André Hees
DEU EM A GAZETA (ES)
DEU EM A GAZETA (ES)
Dois cientistas políticos, um norte-americano e um alemão, escreveram um ensaio interessante para a nova edição da revista "Foreign Affairs" (março e abril de 2009), em que sustentam que as sociedades só se tornam democráticas sob determinadas condições culturais. Mas o desenvolvimento econômico tende a moldar essas condições, e a democracia está se consolidando no mundo como o melhor regime para as sociedades industriais, apesar do retrocesso verificado em alguns países e das críticas de alguns observadores, céticos quanto ao futuro das liberdades civis no mundo atual.
Ronald Inglehart é professor de Ciência Política da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e Chirstian Welzel é professor da Jacobs University Bremen, da Alemanha. Em artigo com o título "Como o Desenvolvimento Leva à Democracia", eles sustentam que a modernização sempre abre caminhos para que a sociedade construa as suas instituições democráticas, considerando a história e a cultura características de cada nação - modernização é entendida aí como uma série de mudanças sociais ligadas à industrialização.
"Uma vez que o processo é deslanchado, ele tende a influenciar todos os aspectos da vida, trazendo qualificação e especialização profissional, urbanização, elevação do nível educacional, aumento da expectativa de vida e crescimento econômico. Esse processo, por sua vez, estabelece um ciclo virtuoso, com a transformação da vida social e das instituições políticas, com a participação das massas na política. E, no longo prazo, isso torna mais provável o surgimento de instituições políticas democráticas", afirmam os autores.
O que mostra a história? Com a derrocada do comunismo, diversos países no mundo inteiro fizeram a transição de regimes autoritários para a democracia, principalmente entre os anos de 1985 e 1995. Isso aconteceu tanto no bloco soviético como na América Latina, incluindo o Brasil.
Mais recentemente, porém, houve retrocessos em diversos países, como Rússia, Venezuela, Filipinas e Nigéria. Também fracassou a tentativa do Governo Bush de implantar a democracia no Iraque e no Afeganistão - a intervenção americana, nesses casos, só mergulhou as nações no caos.
Esses acontecimentos, somados à retomada de poder militar e influência política da Rússia e da China, no cenário internacional, têm levado muitos observadores a afirmar que a democracia teria atingido seu limite. Seu futuro no mundo estaria ameaçado. Há controvérsias.
Os professores Ronald Inglehart e Chirstian Welzel argumentam que, ao longo da história, o caminho rumo à democracia sempre foi marcado por altos e baixos. Ela avança em espasmos, como ondas. Nos últimos cem anos houve três grandes ondas: a Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra e a Guerra Fria. Depois de cada um desses grandes conflitos houve um avanço no número de democracias no mundo, seguido de um retrocesso. Mas mesmo com esses retrocessos o número de democracias nunca recuou ao patamar anterior.
Assim, no início do século XX, podia-se contar nos dedos o número de democracias no mundo. E hoje em dia existem cerca de 90 Estados que podem ser considerados democráticos, com instituições em maior ou menor grau de eficácia.
A construção da democracia, contudo, não é um processo linear. Ela depende da herança histórica e cultural de cada nação, e está sujeita a pontos de inflexão. Graves crises econômicas podem causar retrocessos, como aconteceu na Grande Depressão de 1929, na Alemanha, Itália, Japão e Espanha. (Nesse período, a partir de 1937, o Brasil enfrentou o Estado Novo de Vargas). A crise atual, portanto, pode agravar a xenofobia e o autoritarismo.
A tese central da teoria da modernização, contudo, é que o desenvolvimento tecnológico e econômico promove um conjunto de mudanças sociais, culturais e políticas. Essas mudanças alteram o papel da religião na sociedade, a motivação das pessoas para o trabalho, as taxas de natalidade, o papel do homem e da mulher, a conduta sexual.
O crescimento econômico exige investimento em capital humano, em qualificação profissional. Com a ampliação de uma classe média educada, constituída por pessoas habituadas à liberdade de pensamento, crescem também a cobrança em relação às elites e a pressão popular por instituições democráticas. Tudo isso junto favorece o surgimento da democracia liberal - "o sistema político mais eficiente para sociedades industriais avançadas".
Os autores afirmam que o crescimento econômico na China já provocou mudanças nas estruturas da sociedade que, com o tempo, podem tornar a repressão ineficaz, inclusive do ponto de vista econômico. Eles criticam também o embargo comercial dos Estados Unidos a Cuba, e avaliam que, se o objetivo é minar o regime autoritário local, a estratégia mais eficiente seria permitir a integração econômica com o resto do mundo.
André Hees é jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário