mais elevados se a crise financeira não tivesse ocorrido.
De fato, a economia brasileira vinha crescendo nos últimos anos a uma taxa mais acelerada após 25 anos de semi-estagnação. Mas a transição para a nova trajetória de crescimento vinha apresentando alguns problemas: 1) elevado patamar da taxa de juros vinha provocando a apreciação do câmbio e consequente elevação dos salários reais gerando um excesso de demanda expresso no crescimento explosivo do déficit em transações correntes; 2) o rápido crescimento da economia mundial e a especulação financeira vinham excedendo forte pressão sobre o preço do petróleo, metais e alimentos gerando uma inflação mundial; 3) o excesso de liquidez global vinha gerando "boom" de entrada de capitais com forte pressão sobre os preços dos ativos financeiros e imóveis com geração de bolhas especulativas, como na bolsa de valores; e 4) o crescimento de mais de 30% na oferta de crédito ao consumidor, por sucessivos anos, levava a antever crise de inadimplência.
Neste quadro, o governo Lula vinha reagindo apenas ao problema da inflação com elevação dos juros, mas com política fiscal frouxa. Esta política estava agravando o problema da apreciação cambial e, ao estimular a entrada de capitais do exterior, não dava sinais de ser capaz de controlar a excessiva expansão do crédito nem de evitar bolhas especulativas. Assim, no curto prazo, a elevação da taxa de juros traria, com certeza, uma desaceleração no crescimento econômico e deterioração das contas fiscais com elevação da dívida pública. No médio prazo, era previsível que a excessiva apreciação do real e o explosivo crescimento do déficit em transações correntes terminariam numa crise de balanço de pagamentos. Ainda, poderia ser agravada com uma crise financeira interna em função do excessivo crescimento do crédito e das bolhas financeiras.
A verdade é que a crise financeira internacional seguida da contração no crédito, depreciação da taxa de câmbio e recessão, iniciou um forte ajuste na economia brasileira que poderá resolver ou encaminhar os problemas listados acima. A depreciação cambial, num quadro recessivo, é ideal pois neutraliza a inflação e permite um ajuste nas transações correntes retirando do horizonte problemas futuros com balanço de pagamentos. As fortes contrações no crédito e na demanda agregada associados à grande queda nos preços do petróleo e das commodities tem sido de tal magnitude que vêm reduzindo e neutralizando os efeitos inflacionários da depreciação da taxa de câmbio. Simultaneamente, os problemas da excessiva valorização de ativos e da expansão de crédito também desapareceram. Ao contrário, a grave crise de liquidez internacional e a contração doméstica de crédito é de uma magnitude não vista desde a crise de 30 e requer medidas mais agressivas do Banco Central de ampliação da liquidez e, certamente, ele será obrigado, num futuro próximo, a novas reduções no depósito compulsório e na taxa de juros, para evitar um colapso maior no nível de emprego.
Assim, a crise financeira está fazendo os ajustes necessários e trouxe para o Brasil uma grande oportunidade de eliminar anomalias como uma taxa de juros excessivamente elevada. Como a taxa de juros é muito elevada, a crise de liquidez abriu muito espaço para sua redução a fim de evitar recessão econômica mais grave e sem impactos inflacionários. É a grande oportunidade para que nossos juros convirjam para níveis internacionais. Como há grande espaço para redução na taxa de juros e a ampliação na liquidez é imperativa, não cabem medidas de estímulo fiscal no Brasil. Seria um erro, pois só a austeridade fiscal daria sustentação no longo prazo ao novo patamar de juros. Se a combinação da política macroeconômica for sábia, a crise financeira num golpe abre possibilidade do Brasil ter estabilidade e retomar crescimento com vigor como nos quatro últimos anos. Estabilidade e moeda forte só é possível com equilíbrio fiscal e nas transações correntes. Isto é, com baixas taxas de juros consistentes com taxa de câmbio estável e competitiva. Juros altos e câmbio apreciado são sinais de desequilíbrio, instabilidade e resultam em baixo crescimento.
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Entre os erros humanos documentados empiricamente pela psicologia temos a tendência do ser humano ser otimista e confiante. Estes fatos são estudados pela chamada "economia comportamental". Assim, é "normal" que as previsões econômicas tendam a este viés otimista e que sejam, posteriormente, ajustadas para convergir com as previsões chamadas "pessimistas". Os economistas brasileiros estão prevendo que o crescimento da economia brasileira em 2009 será de cerca de 3,0%. Os pessimistas prevêem crescimento de 2,0%. Com a divulgação das informações sobre o desenrolar da crise, haverá revisões para baixo e o crescimento de 2,0% passará a ser a taxa "otimista". A duração da crise financeira e da contração econômica deverá ser mais prolongada do que gostaríamos de admitir.
É com este quadro de recessão ou forte desaceleração em 2009 e 2010 que temos que conviver e avaliar as medidas de política econômica. Se crescermos 5,2% este ano, a desaceleração no crescimento do PIB deverá ser de mais de 3% em 2009 e em 2010. A demanda agregada deverá sofrer uma contração maior ainda. A despesa de consumo das familias, que vinha crescendo em torno de 7%, deverá sofrer redução nos próximos meses, pois a oferta de crédito, que vinha crescendo mais de 30%, já sofreu forte redução, com simultânea elevação da taxa de juros, e o nível de emprego já dá os primeiros sinais negativos.
Da mesma forma, os investimentos produtivos que vinham crescendo mais de 15% deverão sofrer contração mais forte ainda pois são mais sensíveis ao quadro de grande incerteza e de paralisia no sistema de crédito. Os dados recentes de exportações são ainda mais preocupantes, pois aqui se associam a paralisia no crédito externo, a violenta queda no preço das commodities e uma recessão global muito mais profunda do que esperado. A depreciação do real deverá ter efeitos positivos nas exportações, mas sabemos que esta só responde com um lag que poderá ser de dois anos. As importações, que estão do lado da oferta agregada, deverão ter forte queda já que se ajustarão à queda na demanda agregada. Esta queda atuará como freio na redução no nível de atividade interna, mas é importante lembrar que seu efeito doméstico depende também da taxa de câmbio, que sofreu forte depreciação - da ordem de 40% - e isto atuará negativamente subtraindo demanda agregada, neutralizando aqueles efeitos positivos.
Quais as consequências desta forte desaceleração na demanda agregada sobre a economia brasileira? O que à primeira vista parece ser uma tragédia, poderá ser bastante benéfico para o futuro da economia brasileira. Na verdade, podemos dizer que ela antecipa, em alguns anos e de uma forma favorável, ajustes que teríamos que fazer num futuro próximo com custos muito mais elevados se a crise financeira não tivesse ocorrido.
De fato, a economia brasileira vinha crescendo nos últimos anos a uma taxa mais acelerada após 25 anos de semi-estagnação. Mas a transição para a nova trajetória de crescimento vinha apresentando alguns problemas: 1) elevado patamar da taxa de juros vinha provocando a apreciação do câmbio e consequente elevação dos salários reais gerando um excesso de demanda expresso no crescimento explosivo do déficit em transações correntes; 2) o rápido crescimento da economia mundial e a especulação financeira vinham excedendo forte pressão sobre o preço do petróleo, metais e alimentos gerando uma inflação mundial; 3) o excesso de liquidez global vinha gerando "boom" de entrada de capitais com forte pressão sobre os preços dos ativos financeiros e imóveis com geração de bolhas especulativas, como na bolsa de valores; e 4) o crescimento de mais de 30% na oferta de crédito ao consumidor, por sucessivos anos, levava a antever crise de inadimplência.
Neste quadro, o governo Lula vinha reagindo apenas ao problema da inflação com elevação dos juros, mas com política fiscal frouxa. Esta política estava agravando o problema da apreciação cambial e, ao estimular a entrada de capitais do exterior, não dava sinais de ser capaz de controlar a excessiva expansão do crédito nem de evitar bolhas especulativas. Assim, no curto prazo, a elevação da taxa de juros traria, com certeza, uma desaceleração no crescimento econômico e deterioração das contas fiscais com elevação da dívida pública. No médio prazo, era previsível que a excessiva apreciação do real e o explosivo crescimento do déficit em transações correntes terminariam numa crise de balanço de pagamentos. Ainda, poderia ser agravada com uma crise financeira interna em função do excessivo crescimento do crédito e das bolhas financeiras.
A verdade é que a crise financeira internacional seguida da contração no crédito, depreciação da taxa de câmbio e recessão, iniciou um forte ajuste na economia brasileira que poderá resolver ou encaminhar os problemas listados acima. A depreciação cambial, num quadro recessivo, é ideal pois neutraliza a inflação e permite um ajuste nas transações correntes retirando do horizonte problemas futuros com balanço de pagamentos. As fortes contrações no crédito e na demanda agregada associados à grande queda nos preços do petróleo e das commodities tem sido de tal magnitude que vêm reduzindo e neutralizando os efeitos inflacionários da depreciação da taxa de câmbio. Simultaneamente, os problemas da excessiva valorização de ativos e da expansão de crédito também desapareceram. Ao contrário, a grave crise de liquidez internacional e a contração doméstica de crédito é de uma magnitude não vista desde a crise de 30 e requer medidas mais agressivas do Banco Central de ampliação da liquidez e, certamente, ele será obrigado, num futuro próximo, a novas reduções no depósito compulsório e na taxa de juros, para evitar um colapso maior no nível de emprego.
Assim, a crise financeira está fazendo os ajustes necessários e trouxe para o Brasil uma grande oportunidade de eliminar anomalias como uma taxa de juros excessivamente elevada. Como a taxa de juros é muito elevada, a crise de liquidez abriu muito espaço para sua redução a fim de evitar recessão econômica mais grave e sem impactos inflacionários. É a grande oportunidade para que nossos juros convirjam para níveis internacionais. Como há grande espaço para redução na taxa de juros e a ampliação na liquidez é imperativa, não cabem medidas de estímulo fiscal no Brasil. Seria um erro, pois só a austeridade fiscal daria sustentação no longo prazo ao novo patamar de juros. Se a combinação da política macroeconômica for sábia, a crise financeira num golpe abre possibilidade do Brasil ter estabilidade e retomar crescimento com vigor como nos quatro últimos anos. Estabilidade e moeda forte só é possível com equilíbrio fiscal e nas transações correntes. Isto é, com baixas taxas de juros consistentes com taxa de câmbio estável e competitiva. Juros altos e câmbio apreciado são sinais de desequilíbrio, instabilidade e resultam em baixo crescimento.
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.
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