“Com efeito, não existe filosofia em geral: existem diversas filosofias ou concepções do mundo, e sempre se faz uma escolha entre elas. Como ocorre essa escolha? É esta escolha um fato puramente intelectual, ou é um fato mais complexo? E não ocorre frequentemente que entre o fato intelectual e a norma de conduta exista uma contradição? Qual será, então, a verdadeira concepção do mundo: a que logicamente afirmada como fato intelectual, ou a que resulta da atividade real de cada um, que está implícita na sua ação? E, já que a ação é sempre uma ação política, não se pode dizer que a verdadeira filosofia de cada um se acha inteiramente contida na sua política? Este contraste entre o pensar e o agir, isto é, a coexistência de duas concepções do mundo, uma afirmada por palavras e a outra manifestando-se na ação efetiva, nem sempre se deve à má-fé. A má-fé pode ser uma explicação satisfatória para alguns indivíduos considerados isoladamente, ou até mesmo para grupos mais ou menos numerosos, mas não é satisfatória quando o contraste se verifica nas manifestações vitais de amplas massas: neste caso, ele não pode deixar de ser a expressão de contrastes mais profundos de natureza histórico-social. Isto significa que um grupo social, que tem sua própria concepção do mundo, ainda que embrionária, que se manifesta na ação e, portanto, de modo descontinuo e ocasional – isto é, quando tal grupo se movimenta como um conjunto orgânico - , toma emprestado a outro grupo social, por razões de submissão e subordinação intelectual, uma concepção que não é sua, e a afirma verbalmente, e também acredita segui-la, já que a segue em “épocas normais”, ou seja, quando a conduta não é independente e autônoma, mas sim submissa e subordinada. É por isso, portanto, que não se pode separar a filosofia da política; ao contrário, pode-se demonstrar que a escolha e a crítica de uma concepção do mundo são, também elas, fatos políticos. “
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, Volume 1, págs.96-97. Civilização Brasileira, 4ª edição, 2006.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, Volume 1, págs.96-97. Civilização Brasileira, 4ª edição, 2006.
Um comentário:
A questão levantada por Gramisci deveria deixar de pelos eriçados todas as pessoas que costumam separar as suas ações pessoais de comportamentos políticos..
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