Patrícia Duarte, Liana Melo e Juliana Rangel
Brasília e Rio
DEU EM O GLOBO
A economia menor para pagar juros e o aumento das despesas fizeram com que a dívida pública crescesse R$ 105 bi só este ano. No semestre, após os juros, houve déficit de R$ 43 bi, seis vezes pior do que o de 2008.
Alta de R$ 105 bi na dívida
Com recessão e piora do resultado fiscal, endividamento público sobe a 43,3% do PIB
O comportamento do câmbio e dos juros e o pífio desempenho da economia fizeram a dívida pública aumentar R$ 105,485 bilhões no primeiro semestre deste ano, para R$ 1,259 trilhão, ou 43,1% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país ao longo de um ano).
Trata-se de um patamar 4,3 pontos percentuais acima do fim de 2008. É também o maior nível desde fevereiro de 2008, quando a relação entre o endividamento de todas as esferas do setor público e o PIB ficou em 43,3%.
Foram sete meses seguidos de alta nesse indicador — o mais importante sinalizador da capacidade de um país honrar seus débitos. Os números da dívida de União, estados, municípios e estatais (excluída a Petrobras) refletem a deterioração do quadro fiscal do país, fruto de queda acentuada das receitas e de aumento nas despesas. A economia feita pelo governo para pagar juros e abater a dívida pública recuou 60% entre janeiro e junho, contribuindo para o resultado.
Especialistas e governo, porém, consideram que a situação da dívida pública está sob controle. Na política fiscal, o que preocupa os analistas é o aumento dos gastos públicos — e o perfil dessas despesas —, não o tamanho do endividamento.
Mercado não vê risco de insolvência
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, fez questão ontem de ressaltar o compromisso da União com a responsabilidade fiscal: — O ministro da Fazenda está dizendo aqui que vamos cumprir as metas fiscais e que a relação dívida/ PIB vai continuar caindo. Vamos fazer o que for necessário.
— A dívida não se deteriorou tanto se levarmos em consideração o tamanho da crise — corroborou o chefe do Departamento Econômico do Banco Central (BC), Altamir Lopes, que, como Mantega, avalia que neste segundo semestre a expansão da dívida perderá força, com a retomada da atividade econômica e os efeitos das reduções feitas na taxa básica de juros Selic (hoje em 8,75% ao ano).
No semestre, a expansão da dívida foi puxada pelo câmbio, com a apreciação de 16,5% do dólar frente ao real no período. Como o Brasil é credor em dólar, quando a moeda americana se enfraquece, ela tende a elevar a dívida líquida.
Confiante numa melhora daqui para frente, o BC mantém a projeção de que a relação entre dívida e PIB do país fechará este ano em 41,4% — levando em consideração a realização de um superávit primário (o esforço fiscal para abater a dívida, que são as receitas menos as despesas, sem contar o pagamento de juros) de 2,5% do PIB em 2009, o que não é considerado factível hoje. Mas o mercado, segundo a pesquisa Focus do BC, corrobora essa avaliação, com uma projeção de 41,3% para a relação entre dívida e PIB no fim deste ano.
O economista-chefe do BNP Paribas, Alexandre Lintz, acredita que não há por que duvidar que esse cenário vai se concretizar, mesmo que o superávit primário do setor público feche o ano aos 2%: — Para a relação dívida/PIB se estabilizar, é necessário um primário de 1,5%. E, neste ano, ele deve ser melhor do que isso.
Para os analistas, o recente aumento na dívida pública não representa qualquer risco de insolvência para o país. O que faz acender o sinal de alerta é o legado fiscal que o atual governo está deixando. A crítica é ao aumento dos gastos do governo, que têm crescido mais nas despesas de custeio e pessoal do que com investimentos públicos.
Ainda que aposte numa estabilização da relação entre dívida e PIB este ano, o ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman, hoje economista-chefe do grupo Santander Real, acredita que, no futuro, o país terá dificuldades para cortar gastos, já que o aumento das despesas com pagamento de pessoal engessa qualquer orçamento.
— O perfil do gasto público brasileiro é pesado. Até junho, as despesas correntes aumentaram R$ 23 bilhões se comparadas com o mesmo período do ano anterior, enquanto os investimentos cresceram bem menos, R$ 1,6 bilhão. O aumento do gasto corrente é praticamente 15 vezes maior que o do investimento — analisa Schwartsman, comentando que esse tipo de despesa, quando sobe, não desce facilmente, simplesmente porque é impossível cortar salário, reduzir aposentadoria ou demitir funcionário público no futuro.
Apesar de não estar preocupado com o aumento da relação entre dívida e PIB, Schwartzman acha que esse fator deve pesar na decisão da Moody’s de elevar o Brasil à categoria de grau de investimento. No início de julho, a agência colocou a nota do país sob revisão para possível elevação.
Analista: piora fiscal é no gasto público
O especialista em dívida pública da consultoria Tendências Felipe Salto também está preocupado com a qualidade dos gastos públicos. Na sua avaliação, a relação entre dívida e PIB poderá chegar ao fim de 2009 em 43,9% do PIB. A partir de 2010, a Tendências aposta numa queda para 43,1%.
— O problema fiscal atual não é de solvência, mas sim de qualidade do gasto público — avalia Salto, acrescentando que a deterioração das contas públicas aumenta as chances de o governo ter que recorrer ao Fundo Soberano para cumprir a meta fiscal de 2009, que é obter um superávit primário de 2,5% do PIB.
Já o especialista em contas públicas Raul Velloso defende que o aumento de gastos públicos em épocas de crise não só é normal, como recomendável: — Se o governo ficar inerte, aí sim que vai ser o pior dos mundos.
