domingo, 23 de novembro de 2008

A loteria do amanhã


Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O preço do barril de petróleo fechou na quinta a US$ 49.62, mas no dia 3 de julho chegou ser cotado a US$ 145.29. Em pouco mais de quatro meses o ouro negro perdeu 63% do seu valor. Na época do pico considerava-se a hipótese de que chegaria aos 200, agora já se admite um recuo para 30 dólares.

Quem pressentiu a disparada? Quem augurou a queda? Em sua ansiosa busca pela perfeição o ser humano ainda não conseguiu conformar-se com dois notáveis fracassos: não alcançar a imortalidade e sentir-se incapaz de prever o futuro. No primeiro caso, contenta-se modestamente com o aumento dos índices de longevidade. Mas no segundo resiste em reconhecer que a futurologia não é ciência exata.

A teoria dos jogos, a lei das probabilidades, a própria estatística e a matemática oferecem ferramentas capazes de minorar a impotência humana diante do inesperado e imprevisível. Teimoso, obcecado com a figura do profeta (mesmo sabendo que na antiguidade eram marginais que ousavam dizer a verdade aos poderosos), o homem moderno insiste na devoção à bola de cristal. Ainda prefere antever a conhecer.

Exemplo desta inclinação divinatória está na evolução da palavra cenário que designava os ambientes (ou paisagens) onde se desenrolavam ações ou representações e que agora significa também um conjunto de prognósticos. Uma exibição de profetismo foi oferecida na quinta-feira pelo Conselho de Inteligência Nacional dos EUA (NIC, na sigla em inglês), que reúne as agências de inteligência e prepara a cada quatro anos, justamente no intervalo que antecede a posse do novo presidente, um documento onde se cruzam as tendências e projeções de médio prazo.

O prognóstico divulgado vai até 2025 e descortina um mundo multipolar ainda com os EUA exercendo o papel de superpotência no campo econômico e militar. Além de novos atores estatais – os conhecidos "emergentes" como China, Índia e Brasil – a boa notícia é que o estudo prevê o aparecimento de atores não-estatais, uma espécie de 3º Setor Globalizado com a participação de empresas, tribos, comunidades, entidades religiosas, ONGs, associações internacionais e tribos. A má notícia é que neste elenco será impossível evitar o aparecimento de organizações criminosas de grande porte.

Nenhuma novidade. Qualquer seminário, colóquio ou congresso sobre os próximos 10, 15 ou 17 anos seria capaz de fazer as mesmas prospecções com base nos desdobramentos da atual conjuntura. Mais complicado será determinar o momento em que as mudanças climáticas começarão a produzir as anunciadas calamidades, quando é que a proliferação nuclear escapará do controle internacional e como serão formatados e acionados os dispositivos para reverter a atual crise do sistema financeiro acordados na reunião do G-20 do passado fim de semana. Isso ninguém sabe.

Mais importante do que malabarismos futurísticos são os exercícios de realismo e eficácia. No lugar de imponderáveis previsões para enfrentar situações aleatórias e imaginárias, melhor optar por decisões corretas para fazer face ao presente. Os autores da Constituição dos EUA sabiam que não poderiam fazer uma carta magna definitiva, intocável, então a redigiram de forma compacta, mais atenta aos princípios do que ao casuísmo e até dotaram-na de emendas anti-emendas que a desvirtuassem.

Quando as lideranças do Velho Mundo, em meio aos escombros da Segunda Guerra Mundial pensaram num modelo de reconstrução dos seus países, escolheram um sistema de cooperação supranacional que tornou-se emblema dos novos tempos a União Européia.

Ao criar um Ministério de Assuntos Estratégicos, o atual governo embarcou na mitologia do porvir, esquecido do devir, a transformação constante, continua. Cada decisão precária torna o futuro mais distante. Se o presidente Barack Obama não criar um sistema de atendimento médico universal, os EUA sequer chegarão a 2025 como potência mundial. O futuro faz-se agora. Com competência. Os estragos institucionais que testemunhamos têm algo em comum: todos resultam de opções recentíssimas, porem toscas, desenhadas para serem descartadas. Na loteria do amanhã, ganha quem aposta no hoje.

» Alberto Dines é jornalista

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