quinta-feira, 16 de abril de 2009

A hipótese de dois candidatos

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O argumento do PSB para bancar a pré-candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República em 2010, de que ela reforçaria, mais do que enfraqueceria, a candidata de Lula e do PT, Dilma Rousseff, é apenas uma aposta, ou um palpite, mas não é despropositado. O partido cita o que aconteceu nas eleições de 2006 em Pernambuco, quando dois candidatos oposicionistas ao governo, Eduardo Campos (PSB) e Humberto Costa (PT), disputaram contra o governista Mendonça Filho (DEM), apoiado pelo popularíssimo governador que deixava o cargo, Jarbas Vasconcelos (PMDB), e fazia dobradinha com ele como candidato ao Senado. Se tivesse apenas um oponente na disputa, Mendonça Filho ganharia no primeiro turno. A soma dos votos dos dois oposicionistas tirou o Palácio das Princesas das mãos do favorito: ele teve que disputar um segundo turno com Campos, e perdeu.

Esse, no entanto, é apenas um exemplo mais próximo de como mais de um candidato disputando no mesmo campo - oposicionista ou governista - podem desestabilizar um pleito considerado ganho. Embora movimentos fortes de mudança das forças hegemônicas na sociedade, e mesmo fatores conjunturais, sejam elementos definidores de uma vitória eleitoral, o número e o perfil dos candidatos em disputa são decisões estratégicas que também têm bastante importância.

Um exemplo disso foram as próprias eleições de 2002, quando três candidatos oposicionistas - o favorito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PPS) e Anthony Garotinho (PSB) - concorriam contra um único candidato governista, José Serra (PSDB). No campo governista, Serra reinava, solitário, apoiado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso - que estava no final de um segundo mandato e sofria em sua plenitude o desgaste de políticas econômicas impopulares e de uma crise econômica que veio de fora, na esteira do "default" da vizinha Argentina, mas foi agravada pela especulação financeira que chegou com o processo eleitoral e acompanhou-o durante todo o período. O candidato do PSDB também foi prejudicado pelo "racha" do então PFL, hoje DEM, que iniciou a disputa com a candidatura de Roseana Sarney (MA) e atribuiu ao tucano uma denúncia de que ela recebia dinheiro "por fora" para a campanha eleitoral. Roseana foi torpedeada e o PFL fez campanha contra Serra, e manteve por algum tempo apoio a Ciro Gomes.

O tucano, de qualquer forma, era sozinho no campo governista. Mas, em vez de somar o apoio dos eleitores de centro e de direita - forças que apoiaram FHC nos seus dois mandatos -, acabou isolado na direita ideológica. Os três candidatos de oposição faturaram o desgaste governista com a crise e o racha pefelista. Além disso, o fato de existirem três com forte rejeição de grupos de eleitores não deixou que Serra capitalizasse totalmente os votos dos grupos que, antes de apoiar alguém, rejeitavam outro candidato - os votos que vieram de rejeição a algum dos postulantes, portanto, não tiveram um único destino. A divisão da oposição pode, assim, ter garantido o segundo turno e mantido Lula como favorito um candidato que começou como o campeão de rejeição.

Não ser o exclusivo depositário, num primeiro turno, dos votos anti-Lula pode ter enterrado Serra em 2002. Tanto é assim que, ao longo da disputa eleitoral, ele chegou a ficar atrás de Ciro, quando o candidato do PPS teve o seu melhor momento; atrás de Garotinho, quando este conseguiu o segundo lugar, atrás de Lula; e atrás de ambos e de Lula - isto é, chegou a amargar um quarto lugar na disputa.

No mês de julho de 2002, três meses, portanto, antes do primeiro turno, Ciro Gomes conseguiu sua melhor performance: encostou em Lula nas pesquisas eleitorais e, no segundo turno, venceria o petista por 47% a 40%. A partir disso, Ciro começou a cair, levado por uma forte especulação de que a sua proposta de renegociação da dívida brasileira seria um "calote". Foi uma intensa campanha do mercado - e dos tucanos - contra Ciro que acabou puxando para baixo a sua candidatura. Mas, num primeiro momento, em vez de Serra ganhar os seus votos, eles acabaram impulsionando o candidato do PSB. Em agosto, quando Garotinho começou a subir, engoliu primeiro votos de Serra, que chegou a ficar dois pontos abaixo do então candidato da legenda socialista.

Se não tivesse dividido com outros dois candidatos as atenções e os bombardeios vindos das forças governistas e do mercado, seria muito mais difícil para Lula manter-se como favorito praticamente durante todo o processo eleitoral. Nada indica que, em 2010, Dilma seja poupada do mesmo intenso bombardeio. Dividir os ataques da oposição com Ciro pode não ser um mau negócio. Ciro tem mais experiência eleitoral, é agressivo e tem um discurso que, no ataque, se assemelha muito com o que a classe média atraída pelo PSDB e pelo DEM aprova: não mede palavras, o discurso ético é moral e tem um tom incisivo. Apesar de ter provocado mal-estar com a sua proposta de renegociação da dívida, em 2002, exerce uma forte atração sobre um eleitorado mais elitizado que rejeita o PT, mas vê o PSDB com ressalvas.

Um candidato com esse perfil pode, no mínimo, dividir com a candidatura petista as atenções dos partidos oposicionistas, que vão para essas eleições unidos em torno de um único candidato - o que, neste momento, pode também ser a melhor alternativa para a candidatura tucana.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

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