Colaborou Martha Beck
DEU EM O GLOBO
A economia menor para pagar juros e o aumento das despesas fizeram com que a dívida pública crescesse R$ 105 bi só este ano. No semestre, após os juros, houve déficit de R$ 43 bi, seis vezes pior do que o de 2008.
Alta de R$ 105 bi na dívida
Com recessão e piora do resultado fiscal, endividamento público sobe a 43,3% do PIB
O comportamento do câmbio e dos juros e o pífio desempenho da economia fizeram a dívida pública aumentar R$ 105,485 bilhões no primeiro semestre deste ano, para R$ 1,259 trilhão, ou 43,1% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país ao longo de um ano).
Trata-se de um patamar 4,3 pontos percentuais acima do fim de 2008. É também o maior nível desde fevereiro de 2008, quando a relação entre o endividamento de todas as esferas do setor público e o PIB ficou em 43,3%.
Foram sete meses seguidos de alta nesse indicador — o mais importante sinalizador da capacidade de um país honrar seus débitos. Os números da dívida de União, estados, municípios e estatais (excluída a Petrobras) refletem a deterioração do quadro fiscal do país, fruto de queda acentuada das receitas e de aumento nas despesas. A economia feita pelo governo para pagar juros e abater a dívida pública recuou 60% entre janeiro e junho, contribuindo para o resultado.
Especialistas e governo, porém, consideram que a situação da dívida pública está sob controle. Na política fiscal, o que preocupa os analistas é o aumento dos gastos públicos — e o perfil dessas despesas —, não o tamanho do endividamento.
Mercado não vê risco de insolvência
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, fez questão ontem de ressaltar o compromisso da União com a responsabilidade fiscal: — O ministro da Fazenda está dizendo aqui que vamos cumprir as metas fiscais e que a relação dívida/ PIB vai continuar caindo. Vamos fazer o que for necessário.
— A dívida não se deteriorou tanto se levarmos em consideração o tamanho da crise — corroborou o chefe do Departamento Econômico do Banco Central (BC), Altamir Lopes, que, como Mantega, avalia que neste segundo semestre a expansão da dívida perderá força, com a retomada da atividade econômica e os efeitos das reduções feitas na taxa básica de juros Selic (hoje em 8,75% ao ano).
No semestre, a expansão da dívida foi puxada pelo câmbio, com a apreciação de 16,5% do dólar frente ao real no período. Como o Brasil é credor em dólar, quando a moeda americana se enfraquece, ela tende a elevar a dívida líquida.
Confiante numa melhora daqui para frente, o BC mantém a projeção de que a relação entre dívida e PIB do país fechará este ano em 41,4% — levando em consideração a realização de um superávit primário (o esforço fiscal para abater a dívida, que são as receitas menos as despesas, sem contar o pagamento de juros) de 2,5% do PIB em 2009, o que não é considerado factível hoje. Mas o mercado, segundo a pesquisa Focus do BC, corrobora essa avaliação, com uma projeção de 41,3% para a relação entre dívida e PIB no fim deste ano.
O economista-chefe do BNP Paribas, Alexandre Lintz, acredita que não há por que duvidar que esse cenário vai se concretizar, mesmo que o superávit primário do setor público feche o ano aos 2%: — Para a relação dívida/PIB se estabilizar, é necessário um primário de 1,5%. E, neste ano, ele deve ser melhor do que isso.
Para os analistas, o recente aumento na dívida pública não representa qualquer risco de insolvência para o país. O que faz acender o sinal de alerta é o legado fiscal que o atual governo está deixando. A crítica é ao aumento dos gastos do governo, que têm crescido mais nas despesas de custeio e pessoal do que com investimentos públicos.
Ainda que aposte numa estabilização da relação entre dívida e PIB este ano, o ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman, hoje economista-chefe do grupo Santander Real, acredita que, no futuro, o país terá dificuldades para cortar gastos, já que o aumento das despesas com pagamento de pessoal engessa qualquer orçamento.
— O perfil do gasto público brasileiro é pesado. Até junho, as despesas correntes aumentaram R$ 23 bilhões se comparadas com o mesmo período do ano anterior, enquanto os investimentos cresceram bem menos, R$ 1,6 bilhão. O aumento do gasto corrente é praticamente 15 vezes maior que o do investimento — analisa Schwartsman, comentando que esse tipo de despesa, quando sobe, não desce facilmente, simplesmente porque é impossível cortar salário, reduzir aposentadoria ou demitir funcionário público no futuro.
Apesar de não estar preocupado com o aumento da relação entre dívida e PIB, Schwartzman acha que esse fator deve pesar na decisão da Moody’s de elevar o Brasil à categoria de grau de investimento. No início de julho, a agência colocou a nota do país sob revisão para possível elevação.
Analista: piora fiscal é no gasto público
O especialista em dívida pública da consultoria Tendências Felipe Salto também está preocupado com a qualidade dos gastos públicos. Na sua avaliação, a relação entre dívida e PIB poderá chegar ao fim de 2009 em 43,9% do PIB. A partir de 2010, a Tendências aposta numa queda para 43,1%.
— O problema fiscal atual não é de solvência, mas sim de qualidade do gasto público — avalia Salto, acrescentando que a deterioração das contas públicas aumenta as chances de o governo ter que recorrer ao Fundo Soberano para cumprir a meta fiscal de 2009, que é obter um superávit primário de 2,5% do PIB.
Já o especialista em contas públicas Raul Velloso defende que o aumento de gastos públicos em épocas de crise não só é normal, como recomendável: — Se o governo ficar inerte, aí sim que vai ser o pior dos mundos.
Colaborou Martha Beck
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