domingo, 8 de fevereiro de 2009

Lula e Obama: proximidades

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. A começar pelo próprio presidente Lula, e referendado por muita gente boa da academia, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, é comum fazer-se um paralelo entre as eleições do ex-operário e do primeiro negro, como se os dois eventos tivessem o mesmo significado dentro do processo político de seus respectivos países. Fora o fato de que cada um deles representou, na época em que foi eleito, um sentimento de mudança latente na sociedade, e de que sejam políticos que, à sua maneira, têm o dom da oratória, são muito diferentes entre si, mas têm pontos de contato que podem ajudar na aproximação.

A elegância da oratória de Obama, em contraste com a espontaneidade da de Lula, não impediu que recentemente os dois se aproximassem no uso de expressões vulgares. Lula soltou um "sifu" em um improviso, e recentemente Obama usou uma expressão ("I screwed up") próxima ao linguajar vulgar para dizer que cometera um erro. A tradução tanto pode ser "fiz uma besteira" como "fiz uma c...".

Mesmo tendo tido trajetórias semelhantes, no sentido de serem de famílias pobres e terem conseguido ser bem-sucedidos na vida através da política, Obama e Lula têm formação cultural totalmente diferente, e seus caminhos políticos foram forjados com instrumentos distintos.

Os pais de Obama eram professores universitários, ele é parte da elite intelectual americana, é um scholar formado por Harvard, que deu aulas em universidades em Nova York (Columbia) e Chicago antes de se dedicar a trabalhos comunitários que o levaram à política. Lula não se cansa de lembrar que é filho de uma analfabeta; como Obama, cresceu sem o pai em casa.

Depois de ter passado muitos anos se vangloriando de ter vencido na vida sem estudar, Lula nos últimos tempos envia sinais de que já entendeu que não deve dar o mau exemplo e desestimular o estudo. Recentemente, disse em uma entrevista que se dar bem na vida sem estudar é como ganhar na Mega-Sena.

Obama tem a autoconfiança de quem se sabe preparado intelectualmente para a tarefa a que se propôs e a audácia de enfrentar o establishment político logo no início da carreira, preferindo desafiar a cúpula democrata na disputa pela indicação de candidato a Presidente com a senadora Hilary Clinton a esperar que sua vez chegasse pela ordem hierárquica natural ditada pelas lideranças mais antigas.

Tem andar elegante e um porte altivo que pode ser confundido com arrogância, o queixo sempre para cima num sinal de disposição para o enfrentamento. Lula é da elite operária brasileira, foi forjado como líder nas lutas sindicais e delas tirou um estilo autoritário de liderança política que se reflete na sua impaciência com as críticas e na maneira impositiva de comandar.

Desde sempre se colocou como candidato a presidente, recusando uma carreira política tradicional. Passou pelo Congresso na Constituinte de 1988 como um deputado federal medíocre, não por incapacidade, mas por total falta de adaptação aos códigos e procedimentos do Congresso, de onde saiu sem vontade de voltar, afirmando que dos 513 deputados, pelo menos 300 eram picaretas.

Mesmo vitorioso, Lula se considera perseguido pela elite brasileira, que não teria nunca o aceitado. Também Obama destacou-se por fazer política longe do establishment de Washington, e é um dos maiores críticos da "pequena política" do Capitólio. Tentou fazer uma política suprapartidária diante do momento de crise econômica internacional, mas encontrou uma resistência inesperada nos republicanos que, embora em esmagadora minoria no Congresso, apostam no fracasso do plano de recuperação econômica para voltarem ao poder em 2010.

Lula, como Obama, começou querendo mudar "tudo isso que está aí", e garantia que bastaria "vontade política" para mudar as coisas. Seis anos depois, montou a maior coligação partidária já vista na política brasileira, um saco de gatos onde grande parte dos 300 picaretas, de esquerda ou de direita, encontram espaço suficiente para exercerem seu fisiologismo.

Identificado com a esquerda, Lula já declarou que um homem de cabeça branca que continua comunista deve ter algum problema sério. Obama, considerado o mais esquerdista dos senadores, é apontado como socialista pelos conservadores mais radicais, mas reuniu em torno dele a fina flor dos economistas considerados "de direita".

A falta de experiência política tradicional foi uma crítica que Lula ouviu durante todas as campanhas presidenciais de que participou, assim como Obama teve que superar essa mesma desconfiança.

Obama é negro para os padrões americanos, mas na verdade é um mestiço, como já se definiu ao se referir ao cachorro de estimação que levaria para a Casa Branca. Filho de mãe branca com pai negro do Quênia, Obama é um mulato e disse a Lula que, se saísse nas ruas de uma cidade do nosso país, ninguém diria que ele não é um mulato brasileiro.

Está melhor que o antecessor, George Bush, que se espantou ao saber que no Brasil havia negros. Lula acha que vai se tornar "logo, logo" camarada de Obama, quem sabe mais camarada ainda do que era de Bush, a quem o ligava uma simpatia recíproca.

Lula acha que, como ele, Obama não pode errar. Nesse raciocínio, um ex-operário como ele, errando, faria com que ficasse mais difícil para uma pessoa humilde chegar à Presidência no Brasil, assim como o primeiro negro, se não for bem na presidência, pode estigmatizar os políticos negros, provocando um retrocesso no amadurecimento democrático dos Estados Unidos.

Os dois se encontrarão em breve e, além das proximidades, o programa de energia alternativa pode aproximá-los ainda mais. O Brasil tem a tecnologia e os meios para a produção de biocombustíveis, entre eles o etanol da cana de açúcar. Obama tem um projeto de fazer uma economia verde para livrar os Estados Unidos da dependência do petróleo estrangeiro. Pode dar liga.

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